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domingo, 10 de agosto de 2014

Situação na Venezuela

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

UM VESTIDO NOVO PARA UM ÓDIO ANTIGO


Pilar Rahola
Segunda-feira à noite, em Barcelona. No restaurante, uma centena de advogados e juizes. Eles se encontraram para ouvir minhas opiniões sobre o conflito do Oriente Médio. Eles sabem que eu sou um barco heterodoxo no naufrágio do pensamento único que reina em meu país, sobre Israel. Eles querem me escutar. Alguém razoável como eu, dizem, por que se arrisca a perder a credibilidade defendendo os maus, os culpados? Eu lhes falo que a verdade é um espelho quebrado e que todos nós temos algum fragmento. E eu
provoco sua reação: "todos vocês se sentem especialistas em política internacional, quando se fala de Israel, mas na realidade não sabem nada. Será que se atreveriam a falar do conflito de Ruanda, da Caxemira, da Chechenia?"
Não. São juristas, sua área de atuação não é a geopolítica. Mas com Israel se atrevem a dar opiniões. Todo mundo se atreve. Por quê? Porque Israel está sob a lupa midiática permanente e sua imagem distorcida contamina os cérebros do mundo. E, porque faz parte da coisa politicamente correta, porque parece solidariedade humana, porque é grátis falar contra Israel. E, deste modo, pessoas cultas, quando lêem sobre Israel, estão dispostas a
acreditar que os judeus têm seis braços;, como na Idade Média, elas acreditam em todo tipo de barbaridades. Sobre os judeus do passado e os israelenses de hoje, vale tudo.
A primeira pergunta é, portanto, por que tanta gente inteligente, quando fala sobre Israel, se torna idiota. O problema que temos, nós que não demonizamos Israel, é que não existe debate sobre o conflito, existe rótulo; não se trocam ideias, adere-se a slogans; não desfrutamos de informações sérias, nós sofremos de jornalismo tipo hambúrguer, fast food,
cheio de preconceitos, propaganda e simplismo. O pensamento intelectual e o jornalismo internacional renunciaram a Israel. Não existem. É por isso que, quando se tenta ir mais além do pensamento único, passa-se a ser o suspeito, o não solidário e o reacionário, e o
imediatamente segregado. Por quê? Eu tento responder a esta pergunta há anos: por quê?
Por que de todos os conflitos do mundo, só este interessa? Por que se criminaliza um pequeno país, que luta por sua sobrevivência? Por que triunfa a mentira e a manipulação informativa, com tanta facilidade? Por que tudo é reduzido a uma simples massa de imperialistas assassinos? Por que as razões de Israel nunca existem? Por que as culpas palestinas nunca existem? Por que Arafat é um herói e Sharon um monstro? Em definitivo, por que, sendo o único país do mundo ameaçado com a destruição é o único que ninguém considera como vítima?
Eu não acredito que exista uma única resposta a estas perguntas. Da mesma forma que é impossível explicar a maldade histórica do antissemitismo completamente, também não é possível explicar a imbecilidade atual do preconceito anti-Israel. Ambos bebem das fontes da intolerância, da mentira e do preconceito. Se, além disso, nós aceitarmos que ser anti-Israel é a nova forma de ser antissemita, concluímos que mudaram as circunstâncias, mas se mantiveram intactos os mitos mais profundos, tanto do antissemitismo
cristão medieval, como do antissemitismo político moderno. E esses mitos desembocam no que se fala sobre Israel. Por exemplo, o judeu medieval que matava as crianças cristãs para beber seu sangue, se conecta diretamente com o judeu israelense que mata as crianças palestinas para ficar com suas terras. Sempre são crianças inocentes e judeus de intenções obscuras.
Por exemplo, a ideia de que os banqueiros judeus queriam dominar o mundo através dos bancos europeus, de acordo com o mito dos Protocolos (dos Sábios de Sião), conecta-se diretamente com a ideia de que os judeus de Wall Street dominam o mundo através da Casa Branca. O domínio da imprensa, o domínio das finanças, a conspiração universal, tudo aquilo que se configurou no ódio histórico aos judeus, desemboca hoje no ódio aos
israelenses. No subconsciente, portanto, fala o DNA antissemita ocidental, que cria um eficaz caldo de cultura. Mas, o que fala o consciente? Por que hoje surge com tanta virulência uma intolerância renovada, agora centrada, não no povo judeu, mas no estado judeu? Do meu ponto de vista, há motivos históricos e geopolíticos, entre eles o sangrento papel soviético durante décadas, os interesses árabes, o antiamericanismo europeu, a dependência energética do Ocidente e o crescente fenômeno islâmico.
Mas também surge de um conjunto de derrotas que nós sofremos como sociedades livres e que desemboca em um forte relativismo ético. Derrota moral da esquerda. Durante décadas, a esquerda ergueu a bandeira da liberdade, onde houvesse injustiça, e foi a depositária das esperanças utópicas da sociedade. Foi a grande construtora do futuro. Apesar da maldade assassina do stalinismo ter afundado essas utopias e ter deixado a
