Continencia

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Caserna

sábado, 21 de julho de 2012

Quem corre com o batalhão


* Sérgio Paulo Muniz Costa
 Da saudosa Tijuca, lembro os tempos de menino em que eu e meus amigos nos revezávamos para reabastecer os cantis de água dos soldados do Batalhão de Polícia do Exército  (PE) que descansavam à beira das calçadas da Avenida Maracanã no último alto do percurso de retorno ao seu quartel nas marchas a pé. Eram tempos não estranhos, em que se podia ir ao cinema, às compras, aos bares ou cafés da Saens Peña sem medo de ser assaltado, em que as crianças brincavam na rua, em que jovens e boêmios voltavam dos bailes, festas ou rodas de samba despreocupados.
Vinte anos depois, ao voltar a morar na Tijuca, descobri que muita coisa tinha mudado. O pique não era mais uma brincadeira, mas um jogo real de finta e esconde-esconde que as crianças tinham que jogar para não serem roubadas na volta para casa. Assaltos se anunciavam à distância, perante dezenas de pessoas, à luz do dia, nos melhores lugares do bairro, sem causar a menor reação. Palavras e sentidos foram alterados. Agora, bandidos faziam arrastões e eram eles, e não a polícia ou o exército, que interditavam ruas e dispunham de munição para iluminarem as encostas dos morros com projéteis traçantes com que demarcavam seus territórios.
Nesses tempos estranhos, a PE continuava na Barão de Mesquita, realizando exercícios na Praça Saens Peña  para ajudar, dentro de suas atribuições, a instilar algum respeito às pessoas, à vida, à propriedade, ao trabalho, à lei e à ordem que bandidos, contraventores e autoridades haviam implodido, todos mancomunados no  mais criminoso dos populismos. Tempos em que a sociedade perdeu a noção do  que era bom ou ruim para ela. Tempos em que os palcos cantaram as armas do crime, para deleite das plateias, e os apologistas da droga vaiavam a PE nas praias da cidade. Tempos que, no entanto, não fizeram seus soldados deixar de cantar suas canções de soldado nas corridas com que animavam um colorido verde-oliva pelas ruas da Tijuca.
Hoje, pode-se dizer que há algo realmente muito errado no país, não só no Rio de Janeiro, a começar com os militantes dos direitos humanos que se arrogam a ditar rumos à sociedade.  Se saíssem da clausura do seu sectarismo eles poderiam enxergar a disseminação incontrolável da violência numa sociedade que assistiu a triplicação das mortes de seus jovens como se estivéssemos em tempos de guerra. Quem sabe escutassem a mensagem embutida nos aplausos de jovens a cenas cinematográficas de tortura e no crescente apoio da população à pena de morte e às formas ilegais e brutais de combate aos criminosos, como se vivêssemos tempos de insanidade coletiva.
Politica de direitos humanos não pode ser ferramenta ideológica, muito menos eleitoreira. Se assim for ela será veículo da mentira, adjetivará a justiça, imporá a verdade única, calará o dissenso, desequilibrará a democracia e se alienará da realidade enfrentada pela sociedade brasileira que precisa ser urgentemente resgatada do seu dia a dia de violência.  Como o Batalhão da PE na Tijuca, o Exército está onde sempre esteve, ao lado da lei e da ordem, em defesa do Brasil, jamais como concubina do mal feito.
Seus soldados não cantam em vão e não correm sós. Em todos os tempos, quando eles passam, estão com eles os corações dos brasileiros que não perdem a esperança de um país melhor

* Historiador. Foi um feliz morador da Tijuca e aluno de D. Alice e de D. Mariazinha na Escola Pública Benedito Ottoni, entre 1961 e 1963.

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Nova Degola

Sérgio Paulo Muniz da Costa*

É de causar perplexidade a naturalidade com que comentaristas analisam o processo de composição da base de apoio político aos governos na presente República, dando como pacificamente aceito que ministérios sejam loteados entre os partidos e que todas as administrações, Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula, assim tenham procedido. Maior ainda a perplexidade quando vai ficando claro o para quê, aflorando dos escândalos cada vez maiores que tomam as manchetes quase todos os dias. Mas essa perplexidade aumenta com as comparações entre a "forma Dilma de governar" e a "forma mais flexível" de Lula, esta lembrada com "saudades" em determinados arraiais políticos. Vamos sendo convencidos de que não há alternativa, ainda mais quando uns, corruptos, usam seus estranhos poderes para fazer com que muitos, se não todos, sejam tomados por eles. Tudo indica que é essa a prática consumada, e infelizmente parece não ser novidade.
Na noite de 24 de abril de 1900, no Brasil de trinta e um presidentes atrás, o governador eleito de São Paulo, falando à bancada de seu estado, pediu que ela "reconhecesse" todos os candidatos às eleições indicados pelos governadores dos estados, algo que convém ser explicado ao cidadão brasileiro do início do século 21, certamente perplexo, não com o passado mas com o presente. À época, as eleições eram manipuladas livremente por líderes políticos locais sem a menor cerimônia, e os resultados, dois ou três, apareciam estampados nos jornais das respectivas facções. A verificação dos resultados era então feita por comissões das câmaras municipais que, naquela legislatura, passaram a ser constituídas segundo a vontade dos governadores dos estados e, por conseguinte, "reconheciam" como eleitos os candidatos por aqueles indicados. Os candidatos que não tivessem esse apoio, independentemente do número de votos alcançados, seriam "degolados", numa referência à trágica memória do tratamento aos prisioneiros introduzido na Revolução Federalista (1893-1895). O que o senhor Rodrigues Alves pedia à bancada paulista em favor do senhor Campos Sales era o compromisso de "reconhecer" os candidatos indicados pelos governadores, concedendo assim ao presidente da República o que hoje se denominaria governabilidade num presidencialismo de coalizão (?).
A despeito do protesto dos republicanos históricos presentes à reunião, instituiu-se a "política dos governadores", uma prática eleitoral que corromperia a política da República Velha até o seu abrupto fim com a Revolução de 30. O novo regime, instituído por causa das eleições, pouco fez com elas. Votou-se uma só vez, para dar novo mandato a um governante "provisório" de quatro anos, que ao fim de mais três deu um golpe para permanecer outros oito anos no poder.
Passadas três repúblicas, quatro golpes de estado, dois referendos, um plebiscito, dez eleições diretas e seis indiretas para presidente da República, 18 eleições para o Senado e a Câmara Federal, e outras tantas para o Executivo estadual, assembléias legislativas, Executivo e câmaras municipais, corremos o risco de ver ressuscitada da Velha República "a incompatibilidade cada vez mais crescente em que viveriam daí por diante Congresso e o povo", nas palavras do intelectual e jornalista Sertório de Castro, testemunha privilegiada daqueles acontecimentos. Na República Velha, onde todos representantes eleitos eram ilegítimos pelo voto manipulado, eram poupados da degola aqueles que estivessem ao abrigo dos governadores. Hoje, passados 80 anos, quando a suspeita de corrupção parece atingir indistintamente a classe política da atual República, cabe perguntar se estamos diante de uma nova forma de degola.
Agosto, sempre agosto, desta vez nas mãos do Supremo Tribunal Federal. Auguremos que atos republicanos preservem a República da vergonha de si mesma.

(*)Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador e membro do CPE/UFJF

Quem Legisla(rá)?

Existem boas razões para críticas indignadas à política brasileira, mas existem outras, melhores, para que ela continue a dar rumos à nossa sociedade. A quem prega a supressão da política cabe primeiro responder o que a substituirá.
Entendida como a condição necessária à tomada de decisão em uma sociedade democraticamente ordenada, é pacífico que o seu enfraquecimento compromete o Estado de direito, fora do qual deixamos de existir nos nossos direitos e deveres. Sem política como serão decididas as muitas questões que dizem respeito ao nosso dia a dia?
Não há substituto para a atividade parlamentar " portanto, politica " na sociedade contemporânea. Se a política existe há muito tempo, ela só se democratizou com o Parlamento. Nesta nossa modernidade, tecnocratas, servidores de estado, empresários, lobistas, marqueteiros, ongueiros e jornalistas não substituem os políticos eleitos como representantes da soberania do povo, mas parece que no Brasil isso está escapando ao próprio Poder Legislativo à medida que ele se avilta e se submete, em nome de todos nós.
A maior revolução política da História, a Revolução Francesa, ao consumar a separação dos poderes, subtraiu "definitivamente o Poder Legislativo do monarca" (GAUCHET), o desiderato de toda evolução política do Ocidente. Ao longo desse processo houve ocasiões em que o Parlamento não esteve à altura de suas responsabilidades, mas elas acabaram passando à História como exemplos definitivos do que acontece quando ele é suprimido ou manietado, como se viu na Inglaterra de Cromwell e na França do Terror.
Independentemente de quão sutis ou sofisticadas sejam as formas modernas de anulação do Parlamento, o resultado é o mesmo: quando ele se cala perde-se a liberdade.
Em meio à tempestade que vai se armando no cenário brasileiro, conviria reconhecer o mal que o sistema de coalizão que sustenta os governos nesta república está causando, cuja origem está no desregrado financiamento dos partidos políticos à custa de recursos públicos. A resultante perversa desse processo é a corrupção endêmica que degrada de maneira irreversível a atividade política nos três níveis da administração do país, e transborda de maneira visível às muitas expressões da vida social brasileira.
Ao admitirem tacitamente se colocar como reféns do poder " adotando práticas que podem ser discricionariamente desmascaradas ao sabor das conveniências do momento " os partidos políticos fracassam antecipadamente como unidades de luta pelo poder. Essa é a contradição intrínseca ao funcionamento dos partidos políticos no Brasil: lutam para participar do poder de uma maneira que lhes nega a fruição legítima do poder.
A equação é complexa, mas merece ser enfrentada. Até porque o resultado é conhecido. Para começar, é preciso que os partidos ao se lançarem na disputa pelo poder entendam-no de forma completa, aí muito bem incluída a lei. Se não for por uma variável moral ou ética " da qual desdenham cínicos pretensos inteligentes " que seja por lógica.

*Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador e membro do CPE da UFJF

