Quando o cadete Márcio Lapoente da Silveira faleceu, em decorrência das atividades de instrução especial daAcademia Militar das Agulhas Negras (Aman), em 9 de outubro de 1990, ele se preparava para se tornar um oficial combatente do Exército brasileiro, submetido voluntariamente, jamais como um “recruta”, às duras condições requeridas para tanto. Não seria a primeira nem a última vez que integrantes das Forças Armadas brasileiras ultrapassaram os seus limites, caracterizando perdas duplamente trágicas de vidas humanas e de homens desse valor, não em combate mas na sua mera imitação.
Mas a tragédia do cadete Lapoente virou desastre nacional com a atuação do governo brasileiro junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, que acolheu a denúncia correspondente como o caso de número 12.674. A despeito do andamento regular das medidas legais cabíveis para a apuração das responsabilidades e de a ação judicial de compensação por danos morais e materiais continuar tramitando na Justiça, o governo, em dezembro passado, apressou-se em celebrar “um acordo de solução amistosa”, que impõe uma cerimônia na Aman durante a qual será inaugurada uma placa em homenagem aos cadetes falecidos nas atividades de instrução, mencionando o acordo relativo ao cadete Lapoente.
Vale dizer que esse desastre não foi causado pela CIDH, um órgão da OEA, que não vai além das admissibilidades quando se trata de Estados Unidos, cujas decisões, segundo seu próprio secretário-geral, não passam de recomendações aos países-membro, mas que não se peja em “condenar” governos pela Latinoamérica afora nos mais diversos temas: de hidrelétricas a presídios. Bem, nem todos: o caso do assassinato de Celso Daniel foi arquivado. O desastre se consuma no patrocínio governamental a uma decisão que atropela a Justiça e as Forças Armadas nacionais sujeitando-as a uma instância estranha à soberania do Brasil. Perversamente, os termos e o alcance do malsinado acordo vinculam acidentes de instrução ocorridos nas mais diversas circunstâncias ao acontecido com o cadete Lapoente. Afinal, era preciso encontrar uma justificativa para “ampliar o ensino de direitos humanos no currículo de formação militar”, depois que a mentira da tortura como causa da morte do cadete Lapoente plantada no artigo 63 do Relatório 78 da CIDH, de 16 de outubro de 2008, não teve fôlego para chegar sequer ao texto do acordo.
Até quando os radicais incrustrados no governo abusarão da sociedade gerando tensões e afrontamentos que ela não deseja? Até quando se ocultará que o alvo da propalada verdade unilateral só tem o nome e o endereço do Exército brasileiro?
A questão é saber até quando a nação vai fazer de conta que isso não lhe diz respeito.
* Sérgio Paulo Muniz Costa, historiador, foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa em Washington, órgão de assessoria da OEA para segurança e defesa do Hemisfério
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