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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Por que a União Europeia ganhou o Nobel da Paz


A história necessita ser aprendida e periodicamente reaprendida, diz Tony Judt na conclusão do seu magnífico livro Pós-Guerra: História da Europa desde 1945  (Editora Objetiva).
De alcance permanente, essas palavras podem ser úteis à compreensão da importância da concessão do Prêmio Nobel da Paz à União Europeia, ela própria, segundo Judt, "uma resposta à história". Como sói ocorrer aos grandes acontecimento, essa "resposta" ultrapassou as intenções dos atores, mesmo os grandes da cena mundial.
Uma consciência coletiva, marcada pela difusa necessidade de esquecimento, contrarrestada pela aguda lembrança do Holocausto, funcionou, ao longo de cinquenta anos, como pano de fundo para a concertação que culminou no Tratado de Maastrich que, em 1993, criou a União Européia.
Como ideal, pode ter sido a materialização da conclusão de Raymond Aron sobre o trabalho do historiador alemão Heinrich von Treitschke, apresentado cem anos antes, em 1895, na Universidade de Berlim: "Nenhum povo pode realizar, sozinho, todo conteúdo da cultura humana". Mais difícil é entendê-la como fim – a compreensão sincrética daquilo para que Norberto Bobbio chamou a atenção: o desvendamento do "mistério" ou do "problema" do Mal, o ativo (a maldade), e o passivo ( o sofrimento).
Sim, por que a compreensão está além do conhecimento. Este, histórico ou não, pode nos ensinar sobre os séculos de guerras e o passado não muito distante de autoritarismo, totalitarismo, disfuncionalidade, desconfiança e ambição na Europa.
Há uma geração, eram poucas as famílias europeias que não tinham uma estória de perda de  parente próximo em guerra, uma dor coletiva que o esquecimento teve que sublimar. Já quem reconheceu um sobrevivente de campos de concentração alemães pela tatuagem no  braço sabia estar diante de algo que, tal como aquela tinta na carne humana, era impossível de suprimir.
 A cultura europeia, só tornada acessível e visível em seu todo com a instituição da União Europeia, não  maravilha apenas os visitantes de todo mundo: ela faz história. Quanto mais a União Europeia avançou, mais se inauguraram museus e memoriais, bem como contrições públicas pelo desastre do Holocausto.
Foi como se o reconhecimento de um grande mal comum dependesse da evanescência moral das fronteiras nacionais para acontecer. Para os não europeus, a compreensão desse complexo processo pode se dar por meio da visita a lugares da Europa onde ocorreram, ou estiveram para acontecer, enormes tragédias históricas.
Um deles é Verdun, na França, sítio do Forte Douaumont – epicentro da carnificina que vitimou  700.000 alemães e franceses entre fevereiro e outubro de 1916, na Primeira Guerra Mundial –, cujas cúpulas de aço são hoje visitadas por estudantes falando indistintamente francês e alemão. Outro é Fulda, na Alemanha,  local marcado para uma das maiores batalhas de Terceira Guerra Mundial, o cenário da confrontação, talvez nuclear, que deveria deter a vanguarda blindada soviética arremessada da fronteira entre as Alemanhas na direção de Frankfurt.
 Entre uma batalha travada e uma evitada, ambas catastróficas, os europeus percorreram um longo e acidentado caminho. A lição histórica de Verdun não são as fortificações, trincheiras e túmulos, mas  as bandeiras alemã e francesa irmanadas.
Das vias de acesso de blindados na bucólica paisagem de Fulda, o que conduz às mais sombrias reflexões é o que poderia ter acontecido ali, retardando uma união da Europa por, no mínimo, outros cinquenta anos. Entre o que os europeus não souberam evitar e aquilo que tiveram a coragem de evitar está a grande resposta que deram à História.
Os europeus conheceram, reconheceram e repudiaram o mal. Em 1945, ajudaram a vencê-lo, com armas, impondo a derrota à Alemanha nazista. Em 1989, venceram-no sozinhos, com as mãos, derrubando o Muro de Berlim e implodindo o comunismo para encerrar de vez a Segunda Guerra Mundial.
 Eles estão à frente do mundo, para sorte do mundo. Quem não os quiser assim, queira apenas por si e para sua própria infelicidade. O mundo está farto de utopias assassinas. E de seus idólatras.

Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador

sábado, 20 de outubro de 2012

Eleições em São Paulo

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

NOTA PUBLICA

 É impagável ler um texto tão bem colocado, de perfeita simetria. Por isso, aí vai, publicado agora pelo excelente Augusto Nunes, a crônica sobre a nota de apoio à Lula (e por extensão ao mensalão) que, à revelia da maioria dos integrantes, os partidos da "base" mandaram publicar na mídia nacional:
 A nota oficial encomendada por Lula, redigida por Rui Falcão e subscrita por seis presidentes de partidos governistas comunica à nação, entre uma falsidade e uma safadeza, que está em curso uma trama política semelhante à que resultou no suicídio de  Getúlio Vargas. Só um ajuntamento de palermas, oportunistas e casos de polícia conseguiria vislumbrar conspiradores em ação nos três partidos oposicionistas mais dóceis da história.
Só um bando de cretinos fundamentais ousaria confundir Aécio Neves com Carlos Lacerda, Geraldo Alckmin com Afonso Arinos, ou tucanos em sossego no poleiro com militares sublevados nos quartéis. E até sócios remidos do clube dos cafajestes se recusariam a comparar Luiz Inácio Lula da Silva a Getúlio Dornelles Vargas. Coerentes com a folha corrida de cada um, os signatários do besteirol espancaram sem clemência, e sem vestígios de rubor na face, a memória do mítico gaúcho.
“Querem fazer comigo o que fizeram com Getúlio Vargas”, recitou o palanque ambulante, de novo, em agosto de 2011. “Assim foi em 1954, quando inventaram um ‘mar de lama’ para derrubar o presidente Vargas”, reincidiram nesta quinta-feira seis carrascos da verdade. Alguém precisa contar-lhes aos gritos que foi o próprio Getúlio quem usou pela primeira vez a expressão “mar de lama”. Alguém precisa ordenar-lhes aos berros que parem de estuprar os fatos para fabricar mentiras eleitoreiras.
Na versão malandra do PT e seus parceiros alugados, a procissão de escândalos que afronta os brasileiros honestos desde a descoberta do mensalão não passa de invencionice dos netos da UDN golpista, que se valem de estandartes moralistas para impedir que outro pai dos pobres se mantenha no poder. Se a oposição não sofresse de afasia medrosa, a confraria dos 171 já teria aprendido que não há qualquer parentesco entre os dois Brasis. E não se atreveria a inventar semelhanças entre figuras antagônicas.
Em agosto de 1954, Getúlio Vargas era sistematicamente hostilizado por adversários que negavam até cumprimentos protocolares ao ex-ditador que voltara ao poder pela rota das urnas. Não há uma única foto do presidente ao lado de Carlos Lacerda. Passados quase 60 anos, Lula e Dilma lidam com adversários que fizeram a opção preferencial pela covardia e inventaram a oposição a favor. Muitos merecem cadeiras cativas na Irmandade dos Amigos do Cara, dirigida por velhas abjeções que Lula combateu até descobrir que todos nasceram uns para os outros.
Há 58 anos, surpreendido por delinquências praticadas às suas costas, acuado pela feroz oposição parlamentar, sitiado por ódios decorrentes dos horrores do Estado Novo, desafiado por oficiais rebeldes, traído por comandantes militares, abalado pela deserção dos aliados, Getúlio preferiu a morte à capitulação humilhante. No Ano 10 da Era da Mediocridade, o Grande Pastor do rebanho lulopetista só é ameaçado pelo Código Penal, por um STF disposto a cumprir a lei e pela incapacidade de aceitar imposições do destino.
Neste começo de primavera, o que se vê é um populista incapaz de perceber a aproximação do inverno. Os truques do animador de comício não surpreendem mais ninguém. Tornaram-se enfadonhos. Lula é uma caricatura de si próprio. É uma lenda precocemente no ocaso. Daqui a muitos anos, será um asterisco nos livros de história que nunca leu.
Getúlio perdeu a disposição de resistir ao constatar que, sem saber, convivera com criminosos. Na última reunião do ministério, foi defendido por figuras como Oswaldo Aranha e Tancredo Neves. Lula defendeu a permanência de Antonio Palocci e José Dirceu no primeiro escalão infestado de corruptos. E tenta o tempo todo livrar da cadeia bandidos de estimação para mantê-los a seu lado. Depois de tentar inutilmente adiar o julgamento do mensalão, faz o que pode para pressionar ministros que nomeou, desqualificar a Justiça e impedir a consumação do castigo.
Há uma semana, o protetor de pecadores foi empurrado para o meio do pântano pelas revelações de Marcos Valério divulgadas por VEJA. Em vez de replicar às acusações e interpelar judicialmente o acusador, o mais loquaz dos palanqueiros emudeceu. Entre amigos, gasta a voz debilitada em insultos a ministros do Supremo, mensaleiros trapalhões ou advogados ineptos ─ e promete, de meia em meia hora, vinganças tremendas. Em público, pede votos para candidatos amigos e calunia concorrentes.
O suicídio de Vargas, reiterei há um ano, foi um ato de coragem protagonizado pelo político que errou muito e cometeu pecados graves, mas nunca transigiu com roubalheiras, nunca barganhou com assaltantes de cofres públicos nem foi coiteiro de ladrões. Lula fez da corrupção endêmica um estilo de governo e um instrumento de poder. O tiro disparado na manhã de 24 de agosto de 1954 atingiu o coração de um homem honrado. Um saiu da vida para entrar na história. Outro ficará na história como quem caiu na vida.
Getúlio matou-se por ter vergonha na cara. Lula morrerá sem saber o que é isso.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Os Cristãos e o Debate Cultural

Os fascistas de esquerda da política e da imprensa querem censurar a oposição, o jornalismo independente e o debate. É parte da guerra cultural para impor a sua pauta. Isso tem história e teoria