esquerda como o rei que estava nu, despojado de trajes, ela conservou intacta sua auréola  de lutadora, e ainda dita as regras do que é bom e ruim no mundo. Até mesmo aqueles que nunca votariam em posições de esquerda, concedem um grande prestígio aos intelectuais de esquerda e permitem que sejam eles os que monopolizam o conceito de solidariedade. Como fizeram sempre. Deste modo, os que lutavam contra Pinochet, eram os lutadores pela
liberdade, mas as vítimas de Castro são expulsas do paraíso dos heróis e transformadas em agentes da CIA, ou em fascistas disfarçados. Da mesma forma que é impossível explicar a maldade histórica do antissemitismo completamente, também não é possível explicar a imbecilidade atual do preconceito anti-Israel. Ambos bebem das fontes da intolerância, da mentira e do preconceito.
Eu me lembro, perfeitamente, como, quando era jovem, na Universidade combativa da Espanha de Franco, ler Solzhenitsyn era um horror! E deste modo, o homem que começou a gritar contra o buraco negro do Gulag stalinista, não pôde ser lido pelos lutadores antifranquistas, porque não existiam as ditaduras de esquerda, nem as vítimas que as combatiam.
Essa traição histórica da liberdade se reproduz no momento atual, com precisão matemática. Também hoje, como ontem, essa esquerda perdoa ideologias totalitárias, se apaixona por ditadores e, em sua ofensiva contra Israel, ignora a destruição de direitos fundamentais. Odeia os rabinos, mas se apaixona pelos imãs; grita contra o Tzahal (Exército
israelense), mas aplaude os terroristas do Hamas; chora pelas vítimas palestinas, mas rejeita as vítimas judias; e, quando se comove pelas crianças palestinas, só o faz se puder acusar os israelenses. Nunca denunciará a cultura do ódio, ou sua preparação para a morte, ou a escravidão que suas mães sofrem. E enquanto iça a bandeira da Palestina, queima a bandeira de Israel.
Um ano atrás, eu fiz as seguintes perguntas no Congresso do AIPAC (Comitê de Assuntos Públicos EUA-Israel) em Washington: "Que profundas patologias alijam a esquerda de seu compromisso moral? Por que nós não vemos manifestações em Paris, ou em Barcelona, contra as ditaduras islâmicas? Por que não há manifestações contra a escravidão de milhões de mulheres muçulmanas? Por que eles não se manifestam contra o uso de crianças-bomba, nos conflitos onde o Islã está envolvido? Por que a esquerda só está obcecada em lutar contra duas das democracias mais sólidas do planeta, e as que sofreram os ataques mais sangrentos, os Estados Unidos e Israel?"
Porque a esquerda, que sonhou utopias, parou de sonhar, quebrada no muro de Berlim do seu próprio fracasso. Já não tem ideias, e sim slogans. Já não defende direitos, mas preconceitos. E o preconceito maior de todos é o que tem contra Israel. Eu acuso, portanto, de forma clara: a principal responsabilidade pelo novo ódio antissemita, disfarçada de posições anti-Israel, provém desses que deveriam defender a liberdade, a solidariedade e o progresso. Longe disto, eles defendem os déspotas, esquecem suas vítimas e permanecem calados perante as ideologias medievais que querem destruir a civilização. A traição da esquerda é uma autêntica traição à modernidade.
Derrota do jornalismo. Temos um mundo mais informado do que nunca, mas nós não temos um mundo melhor informado. Pelo contrário, os caminhos da informação mundial nos conectam com qualquer ponto do planeta, mas eles não nos conectam nem com a verdade, nem com os fatos. Os jornalistas atuais não precisam de mapas, porque têm o Google Earth, eles não precisam saber história, porque têm a Wikipedia. Os jornalistas históricos que conheciam as raízes de um conflito, ainda existem, mas são espécies em extinção,
devorados por este jornalismo tipo hambúrguer, que oferece fast food de notícias, para leitores que querem fast food de informação.
Israel é o lugar mais vigiado do mundo e, ainda assim, o lugar menos compreendido do mundo. Claro que, também influencia a pressão dos grandes lobbys dos petrodólares, cuja influência no jornalismo é sutil, mas profunda. Qualquer mídia sabe que se falar contra Israel não terá problemas. Mas, o que acontecerá se criticar um país islâmico? Sem dúvida, então, sua vida ficará complicada. Não nos confundamos. Parte da imprensa, que escreve contra Israel, se veria refletida na frase afiada de Goethe: "Ninguém é mais escravo do que aquele que se acha livre, sem sê-lo". Ou também em outra, mais cínica de Mark Twain: "Conheça primeiro os fatos e logo os distorça quanto quiser" .
Derrota do pensamento crítico. A tudo isto, é necessário somar o relativismo ético, que define o momento atual, e que é baseado, não na negação dos valores da civilização, mas na sua banalização. O que é a modernidade? Pessoalmente a explico com este pequeno relato: se eu me perdesse em uma ilha deserta, e quisesse voltar a fundar uma sociedade democrática, só necessitaria de três livros: as Tábuas da Lei, que estabeleceram o primeiro
código de comportamento da modernidade. "O não matarás, não roubarás", fundou a civilização moderna. O código penal romano. E a Declaração dos Direitos Humanos. E com estes três textos, começaríamos novamente. Estes princípios que nos endossam como sociedade, são relativizados, até mesmo por aqueles que dizem defendê-los. "Não matarás", depende de quem seja o objeto, pensam aqueles que, por exemplo, em Barcelona, se manifestam aos gritos a favor do Hamas.
