- Escrito por Paulo Sérgio P. Muniz Costa
A história necessita ser aprendida e
periodicamente reaprendida, diz Tony Judt na conclusão do seu magnífico livro
Pós-Guerra: História da Europa desde 1945 (Editora Objetiva).
De alcance permanente, essas palavras podem ser
úteis à compreensão da importância da concessão do Prêmio
Nobel da Paz à União Europeia, ela própria, segundo Judt, "uma resposta à
história". Como sói ocorrer aos grandes acontecimento, essa
"resposta" ultrapassou as intenções dos atores, mesmo os grandes da cena
mundial.
Uma consciência coletiva, marcada pela difusa
necessidade de esquecimento, contrarrestada pela aguda lembrança do Holocausto,
funcionou, ao longo de cinquenta anos, como pano de fundo para a concertação que
culminou no Tratado de Maastrich que, em 1993, criou a União Européia.
Como ideal, pode ter sido a materialização da
conclusão de Raymond Aron sobre o trabalho
do historiador alemão Heinrich von Treitschke, apresentado cem anos antes, em
1895, na Universidade de Berlim: "Nenhum povo pode realizar, sozinho, todo
conteúdo da cultura humana". Mais difícil é entendê-la como fim – a compreensão
sincrética daquilo para que Norberto Bobbio chamou a atenção: o desvendamento do
"mistério" ou do "problema" do Mal, o ativo (a maldade), e o passivo ( o
sofrimento).
Sim, por que a compreensão está além do
conhecimento. Este, histórico ou não, pode nos ensinar sobre os séculos de
guerras e o passado não muito distante de autoritarismo, totalitarismo,
disfuncionalidade, desconfiança e ambição na Europa.
Há uma geração, eram poucas as famílias europeias
que não tinham uma estória de perda de parente próximo em guerra, uma dor
coletiva que o esquecimento teve que sublimar. Já quem reconheceu um
sobrevivente de campos de concentração alemães pela tatuagem no braço sabia
estar diante de algo que, tal como aquela tinta na carne
humana, era impossível de suprimir.
A cultura europeia, só tornada acessível e
visível em seu todo com a instituição da União Europeia, não maravilha apenas
os visitantes de todo mundo: ela faz história. Quanto mais a União Europeia
avançou, mais se inauguraram museus e memoriais, bem como contrições públicas
pelo desastre do Holocausto.
Foi como se o reconhecimento de um grande
mal comum dependesse da evanescência moral das fronteiras nacionais para
acontecer. Para os não europeus, a compreensão desse complexo processo pode se
dar por meio da visita a lugares da Europa onde ocorreram, ou estiveram para
acontecer, enormes tragédias históricas.
Um deles é Verdun, na França, sítio do Forte
Douaumont – epicentro da carnificina que vitimou 700.000 alemães e franceses
entre fevereiro e outubro de 1916, na Primeira Guerra Mundial –, cujas cúpulas
de aço são hoje visitadas por estudantes falando indistintamente francês e
alemão. Outro é Fulda, na Alemanha, local marcado para uma das maiores batalhas
de Terceira Guerra Mundial, o cenário da confrontação, talvez nuclear, que
deveria deter a vanguarda blindada soviética arremessada da fronteira entre as
Alemanhas na direção de Frankfurt.
Entre uma batalha travada e uma evitada, ambas
catastróficas, os europeus percorreram um longo e acidentado caminho. A lição
histórica de Verdun não são as fortificações, trincheiras e túmulos, mas as
bandeiras alemã e francesa irmanadas.
Das vias de acesso de blindados na bucólica
paisagem de Fulda, o que conduz às mais sombrias reflexões é o que poderia ter
acontecido ali, retardando uma união da Europa por, no mínimo, outros cinquenta
anos. Entre o que os europeus não souberam evitar e aquilo que tiveram a coragem
de evitar está a grande resposta que deram à História.
Os europeus conheceram, reconheceram e repudiaram
o mal. Em 1945, ajudaram a vencê-lo, com armas, impondo a derrota à Alemanha
nazista. Em 1989, venceram-no sozinhos, com as mãos, derrubando o Muro de Berlim
e implodindo o comunismo para encerrar de vez a Segunda Guerra Mundial.
Eles estão à frente do mundo, para sorte do
mundo. Quem não os quiser assim, queira apenas por si e para sua própria
infelicidade. O mundo está farto de utopias assassinas. E de seus idólatras.
Sérgio Paulo Muniz Costa é
historiador
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