Elaborado com base nas inspeções
feitas pela Corregedoria Nacional de Justiça e divulgado pelo jornal Valor,
o relatório do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) sobre as irregularidades cometidas pela magistratura
nas diferentes instâncias e braços especializados do Judiciário mostra que a
instituição pouco difere do Executivo em matéria de apropriação indébita e
malversação de dinheiro público, de mordomia, nepotismo e fisiologismo, de
corrupção, enfim as maracutaias são tantas que é praticamente impossível
identificar o tribunal com os problemas mais graves. Em quase todos, os
corregedores do CNJ constataram centenas de casos de desvio de conduta,
fraude e estelionato, tais como negociação de sentenças, venda de liminares,
manipulação na distribuição de processos, grilagem de terras, favorecimento na
liberação de precatórios, contratos ilegais e malversação de dinheiro
público. No Pará, o CNJ
detectou a contratação de bufês para festas de confraternização de juízes pagas
com dinheiro do contribuinte. No Espírito Santo, foram descobertos a
contratação de um serviço de degustação de cafés finos e o pagamento de 13.º
salário a servidores judiciais exonerados. Na Paraíba e em Pernambuco, foram encontradas associações
de mulheres de desembargadores explorando serviços de estacionamento em fóruns.
Ainda em Pernambuco, o CNJ
constatou 384 servidores contratados sem concurso público - quase todos lotados
nos gabinetes dos desembargadores. No Ceará, o Tribunal de Justiça foi ainda
mais longe, contratando advogados para ajudar os desembargadores a prolatar
sentenças. No Maranhão, 7 dos 9
juízes que atuavam nas varas cíveis de São Luís foram afastados, depois de terem
sido acusados de favorecer quadrilhas especializadas em golpes contra
bancos. Entre as entidades ligadas a magistrados que gerenciam recursos da
corporação e serviços na Justiça, as situações mais críticas foram encontradas
nos Tribunais de Justiça da Bahia
e de Mato Grosso e no Distrito Federal, onde foi desmontado
um esquema fraudulento de obtenção de empréstimos bancários criado pela
Associação dos Juízes Federais da 1.ª Região. Em alguns Estados do Nordeste, a Justiça local negociou
com a Assembleia Legislativa a aprovação de vantagens funcionais que haviam sido
proibidas pelo CNJ. Em Alagoas,
foi constatado o pagamento em dobro para um cidadão que recebia como contratado
por uma empresa terceirizada para prestar serviços no mesmo tribunal em que
atuava como servidor. O balanço das fiscalizações feitas pela Corregedoria
Nacional de Justiça é uma resposta aos setores da magistratura que mais se
opuseram à criação do CNJ, há seis anos. Esses setores alegavam que o
controle externo do Judiciário comprometeria a independência da instituição e
que as inspeções do CNJ seriam desnecessárias, pois repetiriam o que já
vinha sendo feito pelas corregedorias judiciais. A profusão de irregularidades constatadas pela
Corregedoria Nacional de Justiça evidenciou a inépcia das
corregedorias, em cujo âmbito o interesse corporativo costuma
prevalecer sobre o interesse público. Por isso, é no mínimo discutível a tese
do presidente do STF, Cezar Peluso, de que o CNJ não pode substituir o
trabalho das corregedorias e de que juízes acusados de desvio de conduta devem
ser investigados sob sigilo, para que sua dignidade seja preservada. "Se o
réu a gente tem de tratar bem, por que os juízes têm de sofrer um processo de
exposição pública maior que os outros? Se a punição foi aplicada de um
modo reservado, apurada sem estardalhaço, o que
interessa para a sociedade?", disse Peluso ao Valor.
Além de
se esquecer de que juízes exercem função pública e de que não estão acima dos
demais brasileiros, ao enfatizar a importância das
corregedorias judiciais, o presidente do STF relega para segundo plano a
triste tradição de incompetência e corporativismo que as caracteriza. Se
fossem isentas e eficientes, o controle externo da Justiça não teria sido criado
e os casos de corrupção não teriam atingido o nível alarmante evidenciado pelo
balanço da Corregedoria Nacional de Justiça.
O Estado de S.
Paulo – 11/08/2011
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