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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O hímen complacente

Zero de surpresa na decisão da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça de anular todas as provas colhidas durante quatro anos de trabalho pela Policia Federal contra membros da máfia do clã Sarney na Operação Boi Barrica, a mesma cuja impunidade esse mesmo tribunal tentou garantir antes impondo mais de dois anos de censura ao jornal O Estado de S. Paulo.
Zero de surpresa, igualmente, que diante da nova jurisprudência passada, uma sucia de advogados de porta de Congresso (porque jaz num passado esquecido os tempos em que porta de cadeia era onde os mais notórios picaretas da profissão colhiam os seus caraminguás mais fáceis) corram para esse lídimo templo da farsa judicial brasileira pedindo o mesmo benefício para as grandes estrelas do permanente reality showComo estou roubando o Brasil” que as nossas rádios e televisões exibem em sucessivas “temporadas” de impunidade e sucesso previamente garantidos.
Já entraram na fila, por enquanto, uma coleção de “excelências”, entre as quais figuram o ex-governador Jose Roberto Arruda, do Distrito Federal, que estrelou o brilhante episódio dos maços de dinheiro sendo sofregamente enfiados nas meias e cuecas; o ex-governador Pedro Paulo Dias, do Amapá de Sarney; o ex-secretário do Ministério do Turismo de Sarney, Frederico Silva Castro, aquele “Fred” gravado explicando a um “empresário” como criar uma ONG falsa para nos roubar em que “o importante é a fachada”, e ainda o ex-governador do Maranhão de Sarney, Jose Reinaldo Tavares, flagrado na Operação Navalha.
Alegam os “meritíssimos” juízes do nosso tribunal superior que as autorizações para essas escutas e filmagens, devidamente requeridas pela Polícia Federal e deferidas pelos juízes de primeira instância responsáveis por concedê-las, estão todas “viciadas”, cada uma pela sua razão específica que as ha para todos os gostos já manifestados e ainda por manifestar, ficando assim tudo que o Brasil inteiro viu e ouviu ao vivo e em cores esses meliantes praticando dado como não visto nem ouvido.
Alegam esses patriotas que seus perdões não são exatamente perdões, mas sim atos meritórios de democratas autênticos para proteger nosso direito à liberdade e a higidez da democracia brasileira.
E porque zero de surpresa com toda essa mixórdia?
Porque esta é a regra.
Porque esta tem sido a regra desde sempre. Porque este é o fundamento mole, flexível e inquebrável; o hímen complacente do “corporativismo” que os senhores feudais portugueses inventaram para, transferindo a guarda do poder de distribuir privilégios ao Judiciário, manter para sempre “virgens” os seus feudos desde que a primeira onda democrática que varreu o absolutismo monárquico da Europa chegou, já feita "marolinha", à ocidental praia lusitana.
Desde lá ela nos tem sido “cordialmente” imposta.
Ao contrário do que parece à primeira vista, ela não vale só para os Sarney. São “democráticos” e “republicanos” os nossos juízes. Eles vendem seus préstimos a qualquer um que puder pagar sem fazer discriminações de qualquer espécie.
Pois quem é que não sabe que mais de 80% de todos os casos levados a julgamento neste país – tratem da ignomínia que for – acabam sendo arquivados por “vício processual” desde que envolvam quem possa pagar por bons serviços advocatícios?
Quem é que não sabe, neste país dos três pês, em que só pobres, pretos e putas estão nas cadeias, que o excesso de formalismo que eles invocam como mecanismos de “garantia da democracia” e dos nossos “direitos individuais” não são outra coisa que a gazua com que se garantem o poder de decidir o processo que for segundo o agrado que se lhes faça ao bolso, sejam quais forem os fatos envolvidos e as provas apresentadas?
Quem é que não sabe neste país que as leis dúbias e incontáveis, a ausência de transparência, a palavrosidade desenfreada e o formalismo sem sentido que transformam qualquer processo judicial numa algaravia ilegível que requer tradutor juramentado para ser “interpretada” mas jamais compreendida pelas partes em litigio estão aí desde sempre para que a Justiça não se possa impor com o recurso à verdade e ao bom senso e tenha sempre de ser outorgada segundo o alvitre dos que montaram e zelam pela complexidade desse labirinto, acintosa de tão explícita nas suas intenções e propósitos?
Quem é que não sabe que num país onde há “excelências” de um lado e zés do outro; “meritíssimos” lá em cima e manés lá embaixo não pode haver democracia?
Não. O Brasil não tem cura antes de curar o seu sistema Judiciário. É de lá que tudo isso emana.
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