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sábado, 9 de julho de 2011

Vale a Pena

Coladorador: Sérgio Paulo Muniz Costa

O Brasil inovou. Mais uma vez. Com a polêmica instalada a respeito do segredo de documentos oficiais, foi inventado o vazamento preventivo. Alguém que tem acesso a documentos ultrassecretos de estado e que deve, por fé de ofício, manter reserva sobre eles, planta dicas a respeito do que está para ser vazado. Enquanto o vazamento não acontece, vão surgindo notícias que cozinham antecipadamente um quem ou um quê a ser frito, mesmo que o segredo a revelar seja de Polichinelo. Como na guerra preventiva, no vazamento preventivo não há como a presa escapar, qualquer que seja o motivo pela qual foi escolhida.

Essas tramoias costumam ter por finalidade a criação de um fato político, que não está ligado necessariamente àquilo que se aponta. No caso do Traíraleaks tupiniquim em gestação, os alvos visíveis são as Forças Armadas e a diplomacia, instrumentos do Estado brasileiro. Vale tudo, até requentar a tese marxista “made in Argentina” da conspiração do Brasil e da Inglaterra para “massacrar o Paraguai” na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), misturando-a com a comissão da “verdade”, esta tida como favas contadas pelo governo.

A omissão da oposição política e o silêncio dos responsáveis pelas instituições já não surpreendem mais, à medida que estas vão se amoldando à fisionomia de um governo que parece tão capaz de impor quanto incapaz de governar. A contradição não denota fraqueza de governo, e sim de Estado, o mesmo Estado forte que o governo diz defender, mas que na verdade ele enfraquece a cada dia na sua volúpia de mando e de ganho político.

Mas existem outras dificuldades. A teoria e prática da conquista do poder do estado vêm se sofisticando. Primeiro, os cientistas políticos apontavam para a sua tomada pura e simples, pela via política, pela revolução ou pelo controle de seus processos decisórios. Com a proliferação das ONGs, surgiu outra modalidade de assalto ao poder (fiquemos apenas com a acepção política) na atuação dos híbridos ongueiros que legislam dentro do governo. Agora se delineia a onda das mídias sociais atuantes além dos partidos e, por conseguinte, das estruturas de representação política.

Assim, cabe perguntar, diante das inusitadas decisões que o Estado brasileiro vem tomando ultimamente - e de outras para as quais se encaminha - até onde as estruturas formais de representação e decisão do governo democraticamente eleito e legalmente constituído - responsável, portanto - governariam o país. Num cenário de banalização do Estado e da política, como ficaria o exercício da soberania pelo povo, o que as instituições deveriam representar e quais seriam os critérios das decisões afetas à sociedade de um país em desenvolvimento, onde os precários índices sociais e educacionais já constituem por si só preocupações quanto à qualidade e efetividade da representação política?

Nunca é demais repetir que o Estado é a sociedade politicamente organizada, que não há substituto para a democracia, que somos nós que fazemos tudo isso e que muito do que desejamos para nós depende da nossa capacidade em dar substância ao Estado nacional brasileiro, mero instrumento de nossa vontade coletiva onde, porém, se viabiliza nossa existência social desde que saibamos lhe colocar limite.

É por isso que nestes dias de perplexidade vale a pena defendê-lo.

Sérgio Paulo Muniz Costa, historiador, é membro do CPE da UFJF, pesquisador de Segurança e Defesa do CEBRI. Foi Delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica.

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