Já recomendei o livro algumas vezes e volto a fazê-lo. Leiam “Fascismo de Esquerda” (Editora Record), do jornalista americano Jonah Goldberg. Ele evidencia como as esquerdas, nos EUA (lá, chamam-se “liberais” — não confundir com o “liberalismo” como doutrina do livre mercado), tentam cercear o debate, promovendo uma verdadeira guerra cultural — prática herdada de totalitarismos d’antanho — para silenciar o “inimigo”. Nos EUA, demonstra-o a campanha eleitoral em curso, essas forças são menos bem-sucedidas do que por aqui.
Li há pouco nos sites noticiosos que o presidente do PT, Rui Falcão, acusa o tucano José Serra de disseminar o “ódio” — nada menos! — na campanha eleitoral. O espantoso não é que diga isso, já que espero de Falcão rapinagens teóricas ainda mais grosseiras. O espantoso é que lhe deem trela e julguem que isso é notícia. Referindo-se ao julgamento do mensalão no Supremo, este senhor afirmou que tudo não passava de uma reação da “elite suja e reacionária”. Ele se referia apenas ao Poder Judiciário. Às vésperas da instalação da CPI do Cachoeira — da qual o PT e PMDB saíram correndo para não investigar a Delta e os “cachoeiras” de mais elevada estirpe que estão fora de Goiás —, o presidente do PT gravou um vídeo em que afirmou: “As bancadas do PT na Câmara e no Senado defendem uma CPI para apurar esse escândalo dos autores da farsa do mensalão”. Estrelas do seu partido estão por aí a pregar uma “reação” — QUAL SERÁ? — ao Supremo. Eis Falcão! Um homem sem ódio no coração!
Guerra de valoresVamos pensar um pouquinho. Quem é que se dedica já há anos — e cada vez com mais ênfase — a promover uma guerra de valores na sociedade entre “conservadores” e “progressistas”? Quem é que se empenha com dedicação a dividir a sociedade em vez de uni-la? Na ofensiva, o esquerdismo significa cotas raciais, integrar a cultura gay à cultura predominante, apagar da praça pública os símbolos do cristianismo e um sem-número de ambições explicitamente culturais. Isso que escrevi em negrito, caros leitores, é trecho do livro de Goldberg. Ele se refere aos EUA. Parece falar sobre o Brasil. Só troquei a palavra “liberalismo” (empregada pelo autor) por “esquerdismo” para não confundir os registros. Entre nós, “liberalismo” quer dizer necessariamente outra coisa.
Vejam o caso do tal kit gay. Não se trata, é evidente, de demonizar este ou aquele grupos ou de negar que possa haver manifestações de preconceito. Ocorre que, quando se escolhe fazer um kit como aquele, faz-se a opção por uma abordagem também política. Trata-se de uma escolha. Como tal, pode — e deve — estar submetida ao crivo crítico, às contraditas, aos argumentos contrários. Não para os “fascistas de esquerda”. Marcelo Coelho, articulista de Folha — de quem discordo quase sempre, mas em quem não tinha vislumbrado até agora o viés intolerante —, escreveu em seu blog o seguinte: “Se alguém acha errado isso, e julga poder tirar votos de Haddad falando do ‘kit gay’ sem ter visto os vídeos, está cometendo um ato de desumanidade e sordidez”. Logo, só é possível dar provas de humanidade e decência concordando com Coelho e com os defensores do kit gay.
Alguém poderia, julgando apressadamente que me pegou, observar: “Calma lá, Reinaldo! Ele está se referindo às pessoas que condenaram os filmes sem ver…”. Pois é. E se eu lhes disser que a coisa fica ainda pior? Coelho está tão certo de que não se pode pensar o contrário do que ele pensa e, ainda assim, ser humano e decente que não conta com a possibilidade de que alguém possa ver os filmes e reprová-los. Para ele, assistir aos vídeos implica necessariamente aprová-los, sob pena de a pessoa ser excomungada do mundo dos humanos e decentes.
Chamam a isso tolerância e democracia.
Quem é que está sempre no ataque quando o assunto é a guerra cultural? São os ditos “conservadores”? Acho que não… Quando, depois de aprovar cotas raciais obrigatórias nas universidades federais, a presidente Dilma demonstra a disposição de fazer o mesmo com o funcionalismo público, cumpre perguntar: é para unir a sociedade brasileira que ela o faz? Não é preciso ser muito esperto (bastam algumas sinapses do nível Massinha I de Lógica Elementar) para vislumbrar que o próprio conceito da representação democrática — um homem, um voto — passou a correr risco. Afinal, nada mais justo, então, do que exigir que a maior de todas as representações democráticas, o Congresso, passe a espelhar a dita composição racial da sociedade brasileira — como se raça existisse… O mesmo espírito de porco que seria tentado a me pegar acima poderia se manifestar de novo: “Ora, Reinaldo, se cada um votasse em alguém da sua cor, teríamos a relação um homem/um voto do mesmo modo”. Ainda que isso não implicasse questões bem mais complexas num sistema proporcional como o nosso, notem que a vontade do eleitor teria sido suprimida, uma vez que ele estaria obrigado a votar em alguém pertencente a seu grupo. Imaginem filas de negros para votar em urnas de candidatos negros; de brancos, em candidatos brancos e assim por diante…
Não ocorre aos fascistas de esquerda que aqueles a que chamam “conservadores”, “reacionários” ou “direitistas” têm um outro conteúdo e uma outra pauta, legitimados pela pluralidade democrática, para a luta por justiça, por exemplo. Em que cânone, ditado pelos céus, está escrito que o combate ao preconceito contra homossexuais, mulheres ou negros passa necessariamente pela agenda dos grupos militantes? Que determinação da natureza nos informa que a afirmação de identidade é o melhor caminho da integração, especialmente quando a concessão de um direito a uma dita minoria pode implicar a supressão de direitos que são universais — como a efetiva igualdade perante a lei, por exemplo?
Isso tem teoriaA cultura liberal brasileira é frágil — refiro-me ao liberalismo propriamente, aquele do livre mercado e dos direitos individuais. As vozes hegemônicas hoje da política são herdeiras, bem ou mal, do marxismo, ainda que possam estar distantes da teoria; em muitos casos, há mesmo ignorância de causa, repetindo conteúdos cuja origem ignoram. Os marxistas há muito desistiram do socialismo, como se sabe, mas não da perspectiva autoritária da engenharia social.
Se vocês recorrerem ao arquivo, encontrarão dezenas de textos em que trato de Gramsci, o mais importante teórico, na modernidade, da guerra cultural. Os espaços de debate, inclusive os da imprensa, foram sendo paulatinamente ocupados pelos militantes da tal “agenda progressista”. Chamam de diversidade e de progresso social a imposição de sua agenda.
De volta à religiãoO que mais mobiliza a reação de alguns boçais nas redações é o fato de a crítica ao kit gay — como era a crítica à descriminação do aborto — ter, sim, um fundamento religioso. E por que não poderia? “Porque o estado é laico”, poderia responder alguém. É verdade! Por laico, então está obrigado a tolerar as críticas dos religiosos — ou estaríamos falando de um estado fundamentalista ateu, que consideraria ilegítima qualquer restrição de natureza religiosa.
Note-se que a grita havida em 2010 contra as críticas que católicos dirigiam a Dilma por causa de sua opinião favorável ao aborto estava menos relacionada ao suposto direito de escolha da mulher do que ao fato de que a raiz da restrição era religiosa. Entenderam o ponto? Os esquerdistas pró-aborto estavam menos preocupados em garantir o que chamavam de “um direito da mulher” do que em calar a boca dos crentes. Fenômeno semelhante de vê agora com o kit gay. Querem saber? Esses fascistas de esquerda não estão nem aí para os direitos dos homossexuais. Eles querem mesmo é calar os cristãos — é isso que não toleram.
Mas chamam a isso democracia e tolerância.
E, nesse caso, é preciso, sim, recuperar um pouco da história. Reproduzo um trecho de “O Fascismo de Esquerda”. Goldberg lembra que Hitler era furiosamente anticristão. Leiam. Volto para encerrar.
(…)
Sob o poder progressista, o Deus cristão havia sido transformado num oficial ariano da SS tendo Hitler como seu braço direito. Os chamados pastores cristãos alemães pregavam que “assim como Jesus havia liberado a humanidade do pecado e do inferno, Hitler salva o Volk alemão da decadência”. Em abril de 1933, o Congresso Nazista de Cristãos Alemães deliberou que todas as igrejas deveriam catequizar que “Deus me criou como um alemão; o germanismo é uma dádiva de Deus. Deus quer que eu lute pela Alemanha. O serviço militar de forma alguma ofende a consciência cristã, mas é obediência a Deus”
Quando alguns bispos protestantes visitaram o Führe rpara registrar queixas, a fúria de Hitler chegou ao extremo. “O cristianismo desaparecerá da Alemanha assim como aconteceu na Rússia… A raça alemã existiu sem cristianismo durante milhares de anos… e continuará depois que o cristianismo tiver desaparecido… Precisamos nos acostumar com os ensinamentos de sangue e raça.” Quando os bispos fizeram objeções a apoiar os propósitos seculares do nazismo, e não apenas suas inovações religiosas, Hitler explodiu: “Vocês são traidores do Volk. Inimigos da Vaterland e destruidores da Alemanha”
Em 1935, foi abolida a prece obrigatória nas escolas e, em 1938, cânticos e peças de Natal foram totalmente proibidos. Em 1941, a instrução religiosa para crianças acima de 14 anos havia sido completamente abolida, e o jacobinismo reinava supremo. Uma canção da Juventude Hitlerista ecoava nos acampamentos:
Somos a alegre Juventude Hitlerista.
Não precisamos de virtudes cristãs,
Pois Adolf Hitler é nosso intercessor
E nosso redentor.
Nenhum padre, ninguém maléfico
Pode nos impedir de nos sentirmos
Como filhos de Hitler.
A nenhum cristo seguimos,
Mas a Horst Wessel!
Fora com incensos e pias de água benta!
EncerroO que vai acima faria muitos de nossos supostos militantes do laicismo babar de satisfação, não é mesmo? Afinal, estamos no país em que uma ministra de Estado (Marta Suplicy), que ganhou o cargo na boca da urna como paga por sua adesão a uma campanha eleitoral, decretou que Lula, que não tem vocação para Cristo, é o próprio Deus.
Os fascistas de esquerda estão assanhados. Ou você está com eles, ou eles decretam que você é desumano e sórdido. E nós sabemos o que eles fazem com desumanos e sórdidos, não é? O ataque organizado a cristãos, católicos e evangélicos, sob a pele de suposto progressismo e de amor à tolerância, é só obscurantismo e fascismo. De esquerda, sim! Como é, em essência, qualquer fascismo.
Por Reinaldo Azevedo

O DIA "D" DE ROBERTO JEFFERSON



Quando, como e por que ele decidiu detonar o mensalão.

