A
surpreendente iniciativa censória do governo federal que atingiu uma peça
publicitária encenada pela modelo Gisele Bündchen nos desperta para a reflexão a
respeito da androginia ideológica que vai se impondo à sociedade brasileira.
Além de controversa, ela é absolutamente desnecessária para combater injustiças,
abusos, estupros, agressões, assédios e assassinatos cometidos contra mulheres
exatamente por que elas são mulheres.
O grande
problema no trato da questão é o risco cada vez maior de ser taxado de sexista
quem enxergue a mulher segundo as suas diferenças em relação ao homem. A
garimpagem multiculturalista fez da mulher o filão mais rico da ideologia da
discriminação, tornando difícil, senão impossível, tratar os homens e as
mulheres segundo o que eles são – iguais perante suas diferenças.
Na
verdade, um dos aspectos mais distintivos das sociedades segundo o seu grau de
evolução foi (e ainda é) o tratamento dispensado ao sexo feminino. Nenhuma
espécie foi tão condicionada pelas suas fêmeas como a humana, desde suas
origens, quando variações biológicas tornaram mais difíceis os partos e as
impediram de seguir o bando, alterando irreversivelmente as práticas grupais de
caça, abrigo, proteção e alimentação.
Se tudo
o mais não mostrasse a impossibilidade de suprimir diferenças entre os gêneros
da espécie humana nos salva o entendimento de sexismo como “atitude
discriminatória em relação ao sexo oposto” (AURÉLIO), algo que se torna
realidade precisamente quando se nivelam homens e mulheres em todas as
expressões e formas de vida em sociedade, negando-se mesmo as mais elementares
proteções à mulher, duramente conquistadas, mas ainda insuficientemente
reconhecidas.
Pode
parecer surpreendente, mas a civilização a que pertencemos tem a seu crédito a
valorização da mulher, não somente mediante o casamento instituído no século XII
– quando passaram a se igualar o homem e a mulher –, mas também no deslocamento
do senso estético do ideal masculino na Antiguidade para o feminino na Idade
Média, como apontado por LE GOFF. Com isso, o ancestral ideal grego de
excelência - a Arete - imposto à mulher na beleza, universalizaria o belo
enquanto feminino, abstraindo-o do desejo e da necessidade, algo mais tarde
codificado na estética iluminista.
Não é a
beleza feminina como instrumento da sensualidade que cria a mulher-objeto, mas
sim a sua transformação em meio apartado de um fim - o ideal de toda mulher
independentemente de seus atributos físicos. Privá-la de seus atributos de
beleza e sensualidade no recesso de sua vida marital é constrangê-la à própria
negação, independentemente das formas de relação por que vier a optar.
É
espantoso até onde pode ir o maniqueísmo da dominação que já contaminou tantas
relações em sociedade. Querem destruir o primeiro e maior de todos os
arquétipos: Eva.
Por
decreto.
*Sérgio
Paulo Muniz Costa é historiador e membro do CPE da
UFJF.
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