Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo
Na História do Brasil republicano, Dilma Rousseff é a presidente que mais
exonerou ministros em menos de um ano de governo. Mas, curiosamente, não
identificou nada de anormal na sua administração. Como se as demissões por
graves acusações de corrupção fossem algo absolutamente rotineiro. E ocorressem
em qualquer país democrático. Todas as demissões seguiram um mesmo ritual:
começaram por denúncias publicadas na imprensa e, semanas (ou meses) depois,
quando não havia mais nenhuma condição de manter o ministro no cargo, este pedia
para sair.
Na ópera-bufa da política nacional, isso passou a fazer parte do
figurino. O fecho do processo se repete: é necessário também emitir alguma
crítica genérica sobre a corrupção, sem identificar o destinatário. Na hora da
posse do novo ministro, deve ser elogiado o antecessor (o elogio será mais
extenso e efusivo dependendo de quão poderoso for o padrinho político do
ministro). Semanas depois as acusações desaparecem em meio a um novo
escândalo.
O Brasil foi, ao longo do tempo, esgarçando os princípios morais e
éticos. Em 1954 chamou-se "mar de lama" a um conjunto de pequenas mazelas que
envolviam a ação de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente
Getúlio Vargas. Hoje Gregório seria considerado um iniciante, até um ingênuo. A
corrupção permeia todas as esferas do poder e conta com o silêncio complacente
do Judiciário.
Em meio a esta turbulência, a oposição não sabe bem o que fazer. Está
paralisada. Na base governamental temos alguns senadores que manifestam - ainda
que timidamente - algum tipo de independência, como os peemedebistas Jarbas
Vasconcelos e Pedro Simon. Vivem uma constante crise de identidade. Sentem-se
envergonhados como membros de um partido marcadamente fisiológico, mas não
assumem claramente uma posição oposicionista. Nesse contorcionismo perdem espaço
e são usados pelo governo, como na tentativa de criar uma frente suprapartidária
para dar apoio à presidente no combate à corrupção, que serviu para desviar as
atenções da proposta de CPI. O mais estranho é que a presidente não só não pediu
apoio, como não fez nenhum movimento de simpatia. Deixou, literalmente, os
senadores com a vassoura na mão.
Do lado propriamente oposicionista, continua a triste batalha
dostoievskiana. O ódio entre os seus principais líderes deixaria enrubescido o
patriarca da família Karamazov. A disputa interna fratricida paralisa qualquer
ação. Não há projetos partidários. É uma espécie de cada um por si. E todos se
acham espertos. Atualmente, a maior das espertezas é buscar apoio do governo
para ampliar o seu poder na oposição. Algo no terreno do fantástico e fadado,
obviamente, ao fracasso. Contudo, durante algumas semanas, dá ao líder
oposicionista uma aura de sagacidade.
Enquanto isso, o País assiste a espetáculos dantescos de malversação dos
recursos públicos, à permanência da inépcia governamental e ao agravamento
homeopático dos efeitos internos da crise internacional. Em qualquer país
democrático seria um terreno fértil para a oposição. Mas não no Brasil. Aqui, o
velho discurso reacionário de que fazer oposição é ser contra o País ainda é
dominante. A oposição tem medo de ser oposição. Foge do confronto como o diabo
da cruz. Deve sentir vergonha por ter recebido a confiança de 44 milhões de
eleitores na última eleição presidencial.
Vivemos num ambiente despolitizado. E isso é adequado ao projeto petista
de permanecer décadas no poder. Logo vai completar a primeira. E o partido já
está fazendo de tudo (e sabemos o que significa esse "de tudo") para tornar esse
plano viável. A figura do ex-presidente Lula é central para cimentar as alianças
políticas e empresariais. Afinal, todos sabem que sem Lula o projeto cai por
terra. Somente ele consegue dar coerência a uma base política tão heterodoxa,
que vai de Paulo Maluf ao MST. Mas para isso, muito mais que o discurso, é
indispensável manter uma taxa de crescimento que permita concessões aos mais
variados setores sociais, conforme o seu poder de barganha. E aí é que mora o
grande desafio do governo, e não na tímida oposição.
São evidentes as diferenças e a qualidade da ação entre governo e
oposição. Basta observar os movimentos dos dois últimos ex-presidentes. Lula
sabe muito bem o que quer. Não para de articular um só minuto. E não perde
oportunidade para atacar a oposição. Do lado da oposição, Fernando Henrique
Cardoso parece que vive em outro mundo. Confundiu um elogio meramente protocolar
da presidente Dilma com uma revisão ideológica do seu governo por parte dos
petistas (que em momento algum foi realizada). Extasiado, não parou de elogiar a
presidente e os "esforços" para combater a corrupção. Ou seja, um está atuando
ativamente no presente para impor a qualquer preço o seu projeto, o outro está
preocupado com o futuro, de como ficará o seu retrato na
História.
Nesse ritmo, Lula vai coroando de êxito o seu projeto. Espera vencer as
eleições municipais, especialmente em São Paulo. Com o triunfo deverá
estabelecer um arco de alianças ainda mais amplo que o atual. É o primeiro passo
concreto para retornar à Presidência em 2014 e permanecer, pelo menos, mais oito
anos no poder. Caberá a Dilma continuar despachando como uma espécie de
presidente interina, aguardando o retorno do titular.
E a oposição? Ah, esta lembra o Visconde Reinaldo, personagem de O Primo
Basílio. Quando falava de Lisboa, sempre aguardava um terremoto, como o de 1755,
que destruiu a cidade. Como não faz política, a oposição, espera também um
terremoto: é a crise internacional. Mas, assim como o hábito não faz o monge, a
crise, por si só, não fará ressurgir a oposição.
HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
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