A crise decorrente da
divulgação, pelos três Clubes Militares, de um manifesto relativo às questões
suscitadas por declarações de ministras contrárias à Lei da Anistia, tendo como
pretexto a Comissão da Verdade – que nenhum militar teme, mas deseja imparcial,
buscando a verdade dos dois lados em confronto à época – trouxe à tona um
assunto adormecido: a participação militar ostensiva na vida política do País, o
que não ocorria desde a redemocratização.
A exemplo disso, cite-se
Dora Kramer, que, em 26 de fevereiro afirmou no artigo "Por quem Serra cedeu",
no jornal O Estado de S.Paulo: "Nostalgia. Os grupos de militares da reserva que
reclamaram da falta de censura por parte da presidente Dilma Rousseff às
críticas de suas ministras ao governo autoritário queriam o quê? Pelo visto,
interditar o direito à livre manifestação, num surto saudosista. Foram obrigados
a recuar, chamados à realidade de que estão fora do jogo político desde a volta
ao País à legalidade com o fim do regime de
exceção."
Como Major Brigadeiro da
reserva da Força Aérea Brasileira, com quase 42 anos de serviços prestados a
este nosso sofrido Brasil, com participação nas enchentes em Tubarão, Projeto
RADAM, muitas buscas de aeronaves perdidas, resgates arriscados, comandos como o
do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), ao qual o ITA se subordina, não poderia
deixar de comentar o tema.
A crer-se na colunista,
uma ministra dizer o que bem entende está certo; sua opinião não expressa a
opinião do governo, não compromete as posições da presidente, ainda que em
desacordo com supostas políticas governamentais ou compromissos presidenciais. O
direito de se expressar é sagrado. Mas os Clubes Militares, entidades de Direito
Civil (abertos a civis inclusive), por representarem militares não poderiam nem
pensar, e menos ainda expor, opinião que desagradasse ao presidente de plantão.
Para a jornalista, ao entrarmos para a vida militar, entraríamos na verdade num
claustro, com voto de silêncio pelo resto da vida. Toda a nossa vivência,
experiência profissional, tudo somado, não poderia contribuir para o
aperfeiçoamento institucional da Nação, não seria alerta para correções de
rumos, válvulas para controlar a pressão gerada por baixos salários,
sistemáticas campanhas de difamação etc.
E não estaríamos, assim,
diante de um desserviço ao Brasil? Ingressei na Força Aérea no início de 1965.
Convivi com mais de mil cadetes, na faixa dos 18 aos 24 anos, com aspirações,
desejos e esperanças de qualquer jovem da época. Vim de uma família pobre do
interior de Minas Gerais. Nos quatro anos como aluno e cadete, que me lembre,
ninguém foi preso, torturado ou expulso da Escola da Aeronáutica por razões
políticas. Nem a seleção para o ingresso levava em consideração critérios
políticos, apenas o mérito.
É bem verdade que além de
não termos tempo, não discutíamos muito política e nem o proselitismo político
era tolerado, como, aliás, acontece até hoje. Tudo que não se quer em país
nenhum do mundo é Forças Armadas que respondam a interesses de partidos
políticos e não do Estado. A História está repleta das consequências que isto
acarreta: Gestapo, Exércitos Vermelhos, Forças de Libertação Nacional.
Resultado: 6 milhões de judeus mortos, 65 milhões de chineses, 20 milhões de
soviéticos (inclusive 7 milhões de ucranianos mortos de fome), 2 milhões de
coreanos do norte, 2 milhões de cambojanos, 1 milhão de vietnamitas, 150 mil
entre cubanos, nicaraguenses e peruanos, 45 mil na guerra das FARC na Colômbia,
a esmagadora maioria, civis (guerra que ainda cobra seu preço em vidas humanas),
cerca de 30 mil na Argentina e 3.000 no Chile.
Aqui tivemos a
infelicidade de perder 372 brasileiros mortos ou desaparecidos, fatos atribuídos
à Revolução, e 120 pelos terroristas de esquerda. Cerca de 370 militares do
Exército participaram nas ações dos DOI - CODI, num efetivo de 150.000 homens.
Não me parece que possamos chamar isto de militarização do Brasil. Pelo menos no
que concerne à Força Aérea, a política partidária esteve de fora no período
revolucionário e assim está até hoje.
A Guerrilha do Araguaia não foi
iniciada pelos militares, mas por integrantes seniores do PCdoB e de grupos
terroristas que preferiram o conforto da cidade, mas enviaram jovens para lá.
Essa guerrilha estava sendo gestada desde 1961, antes da Revolução. Os militares
que a combateram não foram para lá como voluntários, mas no cumprimento da
missão de garantir a lei e a ordem.
A porta dos movimentos
terroristas de esquerda só tinha uma via – a da entrada, uma vez que, por
segurança, a ninguém era permitido sair vivo. Há como citar vários
"justiçados". Daí que muitos, como Zé Dirceu, trocaram de identidade, às vezes
com o auxílio das Forças de Segurança, e
desapareceram.
Este não é um quadro
edificante e teria sido melhor a nação não tê-lo vivido. Gorender, um dos
expoentes da esquerda, escreveu que não se vai à guerra para levar flores, e a
luta armada promovida pelas esquerdas não deixou dúvidas a esse respeito (ver:
http://www.myspace.com/
video/vid/61840367).
Enquanto as Forças de
Segurança do Estado evitaram ao máximo os efeitos da guerra sobre civis
inocentes, boa parcela dos mortos e mutilados, provocados por atos terroristas,
eram civis. Não jogamos bombas de napalm no Araguaia, não houve prisões em massa
– cerca de 2.000, numa população de 100 milhões.
Querer estigmatizar as
Forças Armadas, discriminar seus integrantes, atribuir-lhes crimes que não
cometeram é inaceitável. Muito se fala em Herzog, um jornalista, mas nada sobre
o operário Fiel Filho, também morto no DOPS de São Paulo. Sua morte, entretanto,
acarretou a destituição do Comandante do 4º Exército, Gen. Ednardo D'Ávila, por
Geisel, à revelia do ministro do Exército, Gen. Silvio Frota, também destituído
depois, num claro recado de que ações daquele tipo não seriam toleradas.
Os militares e civis que
fizeram a Revolução de 64 tinham um projeto para o País, incluindo-se educação.
Lembram-se dos problemas dos "excedentes"? Da falta de vagas nas Universidades?
Eu sou testemunha da dificuldade que era estudar neste interior do Brasil na
década de 1950, início da de 1960. Em todo o Sul de Minas, que eu soubesse, não
existia uma única escola pública além do primário. Meu pai foi um herói ao
conseguir manter seus sete filhos na escola; todos obtiveram diplomas de curso
superior, feito admirado pela comunidade até hoje. Saúde? Era para quem tinha
dinheiro. Comida? Recebíamos alimentos enviados pelos americanos pelo projeto
USAID.
Inflação nas alturas.
Muitos indo à falência, entre os quais meu pai. Ninguém tinha experiência em
sobreviver num ambiente inflacionário. O País no caos, com greves, manifestações
e a indisciplina incentivada nas Forças Armadas. Brasil indo célere para uma
ditadura comunista.
Havia de escolher-se um
lado: soviéticos/comunismo, ou americanos/capitalismo. O povo escolheu os
valores ocidentais e foi deflagrada a contrarrevolução, tão bem sucedida que nem
um tiro foi disparado.
Os militares nunca tiveram
como propósito se perpetuar no poder, tanto que fizeram uma transição pacífica
em 1985 e sem perder o prestígio junto aos brasileiros: permanecem com mais de
70% de aprovação em todas as pesquisas
recentes.
A Argentina destruiu seu
poder militar e agora quer discutir as Malvinas com a Inglaterra. Com que cartas
vai negociar? Já o Chile dispõe das mais modernas Forças Armadas do continente.
A História dirá com quem está a razão.
A quem interessa, passados
tantos anos, buscar este revanchismo a que estamos assistindo com "Comissão da
Verdade Oficial"? Agressões a velhinhos, muitos deles, heróis da Segunda Guerra?
O povo brasileiro quer ou precisa disso? E por que não aparecem vozes políticas
de bom senso para colocar a discussão nos devidos
termos?
Temos um embate assimétrico
em curso: de um lado, partidos radicais de esquerda, com o amparo da mídia, e a
conivência do governo, ao que parece; de outro, Instituições de Estado –as
Forças Armadas, com mais de 70% de aprovação popular. Se as Forças Armadas
reagirem, e isso pode acontecer, fatalmente teremos uma crise institucional. Ou,
então, veremos, passivamente, uma campanha sistemática de desmoralização do
poder militar brasileiro. Isto interessa ao Brasil ou é uma estratégia de poder
de um grupo político?
Afinal, para que servem as
Forças Armadas? Para garantir que cada brasileiro viva em paz em nossa terra,
objetivo alcançado e que deve ser mantido. A paz, porém, poderá ser ameaçada se
grupos radicais insistirem numa linha de
confronto.
Adenir Siqueira
Viana é Major Brigadeiro do Ar da Reserva da Força Aérea
Brasileira e professor nos Cursos de Logística e Ciências Aeronáutica da
Universidade do Sul de Santa Catarina -
UNISUL
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