"Vivam os direitos humanos" , depende de a quem se aplica, e por isso milhões de mulheres escravas não preocupam. "Não mentirás" , depende se a informação for uma arma de guerra a favor de uma causa. A massa crítica social se afinou e, ao mesmo tempo, o dogmatismo ideológico engordou. Nesta dupla mudança de direção, os fortes valores da modernidade foram substituídos por um pensamento fraco, vulnerável à manipulação e ao
maniqueísmo.
Derrota da ONU. E com ela, uma firme derrota dos organismos internacionais, que deveriam cuidar dos direitos humanos, e que se tornaram bonecos destroçados nas mãos de déspotas. A ONU só serve para que islamofascistas, como Ahmadinejad, ou demagogos perigosos, como Hugo Chávez, tenham um palco planetário de onde cuspir seu ódio. E, claro, para atacar Israel sistematicamente. A ONU, também, vive melhor contra Israel.
Finalmente, derrota do Islã. O Islã das luzes sofre hoje o ataque violento de um vírus totalitário, que tenta frear seu desenvolvimento ético. Este vírus usa o nome de Deus para perpetrar os horrores mais inimagináveis: apedrejar mulheres, escravizá-las, usar grávidas e jovens com atraso mental como bombas humanas, educar para o ódio e declarar guerra à liberdade. Não esqueçamos, por exemplo, que nos matam com celulares conectados, via
satélite, com a Idade Média. Se o stalinismo destruiu a esquerda, e o nazismo destruiu a Europa, o fundamentalismo islâmico está destruindo o Islã. E também tem, como as outras ideologias totalitárias, um DNA antissemita. Talvez o antissemitismo islâmico seja o fenômeno intolerante mais sério da atualidade, e não em vão afeta mais de 1,3 bilhões de pessoas educadas, maciçamente, no ódio ao judeu.
Na encruzilhada destas derrotas, se encontra Israel. Órfão de uma esquerda razoável, órfão de um jornalismo sério e de uma ONU digna, e órfão de um Islã tolerante, o Estado de Israel sofre com o paradigma violento do século XI: a falta de compromisso sólido com os valores da liberdade. Nada é estranho. A cultura judaica encarna, como nenhuma outra, a metáfora de um conceito de civilização que hoje sofre ataques por todos os flancos. Vocês são o termômetro da saúde do mundo. Sempre que o mundo teve febre totalitária, vocês sofreram. Na Idade Média, no fascismo europeu, no fundamentalismo islâmico. Sempre, o primeiro inimigo do e da confusão social, Israel encarna, na própria carne, o judeu de sempre.
Um pária de nação entre as nações, para um povo pária entre os povos. É por isso que o antissemitismo do século XXI foi vestido com o disfarce efetivo da crítica anti-Israel. Toda crítica contra Israel é antissemita? Não. Mas, todo o antissemitismo atual transformou- se no preconceito e na demonização contra o Estado Judeu. Um vestido novo para um ódio antigo.
Benjamim Franklin disse: "Onde mora a liberdade, lá é a minha pátria". E Albert Einstein acrescentou: "A vida é muito perigosa. Não pelas pessoas que fazem o mal, mas por aquelas que ficam sentadas vendo isso acontecer" .
Este é o duplo compromisso aqui e hoje: nunca se sentar vendo o mal passar e defender sempre as pátrias da liberdade.
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*Pilar Rahola I. Martínez* Nasceu em 21/10/1958 é jornalista e escritora catalã, com formação política e MP. Estudou Espanhol e Filosofia Catalã na Universidade de Barcelona. Possui vários livros e artigos publicados,
palestrante internacional requisitada pela mídia e universidades, é colunista do La Vanguardia, na Espanha; La Nacion, na Argentina e do Diário da América, nos Estados Unidos.
De 1987 a 1990 Rahola cobriu a Guerra na Etiópia, Guerra dos Balcãs, Guerra do Golfo e a Queda do Muro de Berlim como diretora da publicação Pòrtic. Suas áreas de atuação incluem Direito das Mulheres, Direito Humano Internacional, e Defesa dos Animais. Nos últimos anos tem exposto seu ponto de vista sobre Israel e o Sionismo.
Entre diversos prêmios recebidos: Doutor Causa Honoris na Universidade de Artes e Ciência da Comunicação, em Santiago do Chile (2004), pela sua luta em favor dos direitos humanos; Prêmio Javer Shalom, pela comunidade judaica chilena pela sua luta contra o antisemitismo; Cicla Price (2005), pelo mesmo motivo; Membro de Honra da Universidade de Tel Aviv (2006); Golden Menora entregue pela Bnai Brith francesa (2006); Laureada com o priemio Scopus pela Universidade Hebraica de Jerusalém (2007); participou como convidada de honra em diversas ocasiões, entre elas no AIPAC de Conferência Política (2008); em 2009 recebeu prêmio da Federação das Comunidades Judias da Espanha, Senador Angel Pulido e Prêmio Mídia de Massa pelo Comitê Judaico Americano pela luta pelos Direitos Humanos; A Liga Anti Difamação lhe concedeu o prêmio Daniel Pearl "pela sua dedicação e comprometimento a um jornalismo honesto e responsável baseado em um código de ética e por falar honestamente ao público"; recebeu o prêmio Morris Abram entregue pela UN pela sua defesa aos Direitos Humanos, Genebra, 2011, entre outros.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Conselho de Segurança da ONU

TREM DA HISTÓRIA

Mesmo pouco conhecida, Brasil teve participação e sua cota de sacrifício na Segunda Guerra Mundial. / Reprodução
Quando, em 1995, escrevi que estávamos assistindo ao término da Segunda Guerra Mundial (Os Pilares da Discórdia), a reverberação da Queda do Muro de Berlim ainda arrebatava os corações e mentes de quem buscava compreender a nova era mundial.

Se foi "estimulante ver um autor de formação militar mover-se com desembaraço no grande cenário do mundo despolarizado, economicamente mais aberto, em rápida transformação, social e política", nas palavras com que Roberto Campos me honrou no prefácio ao livro, muito mais importante é encontrar hoje, no "legado de um verdadeiro grande pensador", o último livro de Tony Judt (Pensando o Século XX), o juízo de que a Segunda Guerra Mundial está terminada, "tendo durado cerca de cinco décadas".

Distintamente das comemorações anteriores do desembarque aliado na Normandia em 6 de junho de 1944 – o começo do fim da Alemanha nazista –neste ano foram os europeus, e não os norte-americanos, os anfitriões evidentes da festa do 70º aniversário do Dia D.

Se a Europa tem bons motivos para celebrar a vitória contra Hitler e o encontro com si mesma, pode parecer surpreendente que o Brasil viesse a ter nesses festejos uma discreta relevância: História não nos falta, ainda que praticamente desconhecida de nós mesmos.

