São Paulo, 03 de Setembro de 2015
Opinião
São Paulo, 02 de Setembro de 2015 às 21:12
por
Sérgio Paulo Muniz Costa
A peça da proposta de orçamento
enviado pelo Governo ao Congresso deve ser entendida literalmente
como tal. Trata-se realmente de uma boa peça pregada à sociedade
No vale tudo da política apela-se
a todo tipo de metáforas, depois das futebolísticas, agora as
musicais, aproveitando-se os estilos muito próprios
brasileiros. Mas, o que realmente se ouve e dança na Praça dos
Três Poderes é um minueto, com os protagonistas da cena política
dando aqueles pequenos passos ensaiados de uma coreografia de
salão.
É nessa métrica barroca, em que
os factoides funcionam como batidas num compasso, que a cena
política mostra pares cada vez mais inusitados na dança do absurdo
no País.
É indigno do Brasil dar o seu nome
a uma agenda de medidas requentadas e inócuas que não estão
absolutamente à altura da gravidade do momento vivido pela Nação,
onde convergem Estado, governo e sociedade. É a sociedade que
contrata o Estado e é a sociedade que escolhe o governo, para que
ambos sirvam à Nação na qual ela se constitui.
A sociedade é definitivamente
sujeito, não predicado, como ela vem repetindo em sucessivas
e expressivas manifestações populares desde o início deste
ano. Tal qual tamborins, fora da orquestra desafinada do Planalto,
batem as panelas lembrando à classe política que ela serve e não
se serve da sociedade.
Por outro lado, o Brasil tem que
deixar de ser visto - acima de tudo por seus intelectuais a quem
cabe explica-lo - como uma sucessão de erros e de fracassos. Há,
por certo, lições não aprendidas das continuidades de nossa
História, mas delas se extraem alguns consensos que devem ser
preservados, como a identidade, a tolerância, o sincretismo e
a natural felicidade do brasileiro, nesta última a que se
resumiu a explicação que ouvi de um norte-americano especializado
em Brasil a outro que queria nos entender.
Mas deixando de lado critérios
subjetivos, por outros bem objetivos, particularmente no médio e
longo prazos, o Brasil é um dos maiores e mais importantes países
do mundo, e isso simplesmente não pôde acontecer de insucessos sem
fim, como, por vezes, pretende-se resumir nossa História.
O que nos exaspera, particularmente
nas crises, advém daquela famosa frase de Keynes: no longo prazo
estaremos todos mortos, o que leva nossas consciências a nos
acicatarem a fazer o que devemos, e agora. Aos mais velhos
cabe, além de fazer, lembrar, transmitindo aos mais jovens a sua
memória geracional, aquela que registra os detalhes e
filigranas de testemunhos e perspectivas que não se encontrarão em
livro algum.
Num período de aproximadamente
cinquenta anos, o Brasil evoluiu muito. Do presidente bossa nova que
construiu uma capital sem orçamento e do presidente síndico de uma
massa falida, do carisma sem responsabilidade e da
responsabilidade sem carisma, o País chegou até o consenso no
final do século XX em torno da responsabilidade com
democracia. O delicado equilíbrio que custou caro atingir é
exatamente o que está em jogo nesta crise, cuja culpa recai
precisamente num carisma que não tem a mínima responsabilidade
para com a Nação.
A peça da proposta de orçamento
enviado pelo Governo ao Congresso deve ser entendida literalmente
como tal. Trata-se realmente de uma boa peça pregada à sociedade,
na medida do que representa esse logro para a moralidade,
legalidade e legitimidade no País.
Ao longo do pitoresco minueto
político dançado em Brasília, ao qual não faltaram passos e
notas ridículas, como as alusões à CPMF, pela primeira vez
na brevíssima história da responsabilidade fiscal do Brasil,
propôs-se oficialmente um orçamento federal no qual a despesa
supera a receita.
Porém, engana-se quem vê nesse
rodopio um cândido lavar de mãos. Trata-se, na verdade, de uma
escalada temerária da luta política por recursos em todos os
poderes e níveis da federação. Mais um gesto ilegítimo de um
governo ilegítimo.
Numa das suas mais importantes
obras, A Política no Interior da Nações (1974), Joseph
La Palombara, talvez o último grande pensador político dos
nossos tempos, definiu com clareza como a “legitimidade da
autoridade deve ser distinguida de sua legalidade”, e apontou algo
que a maioria dos brasileiros estão assistindo com crescente
inquietação.
“No caso em que as políticas
determinadas por certas instituições ou governos forem
consideradas ilegítimas, a situação não tende a ser muito grave,
pois a maioria das políticas pode ser prontamente modificada. Isso
também é o caso das pessoas que ocupam cargos políticos, embora
seja normalmente muito menos difícil derrubar políticas do
que derrubar governadores. Quando as dúvidas quanto à legitimidade
dirigem-se às próprias instituições políticas/governamentais,
entretanto, o problema é realmente muito grave”.
Pouca gente duvida que o governo
Dilma é ilegítimo. O seu desregramento e a sua comprovada
falta de limites, de competência e de respeito por si próprio
e pela sociedade chegaram a nada menos do que três altas cortes do
País: o STF, o TSE e o TCU, algo indiscutivelmente grave.
Mas o que “é realmente muito
grave”, recorrendo-se novamente a La Palombara, é a dúvida que
vai crescendo em relação à capacidade das instituições fazerem
o que devem fazer diante do que é visto e sabido pela
sociedade.
É mais do que tempo do Brasil
dançar outra música, dissonantemente democrática. Talvez seja
tempo de uma nova bossa nova.
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