- Escrito por Sérgio Paulo Muniz Costa
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O tema da canalhice na politica brasileira tem sido bem explorado, o
humorismo à indignação. Mas a molecagem, aquele outro defeito moral que povoa
nosso cotidiano não ocupa o mesmo espaço na crônica política. Em casa, na
vizinhança de rua, sabemos bem o que é a molecagem, coisa de meninos e meninas
que fazem suas artes e saem de fininho, como se nada tivessem com pequenas
malvadezas e prejuízos comuns nos lares com infância.
Sem querer apelar para qualquer síntese simplista, não é absurdo dizer
que, ao longo de nossa educação, é a responsabilização pelas nossas molecagens
que evita que nos transformemos em canalhas. O problema no Brasil de agora é
que a canalhice e a molecagem se tornaram cívicas e, se não estão
institucionalizadas, certamente elas são nítidas no cinismo comum àqueles que
corrompem, prevaricam e desgovernam, conseguindo sempre eximir-se.
Adotando uma clivagem ideológica, esse mal cívico é praticado tanto por
por canalhas de direita como por moleques de esquerda que se comprazem
secretamente desses seus "atributos" em que consumam o poder que
desfrutam.
Em suma, orgulham-se disso, não se sentindo obrigados a qualquer
satisfação. E pior, arrogantes, atribuem qualquer crítica ao moralismo,
pejorativamente, como se fosse possível dar por encerrada a busca entre o certo
e o errado.
O ano de 2014, eleitoral, promete ser pródigo. Ilicitudes, imoralidades e
agressões serão perpetradas, contra o público e o privado, ao abrigo da não
responsabilização, via de regra praticada mediante a transferência ou
transfiguração de sujeitos, causas e objetos. Fatos e acontecimentos serão
descaradamente invertidos, omitidos e distorcidos. E profissionais cuidarão
disso.
Mas essa prática, que se tornou comum no panorama político brasileiro, tem
uma origem não tão distante. Faz vinte anos que, pela primeira vez na História
do Brasil, inauguramos um regime politico sem golpe de Estado. E se isso
aconteceu foi por que muito da convicção liberal que inspira a atual República
fundada em 1985 esteve presente, na situação e oposição, no regime anterior,
assumidamente autoritário, mas inequivocamente reformista.
Nada disso é levado em conta hoje em dia. O termo usado nos comunicados
dos grupos armados radicais dos anos 60 e 70 conquistou hoje o inconsciente da
sociedade. Jamais se escreveu tanto sobre ditadura no País, seja de que regime
fora, entre outros autoritários e o realmente ditatorial que vigorou entre 1937
e 1945.
Basta fazer um levantamento nas edições dos jornais do país desde 1985
para constatar que o uso da expressão registrou um incremento correspondente ao
empoderamento da esquerda revolucionária, exponencial nos últimos dez anos no
Brasil. Político, portanto.
Inventar a ditadura foi a única opção que restou a uma esquerda que não
soube se reinventar. E como se tem visto nas comissões da "verdade" e no
jornalismo chapa branca que as promove, é fácil reinventar continuamente a
ditadura para não perder o poder.
Convém sempre lembrar que as coisas não aconteceram assim nas sociedades
mais desenvolvidas. As transformações sociais nos Estados Unidos e Europa desde
o pós-Segunda Guerra Mundial foram fruto da expansão da educação, conhecimento
e produtividade, e não de qualquer engenharia social.
Foram essas transformações e não a alienação dos grupos terroristas e dos
intelectuais engajados, que vicejaram lá tanto como aqui, que deram rumo às
sociedades. Mesmo antes do colapso do comunismo, a esquerda que contava já se
desmarxizava, colocando-se, programaticamente, no espectro politico.
Não foi o que ocorreu por aqui. Fomos duplamente colonizados, ou melhor,
recolonizados. Primeiramente pela esquerda intelectual parisiense que deitou
raízes no pensamento brasileiro, e depois pela ideologia de gênero e de raça da
Califórnia, um produto tardio da primeira, que encontrou no Brasil o campo
ideal para aplicação de sua arte da desconstrução social e
histórica.
O irônico é que quanto mais nos atrasamos, mais antiamericanos nos
tornamos – e agora, também, anti-europeus.
O principal uso para a invenção da ditadura é político. A vitimização que
começou como chantagem virou coerção, e vem silenciando qualquer linha de
pensamento para o enfrentamento das questões nacionais que não seja a
marxista, ou revolucionária.
Contribui para isso o menosprezo que a elite brasileira demonstra pelo
conhecimento, acostumada a enxergá-lo somente como um subproduto acessório à
sua riqueza e poder. Também a falta de um discurso dos liberais sobre a nação
deixa-os vulneráveis à pecha de não patrióticos, que a esquerda
nacionalisteira soube tão bem lhes impingir.
Falha também quem se opõe ao projeto de poder da esquerda revolucionária
insistindo em apenas rebatê-la, sem colocar ideias próprias e factíveis,
colocando-se assim, de antemão, numa posição de inferioridade.
Nesse sentido, são simplesmente patéticos os protestos de lideranças
setoriais e políticas escandalizadas com os descalabros em curso, mas que não
se empenham em qualquer processo de reflexão e debate sério sobre os rumos do
País, deixando o campo livre para grupos articulados no poder central
promoverem o desgoverno que se assiste.
Não sabemos se prevalecerão os canalhas e moleques, não os miúdos, mas os
graúdos. Isso está além de qualquer previsão ou vontade individual. Entretanto,
para mudar as coisas no Brasil, um bom começo seria reconhecer que eles
existem, têm poder, andam juntos e se reinventam.
Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador
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