REVISTA VEJA – 06.07.2011
Madraçal do Planalto  
Um dos símbolos da luta pela democracia durante o  regime militar, a Universidade de Brasília tornou-se reduto da intolerância  esquerdista.
A Universidade de Brasília teve seu câmpus  invadido por forças de repressão, teve estudantes assassinados, professores  perseguidos e funcionários demitidos por defender ideias contrárias às do poder  dominante. Isso ocorreu durante os períodos mais duros do regime militar.  Naquele tempo, a comunidade da UnB sofria por exigir a volta da democracia ao  Brasil. Pois não é que a democracia voltou ao Brasil, mas anda em falta  justamente em um dos redutos onde mais se lutou por ela, a UnB? Professores,  estudantes e funcionários da Universidade de Brasília têm sido alvo de  perseguição da diretoria e de agressões pelo único crime de não pensarem de  acordo com a ideologia dominante. A liberdade de expressão sempre foi um valor  sagrado nas universidades, mas na UnB ela foi revogada para que em seu lugar se  instalasse a atitude mais incompatível que existe com o mundo acadêmico: a  intolerância. VEJA foi ao câmpus da UnB apurar as denúncias de que um símbolo da  luta democrática no Brasil está se transformando em um madraçal esquerdista em  que a doutrinação substituiu as atividades acadêmicas essenciais. Os depoimentos  colhidos pela reportagem da revista deixam pouca dúvida de que essa tragédia  está em pleno curso. Acompanhem. 
A procuradora de Justiça Roberta Kaufmann conta  que viveu a maior humilhação de sua vida em um auditório da UnB, instituição em  que concluiu seu mestrado. Convidada para participar de um debate sobre a adoção  de cotas raciais pelas universidades públicas, ela - que é contrária ao projeto  - não conseguiu falar. Quando lhe foi dada a palavra, um grupo liderado por  professores promoveu um alarido ensurdecedor. Ela foi chamada de racista, ouviu  ofensas impublicáveis e só pôde deixar a universidade horas depois, acuada, com  medo de que algo pior acontecesse. Seu carro foi vandalizado. Nas portas, foi  pichada a frase "Loira filha da p ... ". Desde então, Roberta nunca mais voltou  à UnB sem companhia. Não se trata de um caso isolado. "A UnB se tomou palco das  piores cenas de intolerância. Não há espaço para o diálogo. Ou você compartilha  do pensamento dominante ou será perseguido e humilhado", diz a procuradora.  
Os professores entrevistados relatam que  manifestações de intolerância como essas se intensificaram a partir de 2008,  depois da eleição do reitor José Geraldo de Sousa Junior, um dos fundadores do  PT no Distrito Federal. José Geraldo, cujo único mérito acadêmico evidente  deriva de sua militância política, venceu o pleito ao cabo de uma manobra que  deu aos votos dos alunos o mesmo peso dos votos do corpo docente e dos  funcionários. Segundo a lei, os professores deveriam representar 70% do colégio  eleitoral de uma universidade. "Nenhuma universidade de ponta tem esse tipo de  sistema eleitoral. Uma instituição controlada por alunos gravita em tomo dos  pontos mais mesquinhos da pequena política", diz o historiador Marco Antonio  Villa. E existem exemplos dessa contaminação do cotidiano acadêmico pela pequena  política. Dois adversários de José Geraldo na eleição para reitor, os  professores Márcio Pimentel e Inês Pires de Almeida, foram alvo de retaliação  por parte da nova administração, que teria começado logo depois da posse. O  crime deles? Terem ousado concorrer ao cargo hoje ocupado pelo militante de mar  e guerra, reitor da UnB. 
Márcio Pimentel e a  esposa, a também professora Concepta McManus desconfiaram que o trabalho de  pesquisa de ambos começou a sofrer boicotes - mas tudo de uma maneira sempre  muito sutil, indireta. Como nunca havia ocorrido antes, serviços básicos dos  laboratórios, como a limpeza das instalações e a compra de material, foram  interrompidos. Sem explicação, a carga horária de aulas também foi ampliada de  maneira claramente exagerada, para que não lhes sobrasse tempo para o trabalho  de pesquisa. "Chegou um momento em que uma disciplina ministrada por um colega  com metade das turmas que eu tinha foi passada a mim. Não sobrava tempo para o  laboratório", disse Concepta McManus a um professor ouvido por VEJA. A  perseguição forçou Pimentel a pedir transferência para a Universidade Federal do  Rio Grande do Sul. No documento de liberação do professor, José Geraldo lamentou  protocolarmente que a UnB perdesse um docente da envergadura de Pimentel. "Puro  deboche. A saída do Márcio era o sonho da reitoria", afirma o professor de  bioquímica Marcelo Hermes-Lima, que testemunhou a hostilidade oficial ao casal  de professores. "A UnB é uma página virada. Não faz mais parte da minha vida",  limitou-se a dizer o geólogo Márcio Pimentel ao ser procurado por VEJA. Contra a  professora Inês Pires, a outra candidata derrotada, a retaliação foi mais  explícita. Ela perdeu a chefia de um curso e sofreu uma devassa nos projetos de  pesquisa que conduzia. "Os analistas não requisitaram sequer a prestação de  contas. Foi uma ação com o claro objetivo de tisnar a imagem de uma professora  que não pertence ao grupo dominante", conta um professor que acompanhou o caso e  fala em condição de anonimato por temer represálias. 
O jurista Ibsen Noronha, ex-professor voluntário do  departamento de direito e um dos maiores especialistas em história do direito  brasileiro, deixou a UnB no fim do ano passado. Motivo: sua disciplina  desapareceu do currículo. Para ele, no entanto, foi retaliação diante de sua  posição extremamente crítica em relação ao polêmico regime de cotas, uma das  bandeiras que tem na atual gestão da UnB seus maiores defensores: "É a primeira  vez em trinta anos que a disciplina, um diferencial do currículo da  universidade, não foi oferecida. Eu fui aluno da UnB e tive essa aula. A  justificativa que a faculdade apresentou é risível: disseram que a  matéria foi suprimida por ser optativa. Mas não me foi apresentada nenhuma ourra  opção no lugar dela. É lamentável testemunhar a transformação da universidade em  um instrumento de domínio ideológico", afirma Noronha, que se tomou, em  fevereiro, o primeiro brasileiro a lecionar na respeitada Universidade de  Coimbra, em Portugal. 
O embate é tal que  mesmo críticas sem conotação ideológica ou política podem servir como estopim  para retaliações. A professora Tânia Montoro, da Faculdade de Comunicação, conta  que foi punida por ter criticado as extravagantes concessões que a atual  reitoria faz aos alunos, como a permissão de festas nos prédios onde as aulas  são ministradas - que transformaram as salas em território livre para consumo de  drogas. No ano passado, a professora e duas de suas alunas foram escolhidas como  palestrates em um seminário realizado em Bogotá. A UnB aurorizou o pagamento da  viagem das alunas, mas não da professora. Depois de duas negativas, Tânia  reclamou, mas seu pedido só foi deferido quando não havia mais tempo para o  embarque. "Eu tenho uma história de trinta anos nesta universidade, e sou uma  pesquisadora produtiva. Não merecia passar por essa vergonha", diz a professora.  
Mesmo em cursos  considerados técnicos, como o de arquitetura, a política tem predominado. O  urbanista Frederico Flósculo, há dezenove anos professor da UnB, acusa a atual  direção de persegui-lo e agir para que seus projetos de pesquisa sejam  sistematicamente rejeitados. Diz Flósculo: "Eu fui um opositor ferrenho da  gestão passada. Quando José Geraldo assumiu, levou para a reitoria a sua  corriola. Nos últimos anos, meus projetos de pesquisa têm sido sistematicamente  rejeitados. O propósito da universidade deveria ser a busca da excelência. Isso  foi substituído pela partidarização do ensino". O decano da Faculdade de  Direito, Ronaldo Poletti, resume o problema: "A universidade foi tomada por um  parrulhamento ideológico tácito, orquestrado para funcionar sem ser notado. Quem  pensa diferente é relegado ao limbo. Em trinta anos de cátedra, nunca vi a  universidade tão distante da sua proposta original - a produção livre do  conhecimento". O reitor da UnB nada vê de extraordinário. "Ninguém tem espaço  sem esforço. É preciso analisar se não são os professores que, por falta de  competência. perderam visibilidade. A Universidade de Brasília nunca foi tão  aberta", afirma José Geraldo. 
Para o sociólogo Demétrio Magnoli,  são evidentes os sinais de que algo está deteriorando o ambiente acadêmico do  que foi uma das mais respeitadas instituições de ensino do país. Resume Magnoli:  "Um campus, por definição, deve ser uma praça de debates onde a diversidade de  ideias é o maior valor. É preocupante quando uma universidade adota uma posição  ideológica. A UnB vive o processo típico de uma instituição que se tornou um  aparelho em prol de uma causa".
Acredito que o assunto merece uma acareação para os fatos consumados e uma avaliação para o que está sendo considerado como nova mudança de paradigna.
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