sábado, 7 de julho de 2012

Da cena aos bastidores 

Sérgio Paulo Muniz Costa* 
 
A política externa do Brasil bem que poderia mostrar mais maturidade e sofisticação do que transparece de sua atuação nos meandros da crise paraguaia. Quem sabe, aprendíamos alguma coisa com Mrs. Clinton no affair Honduras, que na penumbra fez Zelaya desempenhar o papel que interessava aos Estados Unidos, enquanto o Brasil encenava o personagem equivocado sob o brilho dos holofotes. Parece não ser o caso. O governo brasileiro insiste em partidarizar a nossa atuação externa em detrimento do interesse nacional e, com isso, politiza o Mercosul e mina a credibilidade da precária Unasul. Um Paraguai isolado certamente não é uma boa solução para o Brasil, muito menos pelo Brasil. 
O Paraguai não é para o Brasil o que o México é para os Estados Unidos. O Brasil foi apoiador de primeira hora da independência do Paraguai e da sua integridade territorial,  mesmo na tragédia da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870),  “guerra maldita”  que encerrou o confronto mais que secular no Prata. De qualquer  forma, nesta Sudamérica não existe o abismo psicossocial que divide outra América, e a nossa diplomacia faz um jogo complexo na região, cuja história, geopolítica e cultura conformam um ambiente no qual o Brasil busca promover estabilidade. 
Em função dessa meta, no que diz respeito ao Paraguai, o Brasil tem duas grandes preocupações, imediatas. A primeira é impedir que a questão dos brasiguaios extrapole em violência, gerando uma crise bilateral e regional de consequências imprevisíveis. A segunda é esvaziar qualquer risco de confrontação armada no país vizinho, o que poderia aspirar o Brasil  a uma intervenção ou oportunizar outras, estranhas, que trariam ainda mais problemas.
Seria muito bom se ficássemos na impertinência do chanceler brasileiro pressionando o Congresso paraguaio e não prosseguíssemos na tentativa de intervir num país soberano sem motivo e respaldo. Até mesmo as inoportunas sanções ao Paraguai que beneficiam Buenos Aires e Caracas merecem ser contextualizadas no lugar nenhum a que esse eixo vai chegar. Já o atendimento dos interesses vitais do Brasil na região passa pela manutenção das melhores relações com o governo paraguaio, algo que não pode ser alterado ao sabor dos ideólogos do Planalto.
Fatos são criados, porém acontecimentos adquirem sua dinâmica. Tão bruscamente como se deu a substituição do presidente do Paraguai — golpe para uns, ruptura para outros — afastaram-se as ameaças à paz e à segurança no país vizinho. Retórica à parte, o resultado é claro: por ora, os brasiguaios  estão menos ameaçados, o risco de uma crise militar interna foi afastado, e os atores rivais podem ter perdido o momentum.
Por trás do pano, o Brasil tem razões para estar aliviado. Mas não dá para comemorar. Melhor seria se voltasse a jogar como sempre ganhou: nos bastidores, e profissionalmente.

* Sérgio Paulo Muniz Costa, historiador, é membro do CPE (Centro de Pesquisas Estratégicas da UFJF) e do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
 

Revolucao silenciosa

Diego Casagrande (*)
 
Não espere tanques, fuzis e estado de sítio.
Não espere campos de concentração e emissoras de rádio, tevês e as redações ocupadas pelos agentes da supressão das liberdades.
Não espere tanques nas ruas.
Não espere os oficiais do regime com uniformes verdes e estrelinha vermelha circulando nas cidades.
Não espere nada diferente do que estamos vendo há pelo menos duas décadas.
Não espere porque você não vai encontrar, ao menos por enquanto.
A revolução comunista no Brasil já começou e não tem a face historicamente conhecida.
Ela é bem diferente.
É hoje silenciosa e sorrateira.
Sua meta é o subdesenvolvimento.
Sua meta é que não possamos decolar.
Age na degradação dos princípios e do pensar das pessoas.
Corrói a valoração do trabalho honesto, da pesquisa e da ordem.
Para seus líderes, sociedade onde é preciso ser ordeiro não é democrática.
Para seus pregadores, país onde há mais deveres do que direitos não serve.
Tem que ser o contrário para que mais parasitas se nutram do Estado e de suas indenizações.
Essa revolução impede as pessoas de sonharem com uma vida econômica melhor, porque quem cresce na vida, quem começa a ter mais, deixa de ser "humano" e passa a ser um capitalista safado e explorador dos outros.
Ter é incompatível com o ser.
Esse é o princípio que estamos presenciando.
Todos têm de acreditar nesses valores deturpados que só impedem a evolução das pessoas e, por conseqüência, o despertar de um país e de um povo que deveriam estar lá na frente.
Vai ser triste ver o uso político-ideológico que as escolas brasileiras farão das disciplinas de filosofia e sociologia, tornadas obrigatórias no ensino médio a partir do ano que vem.
A decisão é do ministério da Educação, onde não são poucos os adoradores do regime cubano mantidos com dinheiro público.
Quando a norma entrar em vigor, será uma farra para aqueles que sonham com uma sociedade cada vez menos livre, mais estatizada e onde o moderno é circular com a camiseta de um idiota totalitário como Che Guevara.
A constatação que faço é simples.
Hoje, mesmo sem essa malfadada determinação governamental - que é óbvio faz parte da revolução silenciosa - as crianças brasileiras já sofrem um bombardeio ideológico diário. Elas vêm sendo submetidas ao lixo pedagógico do socialismo, do mofo, do atraso, que vê no coletivismo econômico a saída para todos os males.
E pouco importa que este modelo não tenha produzido uma única nação onde suas práticas melhoraram a vida da maioria da população.
Ao contrário, ele sempre descamba para o genocídio ou a pobreza absoluta para quase todos.
No Brasil, são as escolas os principais agentes do serviço sujo.
São elas as donas da lavagem cerebral da revolução silenciosa.
Há exceções, é claro, que se perdem na bruma dos simpatizantes vermelhos.
Perdi a conta de quantas vezes já denunciei nos espaços que ocupo no rádio, tevê e internet, escolas caras de Porto Alegre recebendo freis betos e mantendo professores que ensinam às cabecinhas em formação que o bandido não é o que invade e destrói a produção, e sim o invadido, um facínora que "tem" e é "dono" de algo, enquanto outros nada têm.
Como se houvesse relação de causa e efeito.
Recebi de Bagé, interior do Rio Grande do Sul, o livro "Geografia", obrigatório na 5ª série do primeiro grau no Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora.
Os autores são Antonio Aparecido e Hugo Montenegro.
O Auxiliadora é uma escola tradicional na região, que fica em frente à praça central da cidade e onde muita gente boa se esforça para manter os filhos buscando uma educação de qualidade.
Através desse livro, as crianças aprendem que propriedades grandes são de "alguns" e que assentamentos e pequenas propriedades familiares "são de todos".
Aprendem que "trabalhar livre, sem patrão" é "benefício de toda a comunidade".
Aprendem que assentamentos são "uma forma de organização mais solidária... do que nas grandes propriedades rurais".
E também aprendem a ler um enorme texto de... adivinhe quem? João Pedro Stédile, o líder do criminoso MST que há pouco tempo sugeriu o assassinato dos produtores rurais brasileiros.
O mesmo líder que incentiva a invasão, destruição e o roubo do que aos outros pertence.
Ele relata como funciona o movimento e se embriaga em palavras ao descrever que "meninos e meninas, a nova geração de assentados... formam filas na frente da escola, cantam o hino do Movimento dos Sem-Terra e assistem ao hasteamento da bandeira do MST".
Essa é A revolução silenciosa a que me refiro, que faz um texto lixo dentro de um livro lixo parar na mesa de crianças, cujas consciências em formação deveriam ser respeitadas.
Nada mais totalitário.
Nada mais antidemocrático.
Serviria direitinho em uma escola de inspiração nazi-fascista.
Tristes são as conseqüências.
Um grupo de pais está indignado com a escola, mas não consegue se organizar minimamente para protestar e tirar essa porcaria travestida de livro didático do currículo do colégio.
Alguns até reclamam, mas muitos que se tocaram da podridão travestida de ensino têm vergonha de serem vistos como diferentes.
Eles não são minoria, eles não estão errados, mas sentem-se assim.
A revolução silenciosa avança e o guarda de quarteirão é o medo do que possam pensar deles.
O antídoto para A revolução silenciosa?
Botar a boca no trombone, alertar, denunciar, fazer pensar, incomodar os agentes da Stazi silenciosa.
Não há silêncio que resista ao barulho.
 