Quando saiu do banho, naquela manhã de 24 de maio de 2005, o deputado Roberto Jefferson, deu com o poderoso ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, sentado em sua sala, acompanhado do líder do governo no Congresso, Aldo Rabelo.

? Bom dia, senhores ? cumprimentou frio.

Se tivesse sido consultado, não o teria deixado subir.
No dia anterior, a empregada Elza lhe dissera que ele e mais quatro ministros estavam na portaria com uma urgência, mas ele os mandara voltar da porta, porque tinha chegado ao limite com o ministro. Mesmo com o presidente Lula, que havia ligado à noite para pedir-lhe que retirasse a assinatura do pedido de uma CPI para investigar a corrupção nos Correios, havia sido frio:

? Essa CPI vai ser muito ruim para o governo, muito ruim, muito ruim... 
? apelou o presidente, entre outras coisas.
? Eu sei. Mas, moralmente, não me resta outra saída, presidente. Mas nesta manhã eles conseguiram entrar por uma traição do amigo José Múcio, que ligara antes do banho querendo uma conversa urgente e avisara aos dois que ele estava em casa. O  porteiro e a empregada não tiveram peito para segurá-los na portaria. Sim, estava sozinho. Não tinha apoio de nenhum amigo nem dentro do seu partido, o PTB. José Dirceu, que o vinha evitando nos últimos dias e tratando direto com os deputados de seu partido os interesses do governo, inclusive evitar a CPI, agora faria o que fosse preciso para que ele retirasse sua assinatura. 
? Roberto, você não vai assinar essa CPI
? foi direto ao assunto.
? Você não vai fazer isso com a gente.
Essa CPI é contra o governo, é para paralisar o governo. É pra atingir o presidente Lula e vai nos atingir. Roberto sentou-se para encará-lo de frente.
? Quanto a isso não tenho dúvida, Zé, porque eu sou a escada, sou ponte. O alvo é você, o alvo é o Delúbio, o alvo é o Silvinho Pereira.
 ? referiu-se ao tesoureiro e ao secretário do PT que vinham fazendo negócios em nome do
governo sob orientação da Casa Civil.
? A CPI vai atingir vocês. Mas não posso sair disso sem alma, não vou virar zumbi. Minha honra pessoal foi atingida. O deputado se sentia no fundo do poço desde que a revista Veja divulgara,
havia 10 dias, uma gravação em vídeo em que seu indicado nos Correios, Maurício Marinho, embolsava R$ 3 mil reais de propina e se gabava de suas relações com ele. A partir daí, toda a grande imprensa, principalmente a revista e O Globo, haviam desabado em cima de sua reputação e ele percebera que havia dedo da Abin e da Casa Civil de José Dirceu, em conluio com jornalistas, para jogar todas as mazelas do governo nas costas do PTB. ? Zé, não posso confiar mais em você, porque estou vendo sua assinatura, sua impressão digital nesse noticiário todo contra mim. É uma pancadaria, é um jogo montado pelo governo e tem a Abin no meio.
? Não diga isso, Roberto, eu jamais faria isso. Por sorte, um dia depois da publicação bomba da revista, um anônimo deixou em sua porta uma cópia da gravação integral, de uma hora e 54 minutos, num envelope amarelo. Imaginou que fosse coisa de arapongas velhos da agência de inteligência do governo, a Abin, que ganhavam dinheiro de todos os lados em Brasília para montar dossiês. Possivelmente, os mesmos que gravaram poderiam ter enviado a sua cópia, interessado em negócios futuros. Ao vê-la e revê-la, convenceu-se de que, mais do que flagrar o funcionário, os arapongas pretendiam incriminá-lo. Faziam perguntas recorrentes sobre sua influência. E de que o repórter Policarpo Júnior, de Veja , como os arapongas, evitava ir além das denúncias na diretoria de Marinho e chegar à poderosa diretoria de Operações, controlada por Delúbio e Silvinho, onde de fato se davam os grandes negócios suspeitos da instituição. "Ele está protegendo o PT", pensou. Uma investigação oficial da Abin, patrocinada pelo governo, tinha sido paralisada também quando chegou perto dessa diretoria.
? Eu vejo a sua mão, Zé. É coisa sua. Você sacaneou o PTB por causa dos conflitos que se instalaram entre nós, pelo acordo não cumprido do repasse de campanha e pelas nomeações que foram cumpridas e não foram feitas. Vocês estão me sufocando porque falei ao Lula sobre o Mensalão e porque não querem que o Dimas Toledo saia de Furnas. Em janeiro, ele dissera ao presidente, na presença de Dirceu e de seu correligionário Walfrido dos Mares Guia, que Delúbio Soares iria colocar uma dinamite na sua cadeira. Informou que eles estavam comprando deputados para fortalecer as bases do governo e que ele pessoalmente estava sendo massacrado porque não aceitara a oferta e orientara seus correligionários a fazer o mesmo. Cobrou 16 dos 20 milhões que o partido devia ao PTB, por uma promessa de campanha, e insistiu que as negociações que lhe interessavam era a coparticipação no governo, através de nomeações de cargos nas estatais, que a Casa Civil vinha postergando.
? Não, Roberto, você está enganado, eu não fiz isso, você está sendo injusto comigo. Não sou um homem capaz de fazer uma coisa dessas. No caso do presidente de Furnas, Dimas Toledo, ele havia acertado a sua substituição por um homem de seu partido, Francisco Spirandel, numa outra reunião com Lula, em abril. Só que Dirceu vinha atuando nos bastidores para inviabilizá-la.
? Isso não é papel de homem, Zé. Vocês jogam fora os companheiros de aliança como se fossem bagaço de laranja depois que já chuparam o caldo. De fato, estava tudo acertado para a eleição de Spirandel, na assembleia de 16 de maio. Dimas Toledo tinha laços com vários partidos e fazia em Furnas uma caixinha de R$ 3 milhões mensais, cujo maior favorecido era o PT. Mas o presidente Lula andava possesso com ele, por causa de seus favorecimentos ao governador Aécio Neves. No meio da assembleia, porém, chegou uma ordem da ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef, para suspender tudo. Nessa tarde, em meio à pressão da imprensa contra o seu partido e em favor de apurações nos Correios, ele decidiu colocar sua assinatura no pedido de CPI que José Dirceu agora quase se ajoelhava para tentar retirar. ? Vejo sua mão nessa porra toda, Zé. E agora você vai ter que consertar.
? Roberto, isso vai passar. Vamos acertar por cima, vamos passar a borracha e fazer um acordo. Aldo Rabelo ficou quieto todo o tempo. Então Dirceu informou que o governo já estava trabalhando para inocentá-lo das denúncias nos Correios, no inquérito na Polícia Federal. A substituição de Dimas por Spirandel ocorreria num momento mais oportuno, porque havia uma enorme pressão de políticos, entre os quais o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, para mantê-lo. Na mesma manhã, Maurício Marinho estava sendo interrogado na PF. Por volta de 11h, no meio da conversa, a Polícia Federal já havia divulgado em seu site um boletim em que o diretor assumia integral responsabilidade pela negociação da propina e inocentava Roberto Jefferson, afirmando que, na gravação, só citara o deputado para se valorizar profissionalmente. Como Marinho depunha desde as 10h num depoimento sigiloso que se arrastaria até a tarde, Jefferson entendeu que a divulgação do boletim menos de uma hora depois só poderia ter o objetivo de convencê-lo. Seu advogado o trouxera no meio da conversa com Dirceu. Posteriormente, ficaria sabendo que o delegado do caso saia frequentemente da sala para dar telefonemas e dar curso ao esquema já armado com o governo: na hora que Marinho o inocentasse, fariam a divulgação imediata para a imprensa, para dar um bom argumento a Dirceu na negociação pela retirada da assinatura.
? Bom, se é assim, não tenho problema em retirar a assinatura da CPI rendeu-se, mas acrescentou um pedido. Para a completa restauração de sua honra, pediu a Dirceu que interviesse
junto à revista Veja e ao Globo , seus principais algozes e que, no seu entendimento, estavam aliados à Casa Civil. A Veja está fazendo um verdadeiro linchamento.
? Roberto, na Veja eu não tenho nenhuma influência, porque a revista é tucana.
? Mas e O Globo?
? O Globo eu acerto por cima, dá para segurar.
? Então não tenho problema de recuar. Tiro a assinatura, mas você me dá uma saída honrosa. Estou sendo linchado nisso. ? Vou tentar, Roberto. * O deputado deu entrevista à imprensa e reuniu os companheiros de bancada pedindo o mesmo, embora inutilmente porque todos já resistiam a deixar o governo e nunca apoiaram a decisão de seu presidente de rejeitar o dinheiro do PT. No dia seguinte, porém, a oposição conseguira as assinaturas necessárias à instalação da CPI dos Correios e o noticiário contra o deputado só recrudesceu. Apesar de Dirceu ter prometido que dava para controlar O Globo, no fim de semana, o jornal e a revista Época, do mesmo grupo editorial, circularam com páginas pesadas de denúncias envolvendo o deputado, seus familiares e suas relações em outros órgãos de influência do PTB. "A mídia está envenenada
? pensou.
? Eles têm que dar sangue para os chacais, e o sangue vai ser o meu", pensou. Como agora sua posição já não tinha importância, porque a CPI fora instalada e não passava de um peso morto para o governo, iriam jogar todas as denúncias no seu colo e no partido. Na sexta-feira, 4 de junho, os jornais deram que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, faria na segunda-feira (6) um pronunciamento à Nação, em cadeia de rádio e TV, para tentar  impedir a CPI na Comissão de Constituição e Justiça. Iria também desmontar o esquema de corrupção na Eletronorte, nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil.
? exatamente as três estatais em que o PTB tinham cargos influentes. "Estão evacuando o quarteirão para implodir a mim e o PTB". E o pior, agora estava claro que o presidente Lula também estava no jogo para destruí-lo. "O majestático ministro da Justiça não faria isso sem autorização do chefe." Já não engolira uma entrevista do presidente do PT, José Genoíno, no meio da crise, dizendo que o PT precisava escolher melhor os partidos da base. "Precisamos requalificar a base". Agora, via que o presidente também estava no jogo. Tentou em vão falar com José Dirceu, que estava se preparando para viajar à Espanha. Ligou para Walfrido dos Mares Guia:
? Estou tentando falar com o Dirceu e não consigo. O ministro vai atirar no PTB na segunda-feira e acabar com a gente. Só então recebeu uma ligação de Dirceu, ainda no aeroporto. *
? Dirceu, você não devia estar viajando agora. A hora é horrível para você viajar. O ministro vai colocar essa bomba no colo da gente. É pra acabar com o PTB.
? Calma.
? Estou calmo.
? Olha, nós temos que ver o lado do Silvinho e do Delúbio, Roberto. Vê lá o que você vai fazer.
Ora, pensou. "Então eu estou prestes a ser massacrado em praça pública e ele preocupado com o Silvinho e com o Delúbio...".
? Olha, Dirceu. Eu quero que o Silvinho e o Delúbio se danem. Na volta da sua viagem à Espanha, você terá uma surpresa. Vai com Deus, porque quando você voltar a notícia vai ser outra.
No sábado, suas assessoras ainda tentaram demovê-lo pela última vez:
? Calma. Espera. Mas estava decidido:
? Não vou esperar mais nada, vou botar pra fora essa história do Mensalão. Vou explodir, vou arrebentar com tudo. Eu avisei a eles e avisei ao país que ia explodir tudo. Não posso ficar no colo com um crime que não pratiquei.
? Você pode ser cassado.
? Não importa mais. Mais importante que o mandato é a minha honra pessoal. Discutiram em seguida a qual dos três grandes jornais faria a denúncia, para ser publicada na mesma segunda-feira do pronunciamento do ministro da Justiça. Descartaram O Globo, porque, argumentou, estaria se comportando como Diário Oficial. O Estado de São Paulo, embora isento, também estava embarcando na onda contra ele. Restava a Folha de S. Paulo, que, na sua opinião, vinha tratando a crise com mais cautela, sem embarcar na versão do governo. A assessora Íris Campos entrou em contato com Renata Lo Prete, editora do Painel, de notas de bastidores da política em Brasília. E, no domingo à tarde, enquanto Márcio Thomaz Bastos preparava seu pronunciamento e José Dirceu caminhava pela Espanha, possivelmente pensando em Sílvio Pereira e Delúbio Soares, o deputado Roberto Jefferson contava à repórter do jornal de maior circulação do país que o PT carregava malas de dinheiro para ampliar a base aliada, comprando deputados de pequenos partidos, porque não queria dividir o poder nos ministérios. Na segunda-feira, 6 de junho, no mesmo dia do pronunciamento do ministro da Justiça à Nação, a Folha circulou com a manchete: "PT pagava mesada de R$ 30 mil a partidos, diz Jefferson" A república petista começava a desmoronar.
(Com informações do livro Nervos de Aço , depoimento de Roberto Jefferson a
Luciano Trigo, editora Topbooks.)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

