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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Por que a União Europeia ganhou o Nobel da Paz


A história necessita ser aprendida e periodicamente reaprendida, diz Tony Judt na conclusão do seu magnífico livro Pós-Guerra: História da Europa desde 1945  (Editora Objetiva).
De alcance permanente, essas palavras podem ser úteis à compreensão da importância da concessão do Prêmio Nobel da Paz à União Europeia, ela própria, segundo Judt, "uma resposta à história". Como sói ocorrer aos grandes acontecimento, essa "resposta" ultrapassou as intenções dos atores, mesmo os grandes da cena mundial.
Uma consciência coletiva, marcada pela difusa necessidade de esquecimento, contrarrestada pela aguda lembrança do Holocausto, funcionou, ao longo de cinquenta anos, como pano de fundo para a concertação que culminou no Tratado de Maastrich que, em 1993, criou a União Européia.
Como ideal, pode ter sido a materialização da conclusão de Raymond Aron sobre o trabalho do historiador alemão Heinrich von Treitschke, apresentado cem anos antes, em 1895, na Universidade de Berlim: "Nenhum povo pode realizar, sozinho, todo conteúdo da cultura humana". Mais difícil é entendê-la como fim – a compreensão sincrética daquilo para que Norberto Bobbio chamou a atenção: o desvendamento do "mistério" ou do "problema" do Mal, o ativo (a maldade), e o passivo ( o sofrimento).
Sim, por que a compreensão está além do conhecimento. Este, histórico ou não, pode nos ensinar sobre os séculos de guerras e o passado não muito distante de autoritarismo, totalitarismo, disfuncionalidade, desconfiança e ambição na Europa.
Há uma geração, eram poucas as famílias europeias que não tinham uma estória de perda de  parente próximo em guerra, uma dor coletiva que o esquecimento teve que sublimar. Já quem reconheceu um sobrevivente de campos de concentração alemães pela tatuagem no  braço sabia estar diante de algo que, tal como aquela tinta na carne humana, era impossível de suprimir.
 A cultura europeia, só tornada acessível e visível em seu todo com a instituição da União Europeia, não  maravilha apenas os visitantes de todo mundo: ela faz história. Quanto mais a União Europeia avançou, mais se inauguraram museus e memoriais, bem como contrições públicas pelo desastre do Holocausto.
Foi como se o reconhecimento de um grande mal comum dependesse da evanescência moral das fronteiras nacionais para acontecer. Para os não europeus, a compreensão desse complexo processo pode se dar por meio da visita a lugares da Europa onde ocorreram, ou estiveram para acontecer, enormes tragédias históricas.
Um deles é Verdun, na França, sítio do Forte Douaumont – epicentro da carnificina que vitimou  700.000 alemães e franceses entre fevereiro e outubro de 1916, na Primeira Guerra Mundial –, cujas cúpulas de aço são hoje visitadas por estudantes falando indistintamente francês e alemão. Outro é Fulda, na Alemanha,  local marcado para uma das maiores batalhas de Terceira Guerra Mundial, o cenário da confrontação, talvez nuclear, que deveria deter a vanguarda blindada soviética arremessada da fronteira entre as Alemanhas na direção de Frankfurt.
 Entre uma batalha travada e uma evitada, ambas catastróficas, os europeus percorreram um longo e acidentado caminho. A lição histórica de Verdun não são as fortificações, trincheiras e túmulos, mas  as bandeiras alemã e francesa irmanadas.
Das vias de acesso de blindados na bucólica paisagem de Fulda, o que conduz às mais sombrias reflexões é o que poderia ter acontecido ali, retardando uma união da Europa por, no mínimo, outros cinquenta anos. Entre o que os europeus não souberam evitar e aquilo que tiveram a coragem de evitar está a grande resposta que deram à História.
Os europeus conheceram, reconheceram e repudiaram o mal. Em 1945, ajudaram a vencê-lo, com armas, impondo a derrota à Alemanha nazista. Em 1989, venceram-no sozinhos, com as mãos, derrubando o Muro de Berlim e implodindo o comunismo para encerrar de vez a Segunda Guerra Mundial.
 Eles estão à frente do mundo, para sorte do mundo. Quem não os quiser assim, queira apenas por si e para sua própria infelicidade. O mundo está farto de utopias assassinas. E de seus idólatras.

Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador

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