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terça-feira, 2 de julho de 2013

Dolo, hediondez e herança maldita

(*) Ucho Haddad

Dilma, na última sexta-feira (21 de junho) acompanhei o seu pronunciamento à nação. Enquanto você vociferava um amontoado de inverdades, pensava no tempo que estava a perder diante da televisão. Ato contínuo, fiquei imaginando a vergonha que é um chefe de Estado ser obrigado a ler um texto do qual discorda. Ao longo de mais de trinta anos de carreira, jamais me deparei com um pronunciamento tão esquizofrênico.
Apesar das nossas divergências político-ideológicas, acreditava ser você uma mulher de pulso. Mas não, você se mostrou uma pessoa fraca e manipulável. Aceitar ler um texto preparado por marqueteiros oportunistas foi demais. Mesmo assim, acreditando que milagres acontecem, preferi aguardar sua resposta às roucas vozes das ruas, as mesmas que você disse ouvir com atenção. Qual não foi minha surpresa quando, na segunda-feira (24 de junho), com o mesmo semblante de contrariedade, você anuncia um pacto que é a continuidade da utopia da sexta.
Ainda procuro uma explicação para tão degradante papel, mas o máximo que posso concluir é que seu governo chegou ao fim e você está fadada a ser uma derrotada política. O seu erro maior foi ter poupado o lobista-fugitivo Lula, que diuturnamente trama nos bastidores para inviabilizar sua reeleição. Para quem foi terrorista com destaque nas páginas da história verde-loura, seu comportamento crédulo é condenável.
Confesso que não sei o que foi pior. O pronunciamento mentiroso da última sexta-feira ou a solução sorrateira da segunda. O seu semblante diante das câmeras, na sexta e na segunda, era de desespero. Você sabe que errou feio e que o futuro será pouco sombrio. Caiu em desgraça junto à opinião pública. Fosse pouco, você aceitou propostas absurdas que lhe foram entregues como as últimas chaves do paraíso.
Lembra-se, Dilma, quando você ainda engrossava as fileiras do PDT, morava em Porto Alegre e nos saraus políticos, na sua casa, referia-se aos petistas como essa gente? Pois bem, Dilma, se alguma vez na vida você acertou em cheio, foi classificando daquela forma os seus companheiros de agora. É exatamente essa gente que trama o seu despejo do Palácio do Planalto. Mesmo assim, você aceita as imposições dessa gente.
Que o poder vez por outra exige uma mentira aqui e acolá todos sabem, mas você, Dilma, ultrapassou as fronteiras do bom senso. Mentir faz parte da liturgia do cargo que ocupa, mas transformar um pronunciamento em ode à mitomania é um descalabro. A desfaçatez foi tão acintosa, que um desavisado que despencou no Brasil naquele momento acreditou que você acabara de assumir o poder e lá estava prometendo mudanças aos brasileiros. Dilma, o seu partido, o bandoleiro PT, está no poder há mais de uma década. Nesse período, os magnânimos petistas dedicaram-se às lambanças e colocaram tudo a perder, mas agora, cambaleando na crise política, você quer dividir o ônus com governadores e prefeitos. Isso é querer agarrar-se a um galho durante queda-livre no precipício.
Entre a dureza da verdade e a decepção da mentira, a primeira opção será sempre a melhor. A única e derradeira possibilidade de você entrar para a história, depois dos pífios espetáculos que protagonizou, Dilma, é revelar a verdade aos brasileiros. Explique ao povo a extensão da herança maldita que recebeu. Rompa de uma vez com essa obediência obtusa e vexatória, mandando Lula e seus apaniguados à vala da verdade. O Brasil não pode mais conviver com essa farsa criminosa que domina a cena há mais de uma década. O povo cansou, mas você pode resgatá-lo do inconformismo. Basta ter a mesma coragem que a levou a enfrentar a ditadura militar. O que não significa que cá estou a concordar com os métodos que você usou no enfrentamento.
Longe de ser uma estreante na vida pública, você sabe que qualquer das medidas anunciadas surtirá algum efeito dentro de cinco anos ou mais. Na saúde, por exemplo, o setor enfrenta sérios problemas de infraestrutura. De nada adiantará ações pirotécnicas em searas que não suportam foguetório. O mesmo pode-se dizer da educação, que continua no desvio à espera dos royalties do petróleo. Dilma, essa proposta é tão absurda, que por vezes penso que vocês estão de brincadeira. Os vinténs do pré-sal hão de surgir daqui a dez anos. Depois de investidos esses tostões das profundezas oceânicas, a educação pública só apresentará resultado efetivo depois de uma década. Ou seja, você e o PT querem impor ao Brasil um atraso de pelo menos cinquenta anos. Sei que os palacianos estão com a vida ganha e com o futuro de algumas gerações garantido, mas é preciso pensar na sociedade como um todo.
