Lula, como Brizola,
é um grande comunicador. Mas, como Brizola também, é um grande populista.
A característica
fundamental desse tipo de líder é, como escreve o professor Pierre-André
Taguieff (A Ilusão Populista - Ensaio sobre as Demagogias da era Democrática,
Paris, Flammarion, 2002), que se trata de um demagogo cínico. Demagogo - no
sentido aristotélico do termo - porque chefia uma versão de democracia
deformada, aquela em que as massas seguem o líder em razão de seu carisma, em
que pese o fato de essa liderança conduzir o povo à sua destruição. O cinismo do
líder populista já fica por conta da duplicidade que ele vive, entre uma
promessa de esperança (e como Lula sabe fazer isso: "Os jovens devem ter
esperança porque são o futuro da Nação", "o pré-sal é a salvação do brasileiro",
e por aí vai), de um lado, e, de outro, a nua e crua realidade que ele ajudou a
construir, ou melhor, a desconstruir, com a falência das instituições que
garantiriam a esse povo chegar lá, à utopia
prometida...
Lula acelerou o
processo de desconstrução das instituições que balizam o Estado brasileiro.
Desconstruiu acintosamente a representação, mediante a deslavada compra
sistemática de votos, alegando ulteriormente que se tratava de mais uma prática
de "caixa 2" exercida por todos os partidos (seguindo, nessa alegação, "parecer"
do jurista Márcio Thomas Bastos) e proclamando, em alto e bom som, que o
"mensalão nunca existiu". Sob a sua influência, acelerou-se o processo de
subserviência do Judiciário aos ditames do Executivo (fator que nos ciclos
autoritários da História republicana se acirrou, mas que sob o PT voltou a ter
uma periclitante revivescência, haja vista a dificuldade que a Suprema Corte
brasileira tem para julgar os responsáveis pelo mensalão ou a censura odiosa que
pesa sobre importante jornal há mais de dois anos, para salvar um membro de
conhecido clã favorável ao ex-mandatário petista).
Lula desconstruiu,
de forma sistemática, a tradição de seriedade da diplomacia brasileira,
aliando-se a tudo quanto é ditador e patife pelo mundo afora, com a finalidade
de mostrar novidades nessa empreitada, brandindo a consigna de um "Brasil
grande" que é independente dos odiados norte-americanos, mas, certamente, está
nos causando mais prejuízos do que benefícios no complicado xadrez global: o
País não conseguiu emplacar, com essa maluca diplomacia de palanque, nem a
direção da Unesco, nem a presidência da Organização Mundial do Comércio (OMC),
nem a entrada permanente do Brasil no Conselho de Segurança da
ONU.
Lula, com a
desfaçatez em que é mestre, conseguiu derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal,
abrindo as torneiras do Orçamento da União para municípios governados por
aliados que não fizeram o dever de casa, fenômeno que se repete no governo
Dilma. De outro lado, isentou da vigilância dos órgãos competentes (Tribunal de
Contas da União, notadamente) as organizações sindicais, que passaram a
chafurdar nas águas do Orçamento sem fiscalização de ninguém. Esse mesmo
"liberou geral" valeu também para os ditos "movimentos sociais" (MST e
quejandos), que receberam luz verde para continuar pleiteando de forma
truculenta mais recursos da Nação para suas finalidades políticas de clã. Os
desmandos do seu governo foram, para o ex-líder sindical, invenções da imprensa
marrom a serviço dos poderosos.
A política social
do programa Bolsa-Família converteu-se numa faca de dois gumes, que, se bem
distribuiu renda entre os mais pobres, levou à dependência do favor estatal
milhões de brasileiros, que largaram os seus empregos para ganhar os benefícios
concedidos sem contrapartida nem fiscalização. Enquanto ocorria isso, o Fisco,
sob o consulado lulista, tornou-se mais rigoroso com os produtores de riqueza,
os empresários. "Nunca antes na História deste país" se tributou tanto como sob
os mandatos petistas, impedindo, assim, que a livre-iniciativa fizesse crescer o
mercado de trabalho em bases firmes, não
inflacionárias.
Isso sem falar nas
trapalhadas educacionais, com universidades abertas do norte ao sul do País, sem
provisão de mestres e sem contar com os recursos suficientes para funcionarem.
Nem lembrar as inépcias do Inep, que frustraram milhões de jovens em concursos
vestibulares que não funcionaram a contento. Nem trazer à tona as desgraças da
saúde, com uma administração estupidamente centralizada em Brasília, que ignora
o que se passa nos municípios onde os cidadãos morrem na fila do
SUS.
Diante de tudo
isso, e levando em consideração que o Brasil cresceu na última década menos que
seus vizinhos latino-americanos, o título de doutor honoris causa concedido a
Lula, recentemente, pela prestigiosa casa de estudos Sciences Po, em Paris, é ou
uma boa piada ou fruto de tremenda ignorância do que se passa no nosso país. Os
doutores franceses deveriam olhar para a nossa inflação crescente, para a
corrupção desenfreada, fruto da era lulista, para o desmonte das instituições
republicanas promovido pelo líder carismático e para as nuvens que, ameaçadoras,
se desenham no horizonte de um agravamento da crise financeira mundial, que
certamente nos encontrará com menos recursos do que outrora. Ao que tudo indica,
os docentes da Sciences Po ficaram encantados com essa flor de "la pensée
sauvage", o filho de dona Lindu que conseguiu fazer tamanho estrago sem perder a
pose. Sempre o mito do "bon sauvage" a encantar os
franceses!
O líder prestigiado
pelo centro de estudos falou, no final do seu discurso, uma verdade: a homenagem
ele entendia ter sido feita ao povo brasileiro - que paga agora, com acréscimos,
a conta da festança demagógica de Lula e enfrenta com minguada esperança a luta
de cada dia.
* Ricardo Vélez Rodrígues,
coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz
de Fora; e-mail: rive2011@gmail.com - O Estado de S.Paulo
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