Doze anos depois da ‘carta’, um extrato assusta o PT
O
episódio que começou com a singela opinião de um analista do banco
Santander e terminou num pedido de desculpas, na vitimização do PT e na
demissão de funcionários do banco mostra o crescente constrangimento do
debate de ideias no Brasil, já tão pobre e imbecilizado.
Dizer
que, se Dilma for reeleita, a Bolsa vai cair e o dólar vai subir é como
“prever” que o rio corre para o mar, ou que o dia amanhecerá depois da
noite.
Ao
tentar envenenar a análise clara do Santander, o PT só prova que, além
de ser mau gestor da economia, o partido está cada vez mais medroso,
mais cheio de mimimi, e mais distante da democracia.
Senhoras
e senhores, liberais e conservadores, petistas e tucanos: O dinheiro
não aceita desaforo. O dinheiro não é “amigo” de uns, nem tem antipatia
com outros. Ele não é um ente político nem partidário. Ele é um freelancer que
só busca uma coisa: retorno sobre o investimento. Boa parte do PIB
nacional já “votou” no PT em 2006 e até em 2010, uma época em que o
partido deixou a economia em paz no seu tripé e foi cuidar dos programas
sociais.
Mas,
ensinam os livros de economia, os donos do dinheiro são sujeitos
excêntricos: eles só acham possível obter retorno quando as regras são
claras e estáveis, quando a inflação está baixa, e quando o País cresce.
Infelizmente — para a Presidente Dilma, para o mercado e para o País —
seu governo falhou nos três quesitos. Nada pessoal, Presidente.
O
Santander está certo: se este governo que produz PIBinho atrás de
PIBinho e que faz com que empresários represem investimentos for
reeleito, as empresas brasileiras valerão menos, o dólar valerá mais, e a
economia continuará crescendo pouco ou nada. Isto é uma realidade
econômica, mas se você não entende o sentido da frase “não existe almoço
grátis”, nem precisa continuar lendo.
Qualquer
brasileiro pode se lixar para o valor das empresas, dar de ombros para o
valor do dólar, e não se ligar na taxa de crescimento do Brasil —
apesar das três coisas terem impacto na sua vida e na do seu vizinho — e
pode votar na Presidente Dilma. É um direito dele, assim como deveria
ser direito de um analista de banco…. analisar os incentivos dos agentes
econômicos, como fizeram os funcionários do Santander.
É
curioso que, na eleição de 2002, o então candidato Lula (então
conhecido no mercado como Satã) entendeu a importância de se comunicar
com o mercado (ainda conhecido no PT como Satã) em sua famosa “carta ao
povo brasileiro” — mais conhecida, na piada que a história consagrou,
como “carta ao banqueiro brasileiro”. Para quem não se lembra, era uma
carta em que o PT jurava que ia honrar as dívidas e não bagunçar a
economia que FHC havia acabado de consertar.
É
isto mesmo, companheiros. Saboreiem a ironia: o partido que um dia teve
a coragem de escrever uma carta pública, renunciando a 20 anos de nonsense econômico,
hoje se faz de vítima histérica de uma opinião nada controversa escrita
num reles extrato. Pior: não quer que sua política econômica passe pela
análise de profissionais de uma empresa financeira que é paga para
orientar seus correntistas.
Rui
Falcão, presidente do PT, disse ao Estadão: “O que aconteceu é
proibido, porque você não pode fazer manifestações que por qualquer
razão interfiram na decisão de voto. E aquele tipo de afirmação pode sim
interferir na decisão do voto.”
Levada
ao limite, a tese de Falcão impediria o debate político, já que
qualquer cidadão que emite uma opinião “interfere” na decisão de voto de
alguém. Se fosse assim, só nos restaria sentar e assistir à propaganda
eleitoral, aquele espaço onde existe tudo, menos verdade.
Os
esforços do PT de se fazer de vítima do mercado nessa estória revelam a
pobreza intelectual do partido, sua incapacidade de lidar com críticas e
seu oportunismo em bancar a vítima. Nos EUA, quando os democratas estão
na frente numa corrida eleitoral, os bancos frequentemente dizem que
isso é má notícia para o mercado (“vendam suas ações”), pois democratas
tendem a querer mais impostos e mais gastos. Apesar disso, não há
registro do Partido Democrata ameaçar o JP Morgan ou a Goldman Sachs de
“interferir no processo”.
Quanto
ao Santander, que assumiu o “erro” e pediu desculpas, também aprendemos
uma coisa: Nem o banco mais umbilicalmente conectado com o Governo —
com exceção dos próprios bancos estatais — conseguiu controlar uma
opinião que, de tão óbvia, passou despercebida por qualquer controle
interno.
A
postura subalterna do Santander — noves fora a covardia inominável de
demitir seu time de analistas — não é, entretanto, de se estranhar. O
banco é como o capital: só quer saber de seu retorno. É um negócio
amoral.
Já
da política se espera muito mais — o livre debate de ideias — e é
preocupante que os políticos não estejam à altura das expectativas.
No final das contas, o extrato do Santander só mostrou uma democracia com saldo negativo.
Por Geraldo Samor
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