Sérgio Paulo Muniz Costa
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“A
aplicação dos princípios de guerra por um comandante está fortemente
condicionada a fatores subjetivos de natureza psicológica, sociológica e
organizacional. Na educação e treinamento do chefe militar deve ser
levada em conta a necessidade de ele ser capaz de identificar a
realidade que o cerca em todas as suas nuances.”
Esta é a conclusão que transmite o autor, em seu estudo sobre a
concepção e a aplicação do Plano Schlieffen, modelo clássico de
aplicação dos princípios de guerra.
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INTRODUÇÃO
Os
princípios de guerra constituem um esforço de racionalização da conduta
das operações militares, sendo estudados nas escolas militares em todo o
mundo. Coube a Clausewitz o mérito de identificar esses princípios, a
partir do estudo científico que fez da guerra na obra Vom Kriege, ainda
que de uma forma menos explícita da que estamos habituados hoje em dia.
Opensamento
clausewitiano, embora pouco compreendido na sua dimensão mais
importante, a política, influenciou bastante o pensamento
estratégico-militar no final do século XIX e início do século XX.
A situação
política da Europa no final do século XIX se encaminhava para uma
guerra entre a Alemanha e uma coligação franco-russa. Os planejadores
militares alemães viram-se num pesadelo, tentando solucionar o problema
de como vencer uma coligação mais potente, lutando em duas frentes.
Duas
correntes se opunham na solução do problema. A primeira advogava uma
vitória decisiva contra o inimigo a oeste e uma atitude defensiva a
leste. Vencida a França, a Rússia e a Inglaterra, muito provavelmente,
desistiriam de lutar. A segunda defendia uma solução diferente, na forma
e no espírito. O inimigo seria contido, quebrando-se-lhe a vontade de
lutar. Para tanto, seria conduzida uma defensiva a oeste, contra a
França, enquanto a leste uma vigorosa ofensiva destruiria as forças do
Tzar, sem perigosos aprofundamentos na imensidão russa. Desgastada a
França pelo esforço infrutífero, vencida militarmente a Rússia, não
haveria espaço para a entrada da Inglaterra na guerra.
Por
razões que não cabe aqui aprofundar, a segunda opção nunca teve muita
chance após a queda de Bismarck, e a Alemanha, paulatinamente,
encaminhou-se para a busca da solução militar a oeste. Nesse contexto,
coube ao Estado Maior Alemão conceber o plano para obter essa vitória.
O PLANO
A concepção do plano era, sem dúvida alguma, brilhante. O Conde Albert von Schlieffen, substituto de Walderseena chefia do Grande Estado-Maior Alemão, foi o homem escolhido pelo destino para conceber a resposta militar à complexa questão.
Asituação estratégica impunha uma série de limitações. A fronteira franco-alemã, com aproximadamente 250 quilômetros, era relativamente pequena. A França fortificara trechos importantes da mesma, deixando a brecha de Trouée de Charmes, entre Toule Épinal,
para canalizar os ataques alemães e conduzir suas contra-ofensivas. O
ataque frontal era, nessa situação, desaconselhável. Em contrapartida, a
área de atrito considerada nessa solução incluía regiões historicamente
contestadas e bacias carboníferas, o que exerceria mais tarde uma forte
pressão sobre os estrategistas e comandantes de ambos os lados.
Do
lado alemão, como já vimos, a solução deveria ser alcançada com uma
vitória militar decisiva contra a França. Considