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domingo, 11 de março de 2012

Nem uma coisa, nem outra

* Sérgio Paulo Muniz Costa

Em relação à apuração de violações de direitos humanos cometidas no passado recente do Brasil vai se delineando o descaminho da verdade pelas tantas comissões que, justamente por lhe terem o nome, deveriam persegui-la de forma incansável e honesta em muitas vozes, razões e perspectivas – jamais no comodismo da verdade única em que se escondem os radicais incrustados nos poderes da República.
Mesmo aos leitores mais críticos da Lei nº 12.528 de 18 de novembro de 2011 que criou uma comissão com essa finalidade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República não escapará a constatação de que as atividades desse colegiado “não terão caráter jurisdicional ou persecutório”. Mas os arautos da verdade única não respeitam nem mesmo o texto da lei que tanto festejam, duplipensando a verdade deles como verdade de todos e falando a novilíngua na qual examinar significa acusar, esclarecer quer dizer julgar e reconciliação é pura e simples vingança.
Para tanto se emprega o argumento tautológico de que já foram punidos os perdedores da História derrotados na luta armada que desencadearam, restando punir aqueles que os venceram na defesa de uma ordem dita ilegal, uma idéia no mínimo exótica, mas que é trágica em seu verdadeiro significado para a democracia: o julgamento político. Muitos diriam que responder ao absurdo é dar-lhe asas. Foi assim que em silêncio, de sandice em sandice, chegamos ao impensável.
Informal e oficiosamente o julgamento político já começou. O governo federal tentou criminalizar a manifestação legal e legítima de pensamento usando a mais estreita das interpretações de códigos aplicáveis às mais extremas situações, insistindo, depois de desmascarado, com a boataria intimidadora de sanções disciplinares que não se respaldam em código nenhum. Mais triste é assistir quem por fé de ofício deveria defender a liberdade de opinião apontar contradição na pretensão de liberdade de expressão por parte daqueles que defenderam a lei e a ordem no regime que agora se pretende julgar. Então estamos vivendo em que regime? Em que país? Sob que leis?
Há muitos direitos envolvidos nessa questão. Se eles existem no que diz respeito à memória e ao pranto dos entes desaparecidos, há também o direito à verdade sobre aqueles que, sem se darem conta da precariedade de seu marxismo, seduziram jovens a apagarem vivos as suas vidas, mergulhando-os na clandestinidade para enfrentar o Estado pelas armas. Há o direito de discordar da visão governamental dos direitos humanos, embutida no projeto continuísta que praticamente a metade do eleitorado rejeitou no último pleito presidencial. Só há um direito que a ninguém cabe: o de se achar dono da democracia brasileira, muito menos àqueles que empunharam armas com treinamento, orientação e financiamento estrangeiro e hoje, arrogantes no condomínio do poder, insistem em ostentar o espírito das armas. Com isso se dão o direito de implodir a Anistia, ao longo de todo o espectro ideológico, pelo que certamente serão responsabilizados no tribunal da história.
As Forças Armadas existem para combater e vencer inimigos externos e internos. Foi o que fizeram nos anos 60 e 70 do século passado, como aconteceu ao longo de toda nossa história, vencendo mais uma guerra imposta à sociedade brasileira, não a elas. Vitórias militares não são das Forças Armadas, são do Brasil, na medida em que o país não se sujeitou à coerção armada de seus inimigos, estrangeiros ou domésticos. Vitórias militares não são conquistadas sem coragem, física e moral. Disso depende a soberania do Brasil. Amplie-se o debate, para que se compreenda esse capítulo da história. Mas não se cale ninguém, inclusive os militares, pois afinal o que há a temer em suas palavras?
Não se sabe bem o que será a comissão instituída pela Lei 12.528, mas a levar em conta o que propalam os ventríloquos do poder, sabe-se o que ela não será: nem nacional e nem da verdade. 

* Historiador, é membro do CPE da UFJF e pesquisador de Segurança e Defesa do CEBRI. Foi Delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.

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