Sabatinada para
o Superior Tribunal de Justiça, na condição de primeira mulher a ascender à
cúpula da magistratura, a então desembargadora da justiça baiana, Eliana Calmon,
foi indagada se teria padrinhos políticos. "Se não tivesse não estaria aqui".
Quiseram saber quem eram seus padrinhos. A futura ministra do STJ respondeu na
lata: "Edison Lobão, Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães".
Corria o ano de
1999. Os senadores eram os pilares da aliança que havia reeleito o governo
Fernando Henrique Cardoso. A futura ministra contou ao repórter Rodrigo Haidar
as reações: "Meu irmão disse que pulou da cadeira e nem teve coragem de assistir
ao restante da sabatina. Houve quem dissesse que passei um atestado de
imbecilidade".
Estava ali a
sina da ministra que, doze anos depois, enfrentaria o corporativismo da
magistratura. "Naquele momento, declarei totalmente minha independência. Eles
não poderiam me pedir nada porque eu não poderia atuar em nenhum processo nos
quais eles estivessem. Então, paguei a dívida e assumi o cargo sem pecado
original."
De lá pra cá,
Eliana Calmon tem sido de uma franqueza desconcertante sobre os males do Brasil.
Muita toga, pouca justiça são.
Num tempo em
que muito se fala da judicialização da política, Eliana não perde tempo em
discutir a politização do judiciário. É claro que a justiça é política. A
questão, levantada pela ministra em seu discurso de posse no CNJ, é saber se
está a serviço da cidadania.
A "rebelde que
fala", como se denominou numa entrevista, chegou à conclusão de que a melhor
maneira de evitar o loteamento de sua toga seria colocando a boca no
trombone.
Aos 65 anos, 32
de magistratura, Eliana Calmon já falou sobre quase tudo.
- Filhos de
ministros que advogam nos tribunais superiores: "Dizem que têm trânsito na Corte
e exibem isso a seus clientes. Não há lei que resolva isso. É falta de caráter"
(Veja, 28/09/2010).
- Corrupção na
magistratura: "Começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar um
juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz
e lhe pede uma liminar, um habeas-corpus ou uma sentença. Os que se sujeitam são
candidatos naturais a futuras promoções". (Idem)
- Morosidade:
"Um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade e
eficiência é campo fértil à corrupção. Começa-se a vender facilidades em função
das dificuldades. E quem não tem um amigo para fazer um bilhetinho para um
juiz?" (O Estado de S. Paulo, 30/09/2010).
Era, portanto,
previsível que não enfrentasse calada a reação do Supremo Tribunal Federal à sua
dedicação em tempo integral a desencavar o rabo preso da
magistratura.
Primeiro
mostrou que não devia satisfações aos padrinhos. Recrutou no primeiro escalão da
política maranhense alguns dos 40 indiciados da Operação Navalha; determinou o
afastamento de um desembargador paraense; e fechou um instituto que, por mais de
20 anos, administrou as finanças da justiça baiana.
No embate mais
recente, a ministra foi acusada pelo presidente da Corte, Cezar Peluso, de
desacreditar a justiça por ter dito à Associação Paulista de Jornais que havia
bandidos escondidos atrás da toga. Na réplica, Eliana Calmon disse que, na
verdade, tentava proteger a instituição de uma minoria de bandidos.
Ao postergar o
julgamento da ação dos magistrados contra o CNJ, o Supremo pareceu ter-se dado
conta de que a ministra, por mais encurralada que esteja por seus pares, não é
minoritária na opinião pública.
A última edição
da pesquisa nacional que a Fundação Getúlio Vargas divulga periodicamente sobre
a confiança na Justiça tira a ministra do isolamento a que Peluso tentou
confiná-la com a nota, assinada por 12 dos 15 integrantes do CNJ, que condenou
suas declarações.
Na lista das
instituições em que a população diz, espontaneamente, mais confiar, o Judiciário
está em penúltimo lugar (ver tabela abaixo). Entre aqueles que já usaram a
Justiça a confiança é ainda menor.
A mesma
pesquisa indica que os entrevistados duvidam da honestidade do Judiciário (64%),
o consideram parcial (59%) e incompetente (53%).
O que mais
surpreende no índice de confiança da FGV é que o Judiciário tenha ficado abaixo
do Congresso, cujo descrédito tem tido a decisiva participação da Corte Suprema
- tanto por assumir a função de legislar temas em que julga haver omissão
parlamentar, quanto no julgamento de ações de condenação moral do Congresso,
como a Lei da Ficha Limpa.
A base
governista está tão desconectada do que importa que foi preciso um senador de
partido de fogo morto, Demóstenes Torres (DEM-TO), para propor uma Emenda
Constitucional que regulamenta os poderes do CNJ e o coloca a salvo do
corporativismo dos togados de plantão. "Só deputado e senador têm que ter ficha
limpa?", indagou o senador.
Ao contrário do
Judiciário, os ficha suja do Congresso precisam renovar seus salvo-conduto junto
ao eleitorado a cada quatro anos.
O embate
Peluso-Calmon reedita no Judiciário o embate que tem marcado a modernização das
instituições. Peluso tenta proteger as corregedorias regionais do poder do
CNJ.
Nem sempre o
que é federal é mais moderno. O voto, universal e em todas as instâncias, está
aí para contrabalancear. Mas no Judiciário, o contrapeso é o corporativismo. E
em nada ajuda ao equilíbrio. Em seis anos de existência, o CNJ já puniu 49
magistrados. A gestão Eliana Calmon acelerou os processos. Vinte casos aguardam
julgamento este mês.
Aliomar
Baleeiro, jurista baiano que a ministra gosta de citar, dizia que a Justiça não
tem jeito porque "lobo não come lobo". A loba que apareceu no pedaço viu que
dificilmente daria conta da matilha sozinha, aí decidiu uivar alto.
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