No pacto anunciado na segunda-feira, você sugeriu transformar atos de corrupção dolosa em crime hediondo. Primeiro você precisa explicar aos especialistas o significado do neologismo corrupção dolosa. Dilma, você por certo não foi à escola no dia em que o professor de Língua Portuguesa explicou o significado da palavra dolo. Agir com dolo é quando há a intenção de atingir um fim específico. Em outras palavras, a corrupção é essencialmente dolosa. Jamais poderia ser culposa, pois o corrupto e o corruptor não cometem o crime sem intenção definida e premeditação. Partindo do pressuposto que sua teoria é válida em termos jurídicos, os mensaleiros, sem exceção, já deveriam estar contemplando o nascer do astro-rei de forma geometricamente distinta. É isso, Dilma, ou estou enganado? Ou essa tese só vale a partir de agora, depois que a canalha governista se lambuzou na cornucópia da corrupção?
Caso insista nesta proposta marcada pela ousadia burra e rascunhada às pressas sobre as pernas de algum estafeta, o trabalho será árduo e você corre o risco de acabar sozinha na Esplanada dos Ministérios. Afinal, o seu governo não é composto por patriotas inveterados, mas por negociantes inescrupulosos adeptos do banditismo político. Preocupado em poupá-la de aperreios legais, sugiro que contrate urgentemente uma empreiteira para erguer alto e intimidador muro no entorno da Esplanada dos Ministérios, transformando o quadrilátero planaltino em prisão de corruptos profissionais. Custará muito menos do que construir cadeias para receber esses saltimbancos que fazem da política o moto contínuo do crime. Dilma, aceite a minha sugestão, pois do contrário faltará gente para passar a tranca na cadeia.
No que tange à hediondez, você não deve saber o real significado da palavra, que vez por outra desponta no horizonte do juridiquês. Dilma, para que você compreenda o estrito significado da palavra hediondo, apelo a exemplo que é do seu conhecimento. Hediondo, Dilma, foi o governo de Luiz Inácio da Silva, que agiu de maneira torpe ao endossar o escândalo do Mensalão. Lula foi covarde e cruel, com a sua conivência, quando empurrou dezenas de milhões de brasileiros ao consumismo. Caso insista em transformar corrupção em crime hediondo, sugiro que mude a sede do governo para o presídio da Papuda, pois muitos dos seus ministros, assessores e colaboradores lá estarão fantasiados de Irmãos Metralha.
Voltando ao pronunciamento de sexta-feira… Não faz muito tempo, Dilma, você disse que prefere ouvir o ruído da democracia ao silêncio da tirania. Quem acreditou nessa sua declaração pouco confiável decepcionou-se durante o pronunciamento, pois você afirmou que a continuar a onda de protestos os brasileiros teriam muito a perder. Se não for um golpe para a instalação do projeto totalitarista de poder do seu partido, os brasileiros nada têm a perder, pois tudo que de razoável existia vocês, petistas, destruíram em rápidos dez anos. Traduzindo para o velho idioma dessa louca Terra de Macunaíma, você ameaçou os brasileiros com medidas mais duras em termos de liberdade. Assunto que sequer encontrou espaço no vergonhoso pacote de soluções. Só falta você ressuscitar o velho e enfadonho slogan da ditadura militar Brasil: Ame ou Deixe-o.
Saiba, Dilma, que por convicção lutarei até o fim contra qualquer medida autoritária que você eventualmente adote. Sem nada mais a perder, meu compromisso é e sempre foi com o Brasil e os brasileiros, que muitas vezes se sentem acuados diante da sua arrogância e do rococó do cargo que ocupa. Você nasceu como nasce um brasileiro qualquer e está presidente por um acidente de percurso da história. Você, Dilma, foi eleita para o mais importante cargo do País na esteira da mentira, que agora se transformou no seu algoz.
Você tornou-se marionete de um golpe, eu defendo a democracia. Você se agarra cada vez mais à mentira, eu hei de enfrentá-la com a verdade e a coerência. Prepare-se, pois o embate será duro!

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.

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