Continencia

Continencia
Caserna

sábado, 16 de julho de 2011

Projeto imprudente e casuísta

    General da Reserva

Luiz Eduardo Rocha Paiva


O Senado recebeu o Projeto de Lei (PL) 41/2010, que altera as condições de acesso a informações sigilosas de posse do Estado. Se o texto for aprovado sem modificações, cairá o sigilo eterno de documentos e haverá apenas uma prorrogação da vigência das classificações sigilosas nele previstas - reservada, secreta e ultrassecreta.

Terminada a prorrogação, a informação será divulgada automaticamente, sem uma avaliação do risco correspondente, anulando, de fato, a ressalva constitucional que preserva o sigilo de informações enquanto possam colocar em risco a segurança da Nação (art.5º, XXXIII).
 
Numa hipótese fictícia de que a inteligência brasileira tivesse participado da localização de Bin Laden, os documentos da operação classificados como secretos deveriam ser divulgados, obrigatoriamente em 2041 na internet, tornando a Nação alvo da vingança da Al Qaeda ou de outra organização terrorista sucessora. O Estado cercear sua liberdade de ação, a ponto de admitir situações de risco para futuras gerações, é miopia, imprudência e irresponsabilidade.
O País não tem litígios fronteiriços graças aos tratados estabelecidos, mas diante de uma oportunidade não há dúvida de que alguns dos dez vizinhos tentarão rediscutir tais questões. Um deles poderia usar uma informação aberta como pretexto para alegar haver detalhes importantes desconhecidos pelo seu povo, na negociação de limites, e que ele não teria concordado com o tratado em tais condições. No mínimo, pleitearia indenizações ao Brasil e, se negadas, tentaria levar a questão à Corte Internacional, com resultado imprevisível. Não é sem razão que o MRE, durante décadas, foi contrário à abertura de informações sigilosas de Política Exterior até que reviu a posição para se ajustar à nova linha adotada pelo atual governo.
O PL obriga a quebra do sigilo de documentos militares, de nível estratégico e operacional, onde constam hipóteses de emprego, objetivos a defender ou atacar, alvos sensíveis, direções estratégicas de atuação, zonas de concentração de forças, medidas de defesa do território e de instalações críticas e outras informações. Documentos de inteligência revelarão vulnerabilidades nacionais e colocarão pessoas em risco. O mais grave é que esses conhecimentos e a forma de acessá-los serão disponibilizados na internet, estando alguns em final de prazo de prorrogação do sigilo e com muitas informações de valor permanente. Basta se colocar na posição do cidadão de uma nação vizinha, ao tomar conhecimento dos planos de campanha brasileiros em caso de conflito armado com o seu país, para perceber as consequências da abertura de conhecimentos dessa natureza, independente do prazo.
As relações com os condôminos sul-americanos precisam estar bem ajustadas para viabilizar a integração latino-americana, objetivo nacional contemplado na Constituição Federal (art. 4º). Não é racional o próprio País criar motivos para ressentimentos e contenciosos, gerando óbices à sua concretização. O segredo eterno não se justifica, mas a prorrogação do sigilo não é uma questão de tempo e sim de conteúdo e consequência.  Alcançado o limite do prazo, a prorrogação ou a quebra do sigilo devem ser avaliadas por uma comissão consultiva de pequeno efetivo, que emitiria um parecer, ficando a decisão a cargo de uma instância superior, às vezes, do próprio presidente da República.
A esquerda radical e ONGs ideológicas estão envidando esforços pela rápida aprovação do PL, mas não por interesse no conhecimento da história do País, como um todo, e sim na abertura dos documentos sigilosos do regime militar para uso pela Comissão da Verdade (CV). Facciosa como está sendo estruturada, a CV só vai se valer das informações que comprometerem os agentes do Estado que combateram a luta armada. As que mostrarem violações cometidas por ex-guerrilheiros, terroristas e sequestradores serão descartadas com o falso argumento de que todas foram obtidas por meio de tortura quando, na realidade, muitos depuseram espontaneamente. O Brasil passou por revoltas e revoluções, crises político-militares e pela ditadura Vargas sem nunca ter precisado de uma CV para conhecer sua história, nem para se reconciliar. Sempre usou o instrumento da anistia, que a esquerda revanchista quer desmoralizar sem medir as consequências de tamanha insanidade. Ora, num governo com presença e influência marcantes da esquerda radical, o interesse ideológico costuma preceder a segurança do País.
Existe também um setor idealista que considera dever do Estado divulgar as informações que possui, pois a sociedade tem o direito de conhecer plenamente a história do País. Porém, o Estado é um delegado constituído pela Nação, cuja missão principal é prover sua segurança, desenvolvimento e bem-estar. Assim, quando a divulgação de uma informação sigilosa puder comprometer essa missão, é sua obrigação mantê-la em segredo, como ampara a própria Constituição Federal.
O Estado não deve atender a anseios de grupos, nem ao clamor popular de ocasião, sem avaliar seus reflexos para a coletividade. E, mais importante, não pode ser fraco diante de segmentos ideológicos organizados que procuram impor seus interesses aos da sociedade. Alguns desses segmentos têm poder político e influência social para promover, controlar, dificultar a ascensão ou derrubar lideranças, subjugando ou atraindo o apoio de expressiva parcela da liderança política. O Legislativo é o único representante legítimo do conjunto da sociedade brasileira e não pode deixá-la à mercê desses grupos sectários. Quanto ao PL, o Senado está com a palavra.
A liderança nacional precisa amadurecer e entender que brincar de governar, legislar e julgar pode ter um alto custo para seu povo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário