A passeata é contra você, sabia?
O
brasileiro se levantou contra toda essa corrupção e violência. Um senso de
indignação generalizado, de já ter tolerado demais, apanhado
demais.
Mas se você foi à
manifestação e usa carteirinha de estudante para ter meia-entrada, mas não é
estudante, você é parte do problema. Você não tem moral para reclamar da
corrupção deste país. O nome disso é hipocrisia.
(Reclame mesmo assim,
por favor, porque são dois problemas diferentes.)
Se você joga bituca de
cigarro no chão, você trata a cidade como o seu lixo particular. Mas a cidade é
de todo mundo. As ruas estão nojentas e a culpa é sua.
A manifestação é
contra você.
Ah, você é ciclista,
todo orgulhoso de ser sustentável, um carro a menos, menos trânsito e CO2. Você
reclama da opressão do carro, mais forte, contra a bicicleta, o mais fraco. Mas
você não para no sinal. Não respeita a faixa de pedestres. Você até anda na
calçada, tornando-se o opressor do pedestre.
Não se iluda: a
manifestação é contra você.
Você leva o cachorro
para passear e não recolhe o cocô. Ninguém admite, mas o resultado está aí:
nossas calçadas são um mar de merda. Calçada não é a privada do seu
totó.
A manifestação é
contra você.
Você joga papel no
chão, e não faltam desculpas para não fazer o que é certo. Essa merda de
prefeitura que não instala lixeiras, né? Ou, saída de estádio, você toma uma
cerveja e joga a lata por aí. Ah, todo mundo estava jogando. Depois vem o cara
limpar.
A
responsabilidade não é do estado. É sua.
E você, manifestante,
não pode se esquivar a ela nos outros 364 dias da sua vida.
A manifestação é
contra você.
Você não cumprimenta o
porteiro. Você exagera horrivelmente no perfume e invade o nariz do outro.
Você dirige bêbado. Você põe um escapamento super barulhento na sua moto,
que dá para ouvir a quarteirões de distância, incomoda todo mundo e compra um
capacete que ajuda a isolar o som. Você obriga todo mundo do ônibus a ouvir a
sua música. Você suborna o guarda ou qualquer outro serviço público. Ou ainda,
você escreve textos como este, apontando o dedo contra delitos que já cometeu ou
ainda comete, achando que dedo em riste exime você da
responsabilidade.
Você é parte da
violência. Você é parte da corrupção.
Se
você não mudar, o país não vai mudar. Mas não adianta todo mundo apenas demandar que “o
poder” conserte as
coisas.
Quer
mudar o país? Não esqueça de mudar a si mesmo, e pagar o preço da mudança, como
um adulto.
Então, vai pra rua,
que estava na hora. Mas não esquece: a manifestação é contra
você.
*Inspirado em um texto
lindo e
corajoso da Duda
Buarque.
Imagem: Fabio Mota
(Estadão).
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