Em setembro de 1944, há setenta anos, a Força Expedicionária Brasileira entrou em combate na Itália, uma frente de luta difícil, que os desembarques aliados na França relegaram abruptamente ao plano secundário, onde, no entanto, os brasileiros ofereceram sua cota de sangue e sacrifício para fixar os alemães (Monte Castelo, entre novembro de 1944 a fevereiro de 1945); brilharam na ofensiva de primavera (Montese, 14 de abril de 1945); e, contrariando o script que lhes parecia reservado, capturaram uma divisão alemã (Collecchio-Fornovo, 27 a 30 de abril de 1945), o "magnífico final de uma atuação magnífica", nas palavras de Mark Clark, o comandante aliado na Itália.

Mas neste Brasil de precárias instituições, onde a histórica desconfiança entre políticos e militares é hoje alimentada por ideologia, não existe espaço para qualquer comemoração que situe o País como ator relevante no cenário internacional. Ao contrário, equívocos da politica externa brasileira se incumbiram de nos tornar irrelevantes.

A lista é grande, e não vale a pena retornar aqui ao relato deprimente dos episódios que conduziram ao rebaixamento do Brasil por conta de nosso flerte com o autoritarismo e totalitarismo. Nos termos de Timothy Snyder, o parceiro de Tony Judt nesse seu último livro, há "uma certa lição metafísica ou pelo menos metapolítica" derivada da Segunda Guerra Mundial e ela se aplica indistintamente aos países, isoladamente ou nas suas relações com os demais.

Quando tratamos do pensamento e da imagem de um país – algo que não se aplica somente à Alemanha – não podemos nos esquecer do como e por quê um certo cabo Adolfo assumiu o poder total da nação mais culta e o comando absoluto do melhor exército, arrastando-os à guerra e ao desastre apocalíptico, ao fim e ao cabo do que não houve intocados e inocentes.

Já ao pensarmos sobre as relações internacionais, a lição da Segunda Guerra Mundial fica mais evidente quando a vincularmos ao conflito que lhe antecedeu e deu origem, a Primeira Guerra Mundial, resumindo-se o saldo desses cem anos no direito dos povos viverem em liberdade dentro de suas fronteiras e em paz com seus vizinhos.

Mas o sentido metafísico e metapolítico dessa lição da Guerra dos Trinta Anos da Idade Contemporânea (1914-1945) se completa na condenação dos três grandes males do século 20: o nazi-fascismo, o Holocausto e o comunismo. Juntos, foram responsáveis pela maior perda de vidas humanas e destruição já conhecidas na História.

Separados, cada um deles levou o homem a cometer os crimes mais abomináveis da História, e o pior, à luz das leis que o totalitarismo criou. O consenso em torno dessa lição deixada é o grande ponto de corte da História moderna.

De todos os países da América do Sul, apenas o Brasil, há setenta anos, ousou romper a inércia da irrelevância, para convergir na causa da liberdade dos povos e da democracia. Esse momento foi simplesmente o ponto de inflexão da história do país no século passado. No campo da defesa, além de combater na Europa, o Brasil assumiu o papel geopolítico que lhe cabia, patrulhando a sua costa e escoltando milhares de navios no setor de sua responsabilidade no Atlântico Sul, emergindo do conflito com a supremacia militar que conduziria ao progressivo esvaziamento de antigas tensões militares regionais.

Consumo, estradas, base industrial, urbanização, energia e interiorização dos polos geoeconômicos, particularmente a capital federal, foram o resultado da participação do Brasil na Segunda Guerra, implementados ao longo dos nossos "trenteglorieux", a referência francesa ao período de 1950 a 1980, no qual aconteceram grandes progressos sociais e econômicos.

Para além das nossas fronteiras, o mesmo não aconteceu. Perderam-se oportunidades e insistiu-se nos equívocos do corporativismo e do militarismo, o que terminou levando à insustentabilidade política e econômica da região, cuja última versão tem nome: bolivarianismo.

Para o Brasil, o saldo desses setenta anos é a constatação de que, se não aproveitamos todas as oportunidades que se nos ofereceram, pelo menos, até aqui, não abandonamos as grandes linhas da evolução da História nesse período: democracia e desenvolvimento.

O que não está claro e se constitui em motivo de preocupação é o apagamento dessa memória no estágio atual do pensamento brasileiro, que vai se acomodando na favelização, deseducação e violência, as expressões mais evidentes do esgarçamento do tecido social resultante do não desenvolvimento que acumulamos há décadas.

Se o Brasil se der conta do que está lhe acontecendo, 2014 pode vir a ser uma boa estação para pensar a História, antes de embarcarmos no trem errado, como aconteceu a outros.



Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador