- Publicado em Segunda, 15 Outubro 2012 20:15
- Escrito por Sérgio P. Muniz Costa
No dia seguinte ao primeiro turno das eleições
municipais, 8 de outubro, um acontecimento mantido afastado do foco do
noticiário da imprensa renovou as preocupações quanto aos rumos do País.
Embalada pela cantilenada "reparação", a
militância dos Direitos Humanos incrustada no governo federal fez acontecer na
Academia Militar das Agulhas Negras a "cerimônia pública de reconhecimento de
responsabilidade do Estado pela violação dos Direitos Humanos de Márcio Lapoente
da Silveira", segundo os termos da nota pública expedida no último dia 4 pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República a respeito da questão
afeta ao falecimento do Cadete Lapoente em atividade de instrução no dia 9 de
outubro de 1990 naquela Academia Militar.
O documento é uma peça retórica caracterizada
pela imprecisão, contradição e afronta. Menciona um "evento criminoso" sem dizer
qual, contradiz-se ao colocar a família do cadete sob a proteção do Estado
Democrático do Direito no Brasil que é demandado em instância internacional por
supostamente lhe negar direitos e afronta a Justiça brasileira quando atribui
ao Estado a "responsabilidade pela demora na tramitação das ações decorrentes do
fato".
Culminando longo e tortuoso caminho, a nota
transforma a inverdade da tortura como causa da morte do Cadete Lapoente,
plantada no artigo 63 do Relatório 78 da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), de 16 de outubro
de 2008, em "violação dos Direitos Humanos do Cadete Lapoente".
Do que se trata então? Trata-se da mentira usada
como aríete para investir contra a opinião pública que depois é abandonado às
chamas do assalto consumado às instituições. Trata-se do sofisma da atribuição
das características do todo a quem se distingue no todo, os militares que se
submetem voluntariamente aos riscos e privações para defender a sociedade.
Trata-se do menosprezo à sociedade brasileira
tida por ignorante ou insensível diante do significado do numeral da data da
cerimônia pública, não o 9 do dia em ocorreu a tragédia do Cadete Lapoente, mas
sim o 8, também de outubro, 45º aniversário da morte de Che Guevara, ou 8 de
novembro no calendário juliano então em vigor na Rússia, quando há 95 anos
triunfou a Revolução Bolchevista.
Porém a temeridade da decisão do governo federal
em efetivar o acordo firmado com a CIDH/OEA ultrapassa os limites éticos,
lógicos ou ideológicos. A vigência e a tradição constitucional no Brasil
atribuem ao poder executivo grande relevância na representação externa da Nação,
sem que isso signifique a alienação dos demais poderes constituídos. O governo
pode, nos termos da Constituição, representar o Estado brasileiro, mas não
constitui sozinho o Estado brasileiro.
É um abuso inominável que "em nome do Estado, o
Ministério da Defesa, a Secretaria de Direitos Humanos, a Advocacia Geral da
União, o Ministério das Relações Exteriores e o Exército Brasileiro, perante a
sociedade brasileira, (reconheçam) ter havido violações aos Direitos Humanos
perpetrados pelo Estado" em função de um processo instalado em organismo
internacional que, se julgado, subordinaria a sua sentença à homologação pela
Justiça brasileira, independentemente desse provimento de autoridade estrangeira
constituir ato judicial ou não, conforme o regramento estatuído no artigo 105,
I, i, da Constituição Federal, esclarecido pelo artigo 4º da Resolução de número
9 do Superior Tribunal de Justiça, de 4 de maio de 2005.
A pretendida astúcia dos ideólogos do Planalto em
atalhar a conclusão do processo pelo "acordo de solução amistosa" e assim
blindá-lo contra o escrutínio da Justiça brasileira não conseguiu impedir a
constatação de que a soberania nacional foi enxovalhada nesse lamentável
episódio.
Já a audácia deste desafio ao Judiciário parece
não ter sido corretamente dimensionada no seu alcance e gravidade.
Pior, a constitucionalidade do País foi, mais uma
vez, atacada por ações e omissões que voltam a colocar dúvidas quanto ao
respeito ao Estado de Direito no Brasil justamente quando a sociedade parece
emergir de um período de questionamento de suas instituições.
Muitos desdenham da importância deste episódio,
cuidadosamente circunvalado pelo Planalto. Afinal, é mais um na longa sequência
que caracteriza uma verdadeira Constituinte em fluxo que vai modificando o
arcabouço institucional do País. Poucos levantam ainda a voz para se contrapor
ao arbítrio que cresce, mas todos, certamente, pagaremos por isso.
Sérgio Paulo Muniz Costa é
historiador
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