Arnaldo Jabor
É necessário alertar a população pensante para essa mediocridade ideológica anacrônica e fácil para cooptar jovens sem cultura política
Retiraram o corpo de João Goulart da sepultura para examiná-lo. Coisa
deprimente, os legistas examinando ossos de 40 anos atrás para saber se
foi envenenado. Mas, havia também algo de um ritual de ressurreição
encenada. Jango voltava para a turma que está no poder e que se
considera vítima de 1964 até hoje. Só pensam no passado que os
“legitima” com nostalgia masoquista de torturas, heranças malditas,
ossadas do Araguaia, em vez de fazerem reformas no Estado paralítico e
patrimonialista.
Querem continuar a “luta perdida” daqueles tempos
ilusórios. Eu estava lá e vi o absurdo que foi aquela tentativa de
“revolução” sem a mais escassa condição objetiva. Acuaram o trêmulo
Jango, pois até para subversão precisavam do Governo. Agora, nossos
governantes continuam com as mesmas ideias de 50 anos atrás. Ou mais
longe. Desde a vitória bolchevique de 1921, os termos, as ilusões são as
mesmas. Aplica-se a eles a frase de Talleyrand sobre a volta dos
Bourbons ao poder: “Não aprenderam nada e não esqueceram nada”.
É
espantosa a repetição dos erros já cometidos, sob a falácia do grande
“teólogo” da História, Hegel, de que as derrotas não passam de
“contradições negativas” que levam a novas teses. Esse pensamento
justificou e justifica fracassos e massacres por um ideal racional. No
PT e em aliados como o PC do B há um clima de janguismo ou mesmo de
“brizolismo”, preferência clara da Dilma.
Brizola sempre foi uma das mais virulentas e tacanhas vozes contrárias ao processo de desestatização.
Mas,
além dessas mímicas brasileiras do bolchevismo, os erros que querem
repetir os comunistas já praticavam na época do leninismo e stalinismo: a
mesma postura, o mesmo jargão de palavras, de atitudes, de crimes
justificados por mentiras ideológicas e estratégias burras.
Parafraseando Marx, um espectro ronda o Brasil: a mediocridade
ideológica.
É um perigo grave que pode criar situações
irreversíveis a médio prazo, levando o país a uma recessão barra pesada
em 2014/15. É necessário alertar a população pensante para esse “perigo
vermelho” anacrônico e fácil para cooptar jovens sem cultura política.
Pode jogar o Brasil numa inextrincável catástrofe econômica sem volta.
Um
belo exemplo disso foi a recusa do Partido Comunista Alemão a apoiar os
socialdemocratas nas eleições contra os nazistas, pois desde1924 Stalin
já dizia que os “socialdemocratas eram irmãos gêmeos do fascismo”. Para
eles, o “PSDB” da Alemanha era mais perigoso que o nazismo. Hitler
ganhou e o resto sabemos.
Nesta semana li o livro clássico de
William Waack “Camaradas”, sobre o que veio antes e depois da intentona
comunista de 1935 (livro atualíssimo que devia ser reeditado), e nele
fica claro que há a persistência ideológica, linguística, dogmática e
paranoica no pensamento bolchevista aqui no Brasil. A visão de mundo que
se entrevê na terminologia deles continua igual no linguajar e nas
ações sabotadoras dos aloprados ao mensalão — o fanatismo de uma
certeza. Para chegar a esse fim ideal, tudo é permitido, como disse
Trotsky: “a única virtude moral que temos de ter é a luta pelo
comunismo”. Em 4 de junho de 1918, declarou publicamente: “Devemos dar
um fim, de uma vez por todas, à fábula acerca do caráter sagrado da vida
humana”. Deu no massacre de Kronstadt, em 21.
No Brasil, a
palavra “esquerda” continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma
“substância” que ninguém mais sabe qual é, mas que “fortalece”, enobrece
qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até
justifica massacres. Temos de usar “progressistas e conservadores”.
Temos
de parar de pensar do Geral para o Particular, de Universais para
Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis.
Temos de encerrar reflexões dedutivas e apostar no indutivo. O discurso
épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até
pessimista. O pensamento da velha “esquerda” tem de dar lugar a uma
reflexão mais testada, mais sociológica, mais cotidiana. Weber em vez de
Marx, Sérgio Buarque de Holanda em vez de Caio Prado, Tocqueville em
vez de Gramsci.
Não tem cabimento ler Marx durante 40 anos e
aplicá-lo como um emplastro salvador sobre nossa realidade
patrimonialista e oligárquica.
De cara, temos de assumir o
fracasso do socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma
de fé religiosa? A palavra “socialismo” nos amarra a um “fim”
obrigatório, como se tivéssemos que pegar um ônibus até o final da
linha, ignorando atalhos e caminhos novos.
A verdade tem de ser
enfrentada: infelizmente ou não, inexiste no mundo atual alternativa ao
capitalismo. Isso é o óbvio. Digo e repito: uma “nova esquerda” tem de
acabar com a fé e a esperança — trabalhar no mundo do não sentido,
procurar caminhos, sem saber para onde vai.
No Brasil, temos de
esquecer categorias ideológicas clássicas e alistar Freud na análise das
militâncias. Levar em conta a falibilidade do humano, a mediocridade
que se escondia debaixo dos bigodudos “defensores do povo” que tomaram
os 100 mil cargos no Estado.
Além de “aventureirismo”, “vacilações
pequeno burguesas”, “obreirismo”, “sectarismo”, “democracia burguesa,”
“fins justificando meios”, “luta de classes imutável” e outros
caracteres leninistas temos de utilizar conceitos como narcisismo,
voluntarismo, onipotência, paranoia, burrice, nas análises mentais dos
“militantes imaginários”.
Baudrillard profetizou há 20 anos: “O
comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo
inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento,
mas através do seu modelo de des-funcionamento e da desestruturação
brutal”, (vide o novo eixo do mal da A. Latina).
Sem programa e
incompetentes, os neobolcheviques só sabem avacalhar as instituições
democráticas, com alguns picaretas-sábios deitando “teoria” (Zizek e
outros). Somos vítimas de um desequilíbrio psíquico. Muito mais que “de
esquerda” ou “ex-heróis guerrilheiros” há muito psicopata e paranoico
simplório. Esta crise não é só politica — é psiquiátrica.
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