(*) Jornalista - Porto Alegre - RS

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Resposta do Paraguai à posição (bolivariana) brasileira

 (*) Chiqui Avalos 

Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem que lhe queremos. Nos arrasou como sicário da Rainha Vitória e nós lhe perdoamos e juntos construímos o colosso de Itaipu. O tratamos bem e ele defende a continuidade de uma das piores fases de nossa história, em nome do quê? Nega-nos o direito à autodeterminação, mas se esquece do papelão ridículo que fez em defesa de um cretino como Zelaya, um corrupto ligado a grupos somozistas de extermínio e que era tão esquerdista como Stroessner e democrático como Pinochet. Foi deplorável o papel do chanceler Patriota (que não se perca pelo nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, indo aos partidos Liberal e Colorado pressionar em favor de um presidente que caia. Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para ameaçar em benefício de um presidente que o país rejeitava. Indo ao vice-presidente Federico Franco ameaçar-lhe, com imensa desfaçatez, desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra ameaça não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção). O Barão do Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de hoje. O que quer o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Se afirmativo, já fica sabendo que passará. Nós temos imensa disposição de continuar uma parceria que se relevou positiva e decente para ambos os países. Mas não temos da austera presidente o mesmo terror-medo-pânico que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias. Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o mesmo. As radicais matronas só não sabiam que: o embaixador brasileiro é um ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui. Recorda o ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989 pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças na época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento, menos o embaixador brasileiro, que descansa no carnaval de Curitiba, sua cidade natal. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner rumo ao Brasil. E a Argentina… Bem, a Argentina não tem embaixador no Paraguay faz alguns meses… Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu substituto. País de necrófilos, chamou um fantasma até a Casa Rosada para consultas. O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam e reforçam os povos. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram e ele os traiu a todos. E, por isso, Lugo não voltará.

 (*) Chiqui Avalos é conhecido escritor e jornalista paraguaio. Combateu a ditadura de Stroessner e apoiou a candidatura de Fernando Lugo. É o editor de “Prensa Confidencial”, influente boletim digital editado no Paraguai.

terça-feira, 3 de julho de 2012

A GUARÂNIA DO ENGANO

Por Chiqui Avalos (*)
02-07-2012
 
 
Como num verso célebre de meu inesquecível amigo Vinicius de Moraes, “de repente, não mais que de repente”, alguns governos latino-americanos redescobrem o velho e sofrido Paraguay e resolvem salvar uma democracia que teria sido ferida de morte com a queda de seu presidente. Começa aí um engano, uma sucessão de enganos, mentiras e desilusões, em proporção e intensidade que bem serve a que se companha uma melodiosa guarânia, mas de gosto extremamente duvidoso.
Sucedem-se fatos bizarros na vida das nações em pleno século XXI. Uma leva de chanceleres, saídos da espetaculosa e improdutiva Rio+20, desembarca de outra leva de imponentes jatos oficiais no início da madrugada de um incomum inverno, e - quem sabe estimulados pela baixa temperatura - se comportam com a mesma frieza com que a “Tríplice Aliança” dizimou centenas de milhares de guaranis numa guerra que arrasou a mais desenvolvida potência industrial da América Latina.
Surpresos? Pois, sim, não é para menos. Éramos ricos, muito ricos, industrializados, avançados, educados, cultos, europeizados, amantes das artes, dos livros, das óperas, do desenvolvimento. Nossos antepassados brilharam na Sorbonne e assinaram tratados acadêmicos, descobertas científicas ou apurados ensaios literários. A menção de nossa origem não provocava o deboche ou ironia tão costumeiros nos dias tristes de hoje, mas profundas admiração e curiosidade dos que acompanhavam nossa trajetória como Nação vencedora. Não ficamos célebres como contrabandistas ou traficantes, mas como povo empreendedor e progressista. A organização de nossa sociedade, a intensa vida cultura, o progresso econômico irrefreável, a bela arquitetura de nossas cidades, nossos museus e livrarias, a invulgar formação cultural de nossa elite, a dignidade com que viviam nossos irmãos mais pobres (sem miséria ou fome) impressionavam e merecem o registro histórico. A rainha Vitória, que não destinou ao resto do mundo a mesma sabedoria com que governou e marcaria para sempre a história do Reino Unido, armou três mercenários e eles dizimaram a potência que, com sua farta e boa produção e espírito desbravador, tomava o mercado da antiga potência colonial aqui, do lado de baixo do Equador. Brasil, Argentina e Uruguay, como soldados da Confederação, nos arrasaram. Nossos campos foram adubados pelos corpos de nossos irmãos em decomposição, decapitados à ponta de sabre e com requintes de sadismo. O Conde D’Eu, marido de quem libertaria os negros da escravidão e entraria para a história do Brasil, comandava pessoal e airosamente o massacre. Os historiadores, essa gente bisbilhoteira e necessária, registraram seu apurado esmero e indisfarçável prazer. O nefasto delegado Sérgio Fleury teve um precursor com quase um século de antecedência...
Nossas cidades terminaram por ser habitadas por populações majoritariamente compostas de mulheres e crianças. Poucos homens restaram do genocídio perpetrado. Pedro II, que marcaria a história do Brasil por sua honradez, comportou-se de forma impressionante nessa obscura página da história do Brasil, mas inversamente conhecidíssima na história de meu país: não moveu uma palha ou disse palavra acerca do sadismo de seu genro criminoso. Documentos por mim revirados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, mostram a assinatura do velho Imperador autorizando a compra de barcos, chatas, cavalos e tudo o que fosse necessário para uma caçada de vida ou morte (mais de morte, certamente) à Lopez. Não bastava derrotar o déspota esclarecido, o republicano que os humilhava, o que havia desafiado todos os impérios, o da Inglaterra, o do Brasil, o da Espanha... Era preciso assinar seu epitáfio e esculpir sua lápide. E assim foi feito.
Derrotados, nunca mais fomos os mesmos. Passamos a ser conhecidos por uma República já bicentenária, mas atrasada em comparação aos vizinhos. Enfrentamos uma guerra cruel com a Bolívia na primeira metade do século passado. Roubaram-nos importante faixa territorial do Chaco, região paradoxalmente inóspita e riquíssima. Ganhamos a guerra. Nossos soldados mostraram a valentia e patriotismo que brasileiros, uruguaios e argentinos bem conheceram mais de meio século antes. Nossa incipiente aviação militar e seus jovens pilotos assombraram os experts norte-americanos pela refinada técnica e o sucesso de suas ações contra o agressor. Mas numa história prenhe de ironias, vencemos a guerra e... jamais recuperamos as terras! Os bolivianos, que jamais olham nos olhos nem das pessoas nem da história, certamente se rejubilam em sua “andina soledad”, e como os argentinos depois da inexplicável Guerra das Malvinas, sabem-se “vice-campeones”...
Mal saímos da Guerra do Chaco e experimentamos a mesma e usual crônica tão comum a rigorosamente todos os outros países latino-americanos. Golpes e contra-golpes, instantes de democracia e hibernações em ditaduras ferrenhas. Presidentes se sucederam despachando no belíssimo Palácio de Lopez e vivendo na vetusta mansão de Mburuvicha Roga (“A casa do grande chefe”, em guarani). Uns razoáveis, outros deploráveis. Nenhum deles, entretanto, recuperou a glória perdida dos anos de riqueza, opulência e fartura. Um herói da Guerra do Chaco tornou-se ditador e nos oprimiu por mais de três décadas. Homem duro, mas de hábitos espartanos e por demais interessante, o multifacético Alfredo Stroessner não recusou o papel menor de tirano, mas construiu com o Brasil a estupenda hidrelétrica de Itaipu, a maior obra de engenharia de seu tempo, salvando o Brasil de previsível hecatombe energética. Foi parceiro e amigo de todos os presidentes do Brasil de JK a Sarney. Com os militares pós-64 deu-se às mil maravilhas, mas foi de suas mãos que o exilado João Goulart recebeu o passaporte com que viajaria para tratar sua saúde com cardiologistas franceses. Deposto, o velho ditador morreu no exílio, no Brasil. Nós que o combatíamos (nasci em Buenos Aires , onde meu pai, empresário de sucesso mas adversário da ditadura, curtia seu exílio) jamais soubemos de ação qualquer, uma que fosse, do Brasil em seus governos democráticos contra a ditadura do general que lhes deu Itaipu.
Depois de duas décadas da derrubada de Stroessner, nos aparece Fernando Lugo. Sua história é peculiar. Era bispo de San Pedro, simpaticão e esquerdista, pregava aos sem-terra e parecia não incomodar ninguém, nem aos fazendeiros da área. Pelos idos de 2007 o então presidente Nicanor Duarte Frutos, um jovem jornalista eleito pelos colorados, resolve seguir o péssimo exemplo de Menem, Fujimori e Fernando Henrique, e deixa clara sua vontade de mudar a Constituição e permanecer no presidência, através do instituto inexistente da reeleição. Seu governo era mais que sofrível e – descupem-nos a imodéstia latreada em nossa história – nós, os paraguaios, não somos dados ao desfrute de mudar nossa Carta Magna ao sabor da vontade de presidente algum.
O país se levantou contra a aventura e ele, o bispo bonachão, justamente por não ser político e garantir que não alimentava qualquer ambição de poder, é escolhido para ser o orador de um grande ato público, com dezenas de milhares de pessoas no centro de Assunção. Pastoral, envolvente, preciso, o Bispo de San Pedro cativou a multidão, deu conta do recado e catalisou a imensa indignação da cidadania. A aventura continuísta de Nicanor não foi bem-sucedida, mas, com a sutileza de um príncipe da Igreja nos intricados concílios que antecedem a fumacinha branca no Vaticano, nos aparece um candidato forte à presidência da República: ‘habemus candidatum’! A batina vestia mais que um pastor, escondia um homem frio, ambicioso, ingrato e profundamente amoral.
Seu primeiro problema foi com a Santa Madre Igreja. O Santa Sé, certamente por saber algo que nós não sabíamos, vetou sua disposição política. Não, de jeito algum, ele jamais poderia ser candidato. A igreja católica combateu a ditadura do general Stroessner com imensa coragem e ação firme, mas não queria ocupar a presidência do país. “Roma coluta, causa finita” (“Roma falou, questão decidida”). Mas não para Lugo, que deixou seu bispado, despiu a batina e virou às costas a quem lhe educou e lhe acolheu no seu seio. Poucos e corajosos colegas Bispos e padres o apoiaram abertamente. Na última sexta-feira, depois de três anos sem vê-lo ou serem por ele procurados, esses mesmos amigos e apoiadores foram até a residência presidencial pedir – em vão – que Lugo renunciasse à presidência do Paraguay para que se evitasse derramamento de sangue. O homem seduzido pelo poder disse não com frieza, levantando-se e despachando aqueles inoportunos portadores da palavra divina.
Candidato sem partido, entretanto com as simpatias da clara maioria do eleitorado. Filiou-se, pois, a um partido e o escolhido foi o centenário e respeitável PLRA, dos liberais, há mais de 60 anos fora do poder e com a respeitável bagagem de uma corajosa oposição à ditadura stroessnista. Como um Jânio Quadros, Lugo filiou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico e usou sua bandeira, sua história e sua estrutura capilarizada em toda a sociedade paraguaia. E depois deu-lhe um adeus de mão fechada, frio e indiferente.
Eleito, desfez-se de todos os companheiros de jornada. Um a um. Stalin não apagou tantos nas fotos oficiais do Kremlin como o ex-bispo o fez. Mas demitiu os mais qualificados, por sinal. Restaram-lhe os cupinchas, os facilitadores de negócios e de festinhas íntimas, os “operadores” e alguns incautos esquerdistas para colorir com as tintas de um risível ‘socialismo guarani’ o governo de um homem que chegou como o Messias e terminaria como um Judas Escariotes.
Lugo poderia emprestar seu nome e sua trajetória de vida política (e pessoal, também) ao mestre Borges e tornar-se uma das impressionantes personagens da “História Universal da Infâmia”. Um infame, não mais que isso! Mal foi eleito e empossado, sucedem-se escândalos e se revela seu procedimento moral. Filhos impensados para um supostamente casto Bispo. Vários. Todos jamais reconhecidos ou amparados, gerados com mulheres as mais pobres e sem instrução alguma, do meio rural, humilhadas depois de usadas, uma delas com apenas 16 anos quando da gravidez. Se traíra a sua Igreja, por qual razão não nos trairia? E traiu.
Não passou um mês sequer durante seus três anos de governo sem que viajasse a um país qualquer. Com razão ou sem nenhuma, tanto fazia, e lá se ia ele, o alegre viajante para conferências esvaziadas ou cerimônias de posse de mandatários sem importância ou relevo para o Paraguay. As pompas do poder o abduziram como a nenhum déspota de república bananeira do Caribe. Os comboios de limusines com batedores estridentes, as festas e beija-mãos, os eternos e maviosos cortesãos do poder, as belas mulheres, as mesas fartas, os hotéis cinco estrelas, a riqueza, a opulência, os “negócios”. O despojado ex-bispo tornou-se grande estancieiro, senhor de terras, plantações e gado. O presidente que tomou posse calçando prosaicas sandálias como símbolo de humildade, revelou-se um homem vaidoso e fetichista. Como que a vestir a mentira em que ele próprio se tornou, passou a envergar elegantes e bem-cortadas túnicas encomendadas à alfaiates da celebérrima e caríssima Savile Row, templo londrino da moda masculina. No detalhe, o estelionato (mais um): colarinhos eclesiásticos. Afeiçoou-se a lindas e jovens, digamos, “modelos”, que floriram sua vida e a imensa banheira Jacuzzi que mandou instalar na austera e velha residência presidencial. Muitas delas o precediam mundo afora, esperando-o em hotéis fantásticos e palácios, nas vilegiaturas internacionais. Viajavam com documentos oficiais. Kaddafi auspiciava passaportes diplomáticos a terroristas, Lugo a prostitutas.
Sua afeição pelos jatinhos e jatões chegou às raias do fetiche: passou boa parte de seu peculiar mandato a bordo deles. Fretados à empresas de táxi aéreo de outros países, mandados pelos amigões Hugo Chávez e Lula, outros emprestados sabe-se lá por uns tais e misteriosos amigos. Chocou-se com o brasileiro Jorge Samek, fundador do PT e competente gestor, que na presidência brasileira da Itaipu resolveu vetar capricho juvenil do ex-bispo e delirante presidente: a poderosa binacional compraria um jato para seu uso. Um Gulfstream estaria de bom tamanho, quem sabe um Falcon, ou até um brasileiríssimo Legacy, mas ele precisava ardentemente de um jato para chamar de seu. Depois mandou que o comandante da Força Aérea negociasse um Fokker 100, adaptado com suíte e ducha. Nada feito, o raio de ação seria pequeno e ele precisava ganhar o mundo. Por fim, nos estertores de seu governo, entabulava a compra de um Challenger, usado mas chique, de um cartola do futebol paraguaio. O preço, como sempre, mais um escândalo da Era Lugo: pelo menos o dobro de um modelo novo, saído de fábrica...
Obras viárias? Imagine. De infraestrutura? Nenhuma. Modernização do país? Nem pensou nisso. Crescimento econômico? Sim, mas por obra de uma agricultura forte, de empresários jovens e ambiciosos, de uma indústria florescente e de um ministro da economia, Dionísio Borda, que destoou da regra geral do governo Lugo: competente e austero, imune às vontades do presidente e distante da escória que o cercava. A cada novo dia, no parlamento, nas redações, nos sindicatos, nos foros empresariais, nos encontros de amigos, um novo comentário, uma nova história de mais uma negociata dos assessores e companheiros de Lugo. Proporcionalmente, nem na ditadura de Stroessner (mais de três décadas), se roubou tanto quanto no governo pseudo-esquerdista de Fernando Lugo (menos de três anos). Já com Lugo deposto, seu secretário mais forte, Miguel Lopez Perito, telefonou à diretoria da Itaipu solicitando a bagatela de US$ 300 mil para organizar uma manifestação em defesa do governo. Queria ao vivo e a cores, "na mala", por fora, não contabilizado, no "caixa 2". Que tal? Fato tornado público por um diretor da binacional e revelador do modus-operandi da verdadeira quadrilha que comandava o país.
Seu processo de “Juízo Político” – algo como um processo de impeachment – está previsto na Constituição do Paraguay, e não foi uma travessura histórica de meia dúzia de líderes políticos ou parlamentares revidando as descortesias de Lugo para com os partidos, os empresários, os paraguayos todos. Que tipo de presidente era esse que teve 73 deputados votando por sua queda contra apenas 1 solitário voto? Que espécie de chefe da Nação era esse que teve 39 votos contrários no Senado contra apenas 4 de senadores fiéis ao seu desgoverno? Não teve tempo, apenas duas horas para defender-se, dizem. Ora, a Constituição não determina tempo, apenas assegura-lhe o direito de defesa, exercido através de competentíssimos advogados, que fizeram exposições brilhantes na defesa do indefensável. Um deles, Dr. Adolfo Ferreiro, admitiu claramente que o processo era legal. De outro, Dr. Emilio Camacho, em imponente ironia da história, os magistrados da Suprema Corte extraíram em um de seus celebrados livros aqueles ensinamentos necessários e a devida jurisprudência para rechaçar chicana jurídica do já ex-presidente contra o processo legal, constitucional e moral que o defenestrou. C’est la vie, Monsieur Lugo!
Em Curuguaty, num despejo de terras ocupadas pelos "carperos" (os sem-terra daquí), dezenas de mortes de ambos os lados. Lugo e seu ministro do interior, o belicoso senador Carlos Filizzola, foram avisados de que havia uma emboscada pronta para as forças militares. Com a empáfia e a absoluta irresponsabilidade que os caracterizou do primeiro ao último dia, e fiel aos amigos que manejam o MST daquí e infernizam a vida de nossos produtores rurais (entre os quais os 350 mil brasileiros que aquí plantam, colhem e vivem, nossos irmãos "brasiguayos"), ambos ordenaram a ação que se tornou uma tragédia na história de nosso país. Poderia citar, também, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), guerrilha formada por terroristas intimamente ligados a Lugo em seus tempos no bispado de San Pedro. Jamais as forças de segurança puderam fazer nada contra eles. Mapeados, identificados, monitorados e livres! Lugo se manteve fiel aos bandidos pelos quais mostra clara e pública afeição. Como o respeitado Belaúnde Terry, no Perú, que permitiu com seu "democratismo" o crescimento do terror representado pelo Sendero Luminoso de Abimael Guzmán, o nada respeitável Lugo é o pai e a mãe do EPP.
Fernando Lugo foi um acidente em nossa história. Necessário, mas sofrido. Seus defeitos superaram suas virtudes. Aqueles eram muitos, essas muito poucas. Nós que nele votamos, sequiosos de um Estadista, nos deparamos com um sibarita. Seu legado é de decepção e fracasso. Não choraram por ele dentro de nossas fronteiras, e os que o defendem foram delas o fazem muito mais pensando no que lhes pode ocorrer do que por solidariedade ao desfrutável governante e desprezível homúnculo que cai.
O fim de seu governo dói mais a um já dolorido Chávez do que a nós. A Senhora Kirchner, radical na condenação que nos impõe, se esquece de nossa parceria na importante e gigantesca usina hidrelétrica de Yaciretá, e amplia sua lucrativa viuvez acolhendo em seu seio choroso o decaído amigo. Solidária? Nem tanto, apenas oportunista e sabendo que se abriu o precedente para que os parlamentos expulsem os incapazes. Na Bolívia o sentimento popular em relação ao sectário e também bolivariano Evo Morales não é diferente do sentimento dos paraguayos por Lugo no outono de sua aventura presidencial. É pior. O relógio da história irá tocar as badaladas do fim de uma aventura mais que improdutiva: raivosa, racista e liberticida.
Não compreendemos a posição do Brasil. Ou não queremos compreender, tanto é o bem que lhe queremos. Nos arrasou como sicário da Rainha Vitória e nós lhe perdoamos e juntos construímos o colosso de Itaipu. O tratamos bem e ele defende a continuidade de uma das piores fases de nossa história, em nome do quê? Nega-nos o direito à autodeterminação, mas se esquece do papelão ridículo que fez em defesa de um cretino como Zelaya, um corrupto ligado a grupos somozistas de extermínio e que era tão esquerdista como Stroessner e democrático quanto Pinochet.
Foi deplorável o papel do inexpressivo chanceler Patriota (que não se perca pelo nome), saracoteando pelas ruas de Assunção em desabalada carreira, indo aos partidos Liberal e Colorado pressionar em favor de um presidente que caia. Adentrando o Parlamento ao lado do chanceler de Hugo Chávez, o Sr. Maduro, para ameaçar em benefício de um presidente que o país rejeitava. Indo ao vice-presidente Federico Franco ameaçar-lhe, com imensa desfaçatez, desconhecendo seu papel constitucional e o fato de que ninguém renunciaria a nada apenas por uma ameaça calhorda da Unasul (que não é nada) e outra ameaça não menos calhorda do Mercosul (que não é nada mais que uma ficção). O Barão do Rio Branco arrancou seus bigodes cofiados no túmulo profanado pelo Itamaraty de hoje.
O que quer o governo Dilma? Passar pelo mesmo vexame de Lula na paupérrima Honduras? Se afirmativo, já fica sabendo que passará. Nós temos imensa disposição de continuar uma parceria que se revelou positiva e decente para ambos os países. Mas não sentimos ou temos pela austera presidente o mesmo terror-medo-pânico que lhe devotam seus auxiliares e ministros. Cara feia não faz história, apenas corrói biografias. Dilma chamou seu embaixador em Assunção e Cristina fez o mesmo. As radicais matronas só não sabiam que: o embaixador brasileiro é um ausente total, vivendo mais tempo em Pindorama do que por aqui. O Embaixador Eduardo Santos é tido no Paraguay como alguém que acredita que as três melhores coisas em nosso país são ar condicionado e passagem de volta. Recorda o ex-embaixador Orlando Carbonar, que foi pego de surpresa em fevereiro de 1989 pelo movimento que derrubou o general Stroessner. Até meus filhos, crianças na época, sabiam que o golpe se avizinhava e que estouraria a qualquer momento, menos o embaixador brasileiro, que descansava no carnaval de Curitiba, sua cidade natal. Voltou às pressas, num jatinho da FAB, para embarcar Stroessner rumo ao Brasil. E a Argentina... Bem, a Argentina não tem embaixador no Paraguay faz alguns meses... Ocupadíssima, Dona Cristina não nomeou seu substituto. País de necrófilos (amam Gardel, Che, Evita e Maradona, dentre outros defuntos), chamou um embaixador que não existe, um diplomata fantasma, até a Casa Rosada para consultas.
O Paraguay fez o que tinha que fazer. Seguirá adiante, como seguem adiante as Nações, testadas e curtidas pelas crises que retemperam a cidadania e reforçam a nacionalidade. O religioso que não honrou seus votos de castidade e pobreza e traiu sua igreja, foi por ela rejeitado. O presidente que não honrou nossos votos e nos traiu, foi por nós deposto. Deposto por incapaz, por mentiroso, por ineficiente, por desonesto. Mas, principalmente, por que traiu as esperanças de um país e um povo que precisaram dele e nele confiaram. E, por isso, Lugo não voltará.
 
