No final do século passado, Estados Unidos e França souberam aprender com as
comemorações dos 200 anos de suas Revoluções, encontrando convergências que
dinamizaram suas sociedades e confirmaram a importância dos acontecimentos de
1776 e de 1789.
Os americanos superaram uma "falta de
autoconfiança não característica da nação" (The New York Times) e reiteraram a
confiança em seu sistema e valores.
Os franceses concluíram o repensamento da
Revolução Francesa, dela fazendo "a grande parturiente da legitimidade moderna,
a fonte épica de nossa tradição democrática" (Merquior). O Brasil, a dez anos
do bicentenário de sua Independência, tem material e desafios suficientes para
fazer o mesmo com sua História.
Colosso continental que emergiu independente e
unificado há 190 anos, o Brasil é caso único na história política das nações,
especificidade explicada pelas origens da sua formação e dinâmica da sua
evolução. Nas origens, pela coincidência do adventício miscigenador com o
autóctone de um tronco linguístico predominante na geografia não dissociadora.
Na dinâmica, por um processo de fronteira movido a adaptação e aculturamento.
Assim, o Brasil seria um país mais antigo do que estamos acostumados a pensar,
com uma cultura definitivamente mestiça, espontânea e sincrética.
Além de trazer nova vida à colônia, a
transferência para o Brasil da sede do Império português em 1808 lhe deu uma
base de poder inédita, a mais próxima da profecia do Quinto Império.
Só mesmo a cegueira do nacionalismo, no caso o
que dominou as Cortes portuguesas originadas da Revolução do Porto (1820) para
desconhecer a robustez do desenvolvimento histórico brasileiro. Em menos de dois
anos, entre a adesão de D. João 6º ao sistema constitucional (fevereiro de
1821) e o Grito no Ipiranga (7 de setembro de 1822), o Brasil assumiu seu
destino, encaminhado pelo patriotismo de José Bonifácio, pela sensibilidade da
Princesa Leopoldina e pela coragem de D. Pedro.
São essas as raízes que condicionam a evolução
política do Brasil desde a Independência e dão solidez à sua nacionalidade, as
mesmas que, no entanto, colocam formidáveis desafios ao seu desenvolvimento.
Sim, por que o Brasil se fez grande e autônomo sem ser protagonista dos grandes
acontecimentos que marcaram o Ocidente desde o século 18, parecendo-lhe natural
que assim fosse. Afastado dos grandes fluxos de capital, trabalho e bens que
cruzaram o Atlântico Norte, o Brasil se voltou para si próprio, direcionando as
energias de seus sonhos e projetos para a integração e articulação de seu vasto
interior.
Em meados do século 20 ficou claro que nos
faltava conhecimento e capital – humano e financeiro – para a empreitada e
foi-se buscar no exterior os seus sucedâneos. Dos muitos esforços dispendidos,
apenas um, depois de 150 anos, foi capaz de alterar profundamente a paisagem do
interior do país, integrar vastas porções de seu território e gerar a riqueza
muitas vezes multiplicada que foi primordial para a transformação do Brasil numa
potência econômica: a expansão da agricultura.
No momento em que se esgotava o modelo de
substituição das importações e com ele o nosso sonho da industrialização,
frustrado pelas modificações estruturais da Revolução Tecnológica e da
Informação, (a terceira que perdíamos) faltou-nos, sem dúvida, constatar que a
fortuna e o revés que experimentávamos eram faces da mesma moeda: o
conhecimento.
Hoje, falta-nos muito mais. Reconhecida a
diferença entre crescimento e desenvolvimento econômico, falta assumir que a
engenharia social centrada nas transferências de renda é acessória na
modificação do quadro de desigualdade social que vige no País. Numa conjuntura
mundial na qual o PIB se mostra menos relevante para aferir o grau de
desenvolvimento das sociedades – político, econômico, social e humano– cabe
perguntar se, quando e como vamos enfrentar a questão que causa consternação às
melhores mesas de seminários e congressos no país: a transformação do Brasil
numa sociedade baseada no conhecimento. Se uma nação é o resultado do que ela
entende como sua História, ela será o que for ensinado pelas lições que desta
souber extrair. Dez anos é tempo suficiente para se preparar mais do que uma
festa.
Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador
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