Continencia

Continencia
Caserna

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O exército e a sociedade


·         Sérgio Paulo Muniz Costa   

Do exército surgiu a nação e com o exército nasceu o estado,  respectivamente,  a representação e a organização da sociedade.  Hoje, nesta parte do  mundo onde tais verdades estão sedimentadas pela História, nação e estado   parecem  ser noções cada vez mais abstratas à maioria das pessoas, pois é como parte de uma  sociedade que elas se entendem, antes da solidariedade da nação e a despeito da  onipresença do estado.  No entanto, é impossível conceber a existência da sociedade   sem as coordenadas de tempo e espaço da nação, tampouco sem a instrumentalização  do estado, a primeira, condicionante histórica e a segunda, exigência política.
Ainda é tênue em nossa história social a consciência que “do fim do século XVI em diante o Brasil autocolonizou-se, defendendo-se por si das agressões estrangeiras” (FREYRE, 2003, p.339). Durante a Insurreição Pernambucana, ao edital holandês que mandava “todas as mulheres dos moradores que se haviam retirado com o governador João Fernandes Vieira para os matos, e andavam em campanha [...] fossem em busca de seus maridos, com seus filhos e filhas, sob pena de morte a sangue fogo” (SANTIAGO, 2004, p.234) respondeu o próprio  Vieira, ordenando que “nenhuma mulher nem outra qualquer pessoa se saia de sua casa, e aguarde todo o rigor que o inimigo lhe promete fazer, que pelo primeiro que começar em vingança lhe não hei de dar quartel a pessoa alguma de sua jurisdição [...] lhes hei de pôr o fogo e sangue.” (Ibid.). Foi o repto para a dramática vitória do Monte das Tabocas (3 de agosto de 1645), que conduziria à afirmação da nacionalidade brasílica nos Montes Guararapes, alguns anos depois.
  Cerca de cinquenta anos decorreriam da expulsão do invasor do Nordeste até a inauguração da frente de luta, no Prata, que perduraria durante o século XVIII e boa parte do XIX, forjando no continente de São Pedro uma cultura nova, mestiça, de colonos, soldados e vaqueiros, tributária de muitas geografias, açorianas, brasilienses, portuguesas e autóctone. Sob o signo dessa guerra endêmica, floresceu aí uma sociedade que fixou os limites meridionais da brasilidade, viu nascer o estado nacional e se confundiu com o exército numa tradição vitoriosa de preservação do patrimônio territorial brasileiro. Foi desse desenvolvimento histórico que surgiu a maioria dos grandes heróis militares do Brasil, o maior deles Luís Alves de Lima e Silva, patrono do Exército brasileiro, cujo título nobiliárquico serviria ao imaginário nacional para sintetizar a ideia de correção, disciplina e patriotismo na palavra “caxias”, hoje infelizmente em desuso.
O século XX assistiu o Exército enfrentar os desafios de ser um elemento de modernização da sociedade brasileira e de se transformar numa força de combate reconhecidamente eficaz. A participação da Força Expedicionária Brasileira, entre setembro de 1944 e abril de 1945, num dos teatros de operações mais difíceis da frente ocidental durante a Segunda Guerra Mundial foi um ponto marcante dessa trajetória única do Exército brasileiro. Não foi pequeno o impacto na sociedade brasileira da participação direta de milhares de pessoas no conflito na Europa, inserindo, quando de seu retorno ao país, novas ideias, técnicas e visões modernizantes. Militarmente, a participação efetiva e exitosa no conflito dotou o Brasil de uma força equipada e com experiência de combate, restaurando-lhe a hegemonia militar  no continente e concedendo à diplomacia brasileira o necessário prestígio para o protagonismo internacional que o país aspirava. 
Foi também o prestígio, mas perante a sociedade brasileira, que aspirou o Exército a mais uma intervenção no cenário político nacional, em 1964. Da articulação com as elites civis para conceder ao país a  oportunidade de um ciclo de reformas que o modernizasse estruturalmente, as lideranças do Exército fizeram prevalecer o que preconizara o General Góis Monteiro trinta anos antes: a política do Exército e não a política no Exército.  A inauguração da atual República em 1985 foi a única que não se deu por uma ruptura institucional, consumando a revolução para acabar com todas a revoluções.
O compromisso repetido perante a Bandeira há quase um século é a expressão inegável da ligação definitiva entre a sociedade brasileira e o seu exército, uma relação plasmada na formação e evolução política da nação:  
 “Incorporando-me ao Exercito tomo o compromisso de cumprir rigorosamente as ordens que receber das autoridades a que estiver subordinado, de respeitar os superiores hierarchicos, de tratar com affeição os irmãos d’arma e com bondade os subordinados, de dedicar-me inteiramente ao serviço da Patria, cuja honra, integridade e instituições defenderei, com o sacrifício da própria vida”(PFEIL, KLINGER e RODRIGUES, 1919, p. 11, o grifo é nosso)

* Historiador. Membro do CPE da UFJF, pesquisador do CEBRI e responsável pela Clio Consultoria Histórica. Autor do livro “Os Pilares da Discórdia”.

Referências
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sobre o regime da economia patriarcal. 47 ed. Recife: Editora Global, 2003.

PFEIL, João Eduardo, KLINGER, João Bertholdo e RODRIGUES, Apollonio da Fontoura. Manual do Artilheiro de Campanha, 1 v. Rio de Janeiro: Papelaria Macedo, 1919.

SANTIAGO, Diogo Lopes de. História da Guerra de Pernambuco: e feitos memoráveis do mestre de campo João Fernandes Vieira herói digno da eterna memória, primeiro aclamador da guerra. Recife: CEPE, 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário