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Sérgio Paulo Muniz Costa
Em relação à apuração de violações de
direitos humanos cometidas no passado recente do Brasil vai se delineando o
descaminho da verdade pelas tantas comissões que, justamente por lhe terem o
nome, deveriam persegui-la de forma incansável e honesta em muitas vozes, razões
e perspectivas – jamais no comodismo da verdade única em que se escondem os
radicais incrustados nos poderes da República.
Mesmo aos leitores mais críticos da
Lei nº 12.528 de 18 de novembro de 2011 que criou uma comissão com essa
finalidade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República não escapará a
constatação de que as atividades desse colegiado “não terão caráter
jurisdicional ou persecutório”. Mas os arautos da verdade única não respeitam
nem mesmo o texto da lei que tanto festejam, duplipensando a verdade deles como
verdade de todos e falando a novilíngua na qual examinar significa acusar,
esclarecer quer dizer julgar e reconciliação é pura e simples
vingança.
Para tanto se emprega o argumento
tautológico de que já foram punidos os perdedores da História derrotados na luta
armada que desencadearam, restando punir aqueles que os venceram na defesa de
uma ordem dita ilegal, uma idéia no mínimo exótica, mas que é trágica em seu
verdadeiro significado para a democracia: o julgamento político. Muitos diriam
que responder ao absurdo é dar-lhe asas. Foi assim que em silêncio, de sandice
em sandice, chegamos ao impensável.
Informal e oficiosamente o julgamento
político já começou. O governo federal tentou criminalizar a manifestação legal
e legítima de pensamento usando a mais estreita das interpretações de códigos
aplicáveis às mais extremas situações, insistindo, depois de desmascarado, com a
boataria intimidadora de sanções disciplinares que não se respaldam em código
nenhum. Mais triste é assistir quem por fé de ofício deveria defender a
liberdade de opinião apontar contradição na pretensão de liberdade de expressão
por parte daqueles que defenderam a lei e a ordem no regime que agora se
pretende julgar. Então estamos vivendo em que regime? Em que país? Sob que
leis?
Há muitos direitos envolvidos nessa
questão. Se eles existem no que diz respeito à memória e ao pranto dos entes
desaparecidos, há também o direito à verdade sobre aqueles que, sem se darem
conta da precariedade de seu marxismo, seduziram jovens a apagarem vivos as suas
vidas, mergulhando-os na clandestinidade para enfrentar o Estado pelas armas. Há
o direito de discordar da visão governamental dos direitos humanos, embutida no
projeto continuísta que praticamente a metade do eleitorado rejeitou no último
pleito presidencial. Só há um direito que a ninguém cabe: o de se achar dono da
democracia brasileira, muito menos àqueles que empunharam armas com treinamento,
orientação e financiamento estrangeiro e hoje, arrogantes no condomínio do
poder, insistem em ostentar o espírito das armas. Com isso se dão o direito de
implodir a Anistia, ao longo de todo o espectro ideológico, pelo que certamente
serão responsabilizados no tribunal da história.
As Forças Armadas existem para
combater e vencer inimigos externos e internos. Foi o que fizeram nos anos 60 e
70 do século passado, como aconteceu ao longo de toda nossa história, vencendo
mais uma guerra imposta à sociedade brasileira, não a elas. Vitórias militares
não são das Forças Armadas, são do Brasil, na medida em que o país não se
sujeitou à coerção armada de seus inimigos, estrangeiros ou domésticos. Vitórias
militares não são conquistadas sem coragem, física e moral. Disso depende a
soberania do Brasil. Amplie-se o debate, para que se compreenda esse capítulo da
história. Mas não se cale ninguém, inclusive os militares, pois afinal o que há
a temer em suas palavras?
Não se sabe bem o que será a comissão
instituída pela Lei 12.528, mas a levar em conta o que propalam os ventríloquos
do poder, sabe-se o que ela não será: nem nacional e nem da verdade.
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Historiador, é membro do CPE da UFJF e pesquisador de Segurança e Defesa do
CEBRI. Foi Delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de
assessoria da OEA para assuntos de segurança
hemisférica.
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