(*) Chiqui Avalos é conhecido escritor e jornalista paraguaio. Combateu a ditadura de Stroessner e apoiou a candidatura de Fernando Lugo. É o editor de "Prensa Confidencial", influente boletim digital editado no Paraguai.

As Placas da AMAN

Tenho recebido mensagens encaminhadas por velhos amigos, desculpem, antigos amigos, pessoas que merecem de minha parte as mais respeitosas referências. Na verdade, quando se passa dos setenta anos são essas lembranças que nos fazem permanecer vivos.
Voltando às mensagens, quero me referir àquelas que criticam o comandante da Força pela participação e aquiescência com a decisão da Comissão de Direitos Humanos da OEA, no sentido de afixar placas na Academia Militar das Agulhas Negras, alusivas à morte de um cadete durante um exercício.
Não tive a honra de cursar a AMAN, mas sempre reverenciei aquela Escola, talvez mais do que muitos que lá se formaram.
Também não tenho procuração para falar em defesa do comandante do Exército e, mesmo que tivesse não o faria, por questão de princípios.
Mas, nem por isso ou talvez justamente por isso, me permito dizer que acho injusto concentrar as críticas apenas no general comandante.
Ainda que se diga que o comandante é, ao fim e ao cabo, responsável por tudo que ocorre sob seu comando, não é menos verdade que temos hoje dezenas de oficiais-generais na ativa e nenhum deles se manifestou a respeito. O Alto Comando do Exército, ao silenciar sobre o caso, endossou a decisão do chefe.
Não digo que fizessem declarações pomposas pela imprensa. Bastaria que, boca a boca, olho no olho, chamassem o comandante e dissessem:
 “Peça exoneração, agora”.  
Caso não fossem atendidos, todos entregariam os seus cargos, no que seriam acompanhados pelos demais oficiais-generais da ativa.
Tudo isso com discrição, sem alardes. E, obviamente, diriam ao ministro da Defesa que as tais placas estariam melhor se afixadas no Ministério da Defesa, inclusive porque mortes em serviço, durante exercícios, não ocorrem apenas no Exército, sendo inúmeros os casos na Marinha e na Aeronáutica.
Aliás, caso esses mesmos generais tivessem mandado (isso mesmo, mandado) que o general comandante pedisse exoneração quando veio a público o caso das fraudes no Instituto Militar de Engenharia e que até hoje descansa na gaveta do procurador geral da República, é possível que o substituto não aceitasse a ordem para colocação das placas na AMAN.
João Arruda
Pqdt 3151 - Prec 118