De muitos, poucos e todos



No dia  seguinte ao primeiro turno das eleições municipais, 8 de outubro, um acontecimento mantido afastado do foco do noticiário da imprensa renovou as preocupações quanto aos rumos do País.
Embalada pela cantilenada "reparação", a militância dos Direitos Humanos incrustada no governo federal fez acontecer na Academia Militar das Agulhas Negras a "cerimônia pública de reconhecimento de responsabilidade do Estado pela violação dos Direitos Humanos de Márcio Lapoente da Silveira", segundo os termos da nota pública expedida no último dia 4 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República a respeito da questão afeta ao falecimento do Cadete Lapoente em atividade de instrução no dia 9 de outubro de 1990 naquela Academia Militar.
O documento é uma peça retórica caracterizada pela imprecisão, contradição e afronta. Menciona um "evento criminoso" sem dizer qual, contradiz-se ao colocar a família do cadete sob a proteção do Estado Democrático do Direito no Brasil que é demandado em instância internacional por supostamente lhe negar direitos e afronta a Justiça brasileira quando atribui  ao Estado a "responsabilidade pela demora na tramitação das ações decorrentes do fato".
Culminando longo e tortuoso caminho, a nota transforma a inverdade da tortura como causa da morte do Cadete Lapoente, plantada no artigo 63 do Relatório 78 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), de 16 de outubro de 2008, em "violação dos Direitos Humanos do Cadete Lapoente".
Do que se trata então? Trata-se da mentira usada como aríete para investir contra a opinião pública que depois é abandonado às chamas do assalto consumado às instituições. Trata-se do sofisma da atribuição das características do todo a quem se distingue no todo, os militares que se submetem voluntariamente aos riscos e privações para defender a sociedade.
Trata-se do menosprezo à sociedade brasileira tida por ignorante ou insensível diante do significado do numeral da data da cerimônia pública, não o 9 do dia em ocorreu a tragédia do Cadete Lapoente, mas sim o 8, também de outubro, 45º aniversário da morte de Che Guevara, ou 8 de novembro no calendário juliano então em vigor na Rússia, quando há 95 anos triunfou a Revolução Bolchevista.
Porém a temeridade da decisão do governo federal em efetivar o acordo firmado com a CIDH/OEA ultrapassa os limites éticos, lógicos ou ideológicos.  A vigência e a tradição constitucional no Brasil atribuem ao poder executivo grande relevância na representação externa da Nação, sem que isso signifique a alienação dos demais poderes constituídos. O governo pode, nos termos da Constituição, representar o Estado brasileiro, mas não constitui sozinho o Estado brasileiro.
É um abuso inominável que "em nome do Estado, o Ministério da Defesa, a Secretaria de Direitos Humanos, a Advocacia Geral da União, o Ministério das Relações Exteriores e o Exército Brasileiro, perante a sociedade brasileira, (reconheçam) ter havido violações  aos Direitos Humanos perpetrados pelo Estado" em função de um processo instalado em organismo internacional que, se julgado, subordinaria a sua sentença à homologação pela Justiça brasileira, independentemente desse provimento de autoridade estrangeira constituir ato judicial ou não, conforme o regramento estatuído no artigo 105, I, i, da Constituição Federal, esclarecido pelo artigo 4º da Resolução de número 9 do Superior Tribunal de Justiça, de 4 de maio de 2005. 
A pretendida astúcia dos ideólogos do Planalto em atalhar a conclusão do processo pelo "acordo de solução amistosa" e  assim blindá-lo contra o escrutínio da Justiça brasileira não conseguiu impedir a constatação de que a soberania nacional foi enxovalhada nesse lamentável episódio.
Já a audácia deste desafio ao Judiciário parece não ter sido corretamente dimensionada no seu alcance e gravidade.
Pior, a constitucionalidade do País foi, mais uma vez, atacada por ações e omissões que voltam a colocar dúvidas quanto ao respeito ao Estado de Direito no Brasil justamente quando a sociedade parece emergir de um período de questionamento de suas instituições.
Muitos desdenham da importância deste episódio, cuidadosamente circunvalado pelo Planalto. Afinal, é mais um na longa sequência que caracteriza uma verdadeira Constituinte em fluxo que vai modificando o arcabouço institucional do País. Poucos levantam ainda a voz para se contrapor ao arbítrio que cresce, mas todos, certamente, pagaremos por isso.  

Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Mensalão: a condenação de Dirceu, inexoravelmente, incrimina Lula


O que se discute aqui é o óbvio: se a teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula.
Desde o início do julgamento do mensalão, percebe-se nítida divergência entre o relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandwski. Contudo, na parte em que trata do acusado José Dirceu, a divergência ficou bem mais acentuada. O voto do relator é parecido com uma peça acusatória. Por outro lado, o voto do revisor nada se diferencia de uma peça defensiva. Peço venia aos dois ministros, mas estou apenas constatando uma realidade que, aliás, será consignada no livro que lançarei em breve.
O relator afirma que há provas abundantes da culpa de Dirceu. Em sentido contrário, o revisor diz que não há prova alguma. A realidade é que a prova técnica contra Dirceu é extremamente frágil. Nesse diapasão, pela ótica dos princípios que norteiam o processo penal, o revisor tem razão, mormente porque, Jefferson, que poderia ser utilizado como testemunha ou delator, beneficiado pela delação premiada, foi incluído no processo como acusado, fragilizando por demais o viés probatório da revelação que fez sobre o esquema criminoso. Ocorre que o cenário delitivo é gigantesco e aí fica difícil não enxergar a lógica, isto é, a ação dos que estão por trás dos executores. Aliás, a ministra Rosa Weber, invocando “a lógica autorizada pelo senso comum”, ressaltou que na Justiça Trabalhista ela proferiu diversos votos, sob a inspiração de Malatesta, no sentido de que “o ordinário se presume, só o extraordinário se prova”. Conquanto esse entendimento possa ter agasalho nas lides laborais, em matéria penal, ao meu sentir, ele acutila os princípios da verdade real, presunção de inocência e in dubio pro reo.
Em socorro ao raquítico quadro probatório, que poderia ser derrubado pelo princípio do in dubio pro reo, os ministros que fazem divergência ao revisor invocaram a teoria do domínio do fato, importada do direito alemão. Ocorre que a teoria do domínio do fato não dispensa prova, caso contrário, estar-se-ia institucionalizando a punição pela simples relação hierárquica. Assim, por exemplo, o chefe da repartição seria punido por crime ocorrido na sua área de atuação, independente da relação de causalidade, dolo ou culpa, bastando haver relação lógica de que ele, como chefe, teria o domínio da situação. Isso fere os princípios que norteiam a responsabilidade penal subjetiva. Daí a condenação de Dirceu surpreender muita gente, inclusive eu, que não acreditava que iria acontecer, mas que hoje é uma realidade, diante dos três votos nesse sentido e da predisposição condenatória de outros ministros.
Como disse em artigo anterior, o STF pode tudo, uma vez que é a última instância na dicção do direito. Assim, pragmaticamente, é despiciendo discutir o acerto ou erro da decisão condenatória, que ora se vislumbra. O que se discute aqui é o óbvio: se a teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula. Nesse sentido, como o relator consignou que o “elevadíssimo cargo” que era ocupado por Dirceu lhe conferia o domínio do fato. Por razão maior, o cargo máximo que era ocupado por Lula lhe coloca em situação de responsabilidade superior.
Aliás, se em relação a Dirceu, o depoimento de Jefferson não foi confirmado por outras testemunhas, o mesmo não aconteceu em relação a Lula. Segundo o voto do relator, o depoimento de Jefferson, dando conta de que informara ao ex-Presidente a existência do mensalão, teve ampla confirmação. Vejamos trecho do voto: A testemunha (refere-se a Arlindo Chinaglia) também confirmou que participou de reunião em que o acusado ROBERTO JEFFERSON informou ao Presidente Lula sobre a existência dos pagamentos. Aliás, todos os interlocutores citados por ROBERTO JEFFERSON – Senhores Arlindo Chinaglia, Aldo Rebello, Walfrido dos Mares Guia, Miro Teixeira, Ciro Gomes e o próprio ex-Presidente da República – confirmaram que foram informados, por ROBERTO JEFFERSON, nos anos de 2003 e 2004, sobre a distribuição de dinheiro a parlamentares para que votassem a favor de projetos do interesse do Governo. Portanto, muito antes da decisão de ROBERTO JEFFERSON de delatar publicamente o esquema.” Isso desmente o ex-Presidente Lula de que “não sabia de nada” sobre o mensalão.
O ministro Joaquim Barbosa também consignou no voto que “o senhor Ricardo Espírito Santo Salgado, presidente do banco Espírito Santo, afirmou que manteve várias reuniões, diretas e pessoais, com o próprio Presidente da República.” Ora, o que o presidente de um banco privado faria em reunião direta e pessoal com o Presidente da República? A resposta a esse questionamento pode ser vista em outro trecho do voto do relator: “Roberto Jefferson disse em depoimento prestado à PF e confirmado em juízo, o seguinte: Que José Dirceu afirmou ao declarante que o PT estaria sem recursos para cumprir o acordo, uma vez que a PF havia prendido 62 doleiros. Que em um encontro ocorrido no início de janeiro de 2005, o então ministro afirmou que havia recebido, juntamente com o Presidente Lula, um grupo da Portugal Telecom ;com o Banco Espírito Santo, que estaria em negociações com o Governo brasileiro. Que José Dirceu afirmou que haveria a possibilidade de que referido grupo econômico pudesse adiantar cerca de oito milhões de euros, que seriam repartidos entre o PT e o PTB.”
O nome do ex-Presidente Lula está em várias partes do voto do relator, de forma a não deixar dúvida alguma de seu envolvimento com o esquema criminoso. Mas não é só isso. Ao contrário de Dirceu, que não praticou nenhum ato material, pelo menos não deixou rastro disso, Lula praticou atos materiais, que se enquadram como uma luva nos artigos 13 e 29 do Código Penal. Senão vejamos. Duas foram as principais fontes de recursos do mensalão. A primeira está relacionada aos contratos fraudulentos com as empresas de publicidade de Valério. Para viabilizar a contratação de tais empresas, foi editado o decreto 4.799/2003, que além de afastar o incômodo da licitação, permitindo a contratação direta, conferiu poderes a Valério para funcionar como uma espécie de administrador de recursos públicos. Esse decreto foi assinado pelo ex-Presidente Lula, a mando de quem não se sabe, mas a assinatura é dele.
Outra importantíssima fonte de recursos do mensalão veio de empréstimos consignados em folha de pagamento a aposentados do INSS. Primeiro foi editada a Medida Provisória 130, que criou os empréstimos. Assim, que foi publicada a MP, o banco BMG, envolvido no esquema, procurou habilitar-se para fazer tais empréstimos. Contudo, não obteve êxito, porque um inconveniente parecer da Procuradoria Federal do INSS aduziu que os empréstimos somente poderiam ser realizados por bancos públicos, pagadores de benefícios previdenciários. O empecilho foi superado com a edição do decreto 5.180, dispondo expressamente que mesmo banco privado, ainda que não fosse pagador de benefício previdenciário, poderia se habilitar. Graças à explicação do referido decreto, o BMG logrou êxito à habilitação. Tanto a medida provisória como o decreto foram assinados pelo ex-Presidente Lula, a mando de quem não se sabe, mas a assinatura é dele.
Além da assinatura do “democrático” decreto, que inclusive levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a representar criminalmente contra o ex-Presidente, arquivada pelo então procurador-geral da República Antonio Fernando, Lula enviou mais de dez milhões de cartas (assinadas por ele) a aposentados, anunciando a “novidade” dos empréstimos, o que fez o BMG, com apenas dez agências, faturar três bilhões de reais, superando a Caixa Econômica, com suas duas mil agências. Vale lembrar, que o BMG “emprestou” bastante dinheiro ao PT, sem qualquer garantia.
Dispõe o artigo 13 do Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” Considerando que as duas principais fontes de recursos do mensalão decorreram de atos praticados por Lula, não resta dúvida de que, se não fosse ele, o resultado não teria ocorrido (como ocorreu). Assim, de acordo com o artigo 29 do Código Penal que dispõe: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”, Lula teria que ter sido acusado, nem precisaria invocar a teoria do domínio do fato, porquanto a conduta dele está inserida na cadeia de causalidade, sendo que há provas abundantes disso, inclusive do dolo. A propósito, por causa dessa aberrante omissão, representei contra o ex-procurador-geral da República (PGR) Antonio Fernando, autor da denúncia do mensalão, a fim de que fosse apurado crime de prevaricação, por ele ter deixado Lula fora da acusação, não obstante o ex-Presidente ter praticado atos escandalosamente destinados a fomentar o esquema criminoso. A representação foi arquivada, sem que o mérito tenha sido enfrentado.
No ano passado, representei ao PGR, Roberto Gurgel, apontando fatos que indicam o envolvimento do ex-Presidente Lula no esquema do mensalão, que inclusive sustentam ação de improbidade contra ele, em trâmite na 13ª Vara Federal do Distrito Federal. Recentemente, Gurgel arquivou a representação, alegando que os fatos nela contidos são objetos de apuração no inquérito policial 2.474, que tramita no STF desde março de 2007. Agora, com a condenação de Dirceu que, por diversas vezes, falou que nada fazia sem o conhecimento e a anuência de Lula, bem como as várias passagens do voto do relator, apontando o envolvimento direto do ex-Presidente, sem contar que na teoria do domínio do fato, Lula estava acima de Dirceu, não tem como deixá-lo impune. Lula não é uma entidade para ficar incólume à lei nem é um idiota, para não responder pelos seus atos, porquanto, ainda que não tivesse discernimento algum, deveria ser submetido à medida de segurança, nos termos do artigo 97 do Código Penal.
Para saber mais sobre a realidade do mensalão, que não sai nos boletins oficiais, vide os artigos: “Mensalão: o que poucos sabem, e o Brasil deveria saber”; “Lula, Dirceu e os Tuiuiús: a realidade oculta do mensalão”, bem como outros artigos que estão no meu site www.manoelpastana.com.br

Manoel Pastana
Autor do livro autobiográfico De Faxineiro a Procurador da República
Procurador da República no Rio Grande do Sul

Tentando ser engraçado - A Placa da AMAN



Prezados amigos, saudações.

O pior é que vai ficar tudo por isso mesmo. Houve um pedido de desculpas? “Santa Subserviência” , como diria o Robin do Batman.

Estou pensando em entrar com uma ação judicial, dessas indenizatórias,  pelos “esporros” que levei no Curso Básico (mudaram a minha personalidade, deixando-me mais ágil e atento às coisas...mas não deixam de configurar, como se fala hoje em dia, verdadeiro “assédio moral”). Quantas vezes fizeram-me descer as escadas das alas ao pátio ainda vestindo minha roupa? Foi ali que me ensinaram que “um cadete calçado é um cadete vestido” pois, estando com os sapatos já amarrados, eu vestia o que faltava a cada lance escadas. Verdadeiro tratamento degradante. 

Ainda antes do Curso Básico, na Escola Preparatória, levei uma prisão de 10 (dez) dias por chegar atrasado na volta de um licenciamento. O capitão comandante da companhia  não quis saber que o ônibus, um “Cometão”, havia sido parado numa barreira fiscalizatória do próprio Exército, nas imediações da cidade paulista de Registro. Era o ano de 1973. Perdemos cerca de três horas na barreira...e eu perdi o horário de chegada na Prep. O capitão, numa clara atitude antidemocrática, não considerou meus argumentos e nem me concedeu o direito do contraditório. Foram 10 (dez) dias na cela. Uma verdadeira tortura, embora assim  me tenha sido mostrado o valor fazer um quadro-horário considerando a pior hipótese. Quero indenização por esses dez dias preso, afinal fui unido por causa de uma ação de fiscalização feita por tropas da Ditadura Militar.

Lembro-me da piscina da AMAN, onde oficiais verdadeiramente sádicos insistiam em fazer nadar um não nadador (NN) como eu. Afinal, queriam aqueles oficiais – numa atitude puramente não democrática – influenciar em minha decisão pessoal de não querer aprender a nadar  (como se fosse possível para um aspirante do Exército receber sua espada sem saber nadar...). Alguns instrutores, ainda mais sádicos, obrigavam eu saltar da plataforma de 10 (dez) metros, enquanto, como motivação, acenavam com a espada de oficial. Eu, que tinha medo de altura (nem sei como saí paraquedista) era submetido a esse degradante tratamento. Saltei, mas a contragosto. Quero indenização. Fui torturado. 

Certa vez, oficiais instrutores – sem imaginação – obrigaram-me a participar de uma semana de exercícios físicos alucinantes – principalmente pela privação do sono – chamados de Operação FIT. Choveu bastante e eu ali, vestido com aquele ineficiente poncho, marchando, marchando, marchando...com os pés pesando 3(três) quilos cada um,  por conta da lama grudada. Era nesse tipo de exercício que eu perdia minha identidade, era desprovido de minha alma, negando o meu próprio “ eu” e obrigando-me a aprender a trabalhar em equipe. Sem contar que precisei amparar-me em um companheiro na hora de nadar atravessando uma represa. Sinceramente?  Eu preferia ter ficado na sede, talvez participando de um seminário não presencial de reflexão sobre direitos humanos.

Pelas verdadeiras agressões físicas por parte de oficiais da SIEsp (que, não tendo atingido seu intento de eliminar-me, do exercício, é claro, mostraram  que eu podia suportar sofrimento para além do que eu conhecia  sobre mim mesmo...). Lembro-me bem de uma surra que levei com um rolo de cartas dentro de um caminhão REO. Foi muito deprimente para a minha condição de cidadão brasileiro. Isso não é a tal “periclitação da vida”?
Depois, no Curso de Cavalaria, fui obrigado a limpar estrume da cavalhada; montar cavalos “psicóticos” que deixavam minha “mantissa” machucada, quando não me mordiam nas costelas ou me levavam –a comando – para lugares ignotos, fazendo-me sofrer depois o “bullyng”  por parte dos coleguinhas. Os muitos sustos que levei na instrução de explosivos e nos tiros de morteiro. Tudo isso deformou minha personalidade para sempre. 

Outros sofrimentos deploráveis pelos quais passei foram as repetidas vezes em que me  fizeram dirigir ou ser conduzido naqueles indefesos “jipinhos”, que nem cinto de segurança tinham. E quando “me jogavam” dentro daqueles carros blindados, ora para pilotá-los, ora para dar tiros ensurdecedores... Tudo isso prejudicou-me fisicamente, pois, até hoje, tenho a audição diminuída...e não me digam que é pela idade
avançada. Acho que, pelo tratamento desumano, mereço uma indenização, já que vivemos a época do “eu mereço”. 

Foi na AMAN que me ensinaram uma História do Exército Brasileiro com a qual convivi cerca de quarenta anos. Faziam-nos estudar, e, pior ainda, nos cobravam em provas. Embora os professores fossem oficias de elevado gabarito, acho que me ensinaram uma história falsa, haja vista que o Exército de hoje recentemente a renegou.

Foi na AMAN que eu fui forçado a cultuar um letreiro onde estava escrito “Cadetes! Ides comandar. Aprendei a obedecer.” Acho que certo estava um colega que discordava desse texto. Ele dizia: Cadetes! Ides comandar? Aprendei a comandar.” Infelizmente, esse companheiro não terminou os 4 (quatro) anos de tortura. Saiu antes do fim. 

Resumindo, sofri muito na AMAN devido ao seu arcaico sistema de ensino. Hoje, sou um subcidadão,  de personalidade deformada, rejeitado por minhas opiniões, e, como demonstra muito bem o recente aumento salarial que me foi concedido, sou um pária, com uma sensação crescente de “despertencimento” à Instituição. 

Mas com a indenização que vou pedir...vou me dar bem. 

Jorge Alberto Forrer Garcia
Coronel Reformado
Curitiba/PR