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Sérgio Paulo Muniz Costa
Em uma democracia as armas não falam por si, nem o poder político por elas. São
as armas do estado que lhe garantem o monopólio da violência para proteger a
sociedade segundo a lei, a primeira delas a constituição, resultando em
inevitável desastre as omissões ou extrapolações nessa delicada construção
política que levou séculos para ser erigida. Anarquia, golpes e guerras civis ou
de agressão são os dividendos do fracasso do estado em controlar a violência,
não só aquela do “estado da natureza”, mas também a do próprio Leviatã. É
conseqüente à própria evolução e sofisticação do estado moderno que as suas
armas - as forças armadas instituídas para a defesa da pátria e as polícias para
a segurança pública - estejam integradas num complexo sistema legal que abarca
toda a sociedade. E é subjacente à democracia e ao estado de direito que haja
limites a esse monumental aparato coercitivo a que todos nós estamos sujeitos e
como cidadãos, nos limites da lei, temos o direito de conhecer e de nos
manifestarmos a respeito dele.
Nada disso está sendo levado em conta no Brasil. Depois de gestar crise após
crise com as forças armadas em dois mandatos, o núcleo de esquerda no poder
decidiu agora investir contra aqueles que se referiram à presidente como
autoridade para conter declarações oficiais e partidárias que, mais uma vez,
colocam em dúvida a finalidade da denominada comissão da “verdade”, cujos
descaminhos comprometerão o patrimônio histórico das forças armadas brasileiras.
Seria bom se a nossa sociedade prestasse mais atenção à truculência cometida
contra os clubes militares pelo governo que pretende confundir militares da
ativa com militares da reserva. Ninguém está acima das críticas, nem mesmo a
presidente da república, a quem os militares da ativa devem obediência e todos
os cidadãos devem respeito. Ao misturar crítica com desrespeito e instituição de
estado com associação de direito privado de caráter representativo,
assistencial, social, cultural, esportivo e recreativo, o governo transpôs a
linha divisória entre direito e arbítrio. Não faltará mesmo a confusão
proposital das greves e motins das polícias com a manifestação de pensamento de
cidadãos que têm o pleno direito constitucional de fazê-lo segundo os objetivos
estatutários da associação a que pertencem.
No rol das tragédias políticas do século passado o totalitarismo - nazista e
comunista - deixou lições que não podem ser esquecidas. A verdade única, a
opinião única e a vontade única foram os apanágios desses regimes, sendo o
nazista particularmente eficaz e perverso naquilo que Hannah Arendt denominou de
atomização e individualização da sociedade. No auge da sincronização, a gleichschaltung,
nenhum clube ou associação na Alemanha estava livre da infiltração de
agentes nazistas que se incumbiam de colocar as agremiações sob o controle do
partido. Ao final do processo, estava à disposição do regime um homem
massificado cuja “principal característica não era a brutalidade e a rudeza, mas
o isolamento e falta de relações sociais normais”. Bem, o resto a História
conta.
Por
aqui, cabe-nos apenas decidir qual história desejamos
escrever.
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Historiador, é membro do CPE da UFJF e pesquisador de Segurança e Defesa do
CEBRI. Foi Delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de
assessoria da OEA para assuntos de segurança
hemisférica.
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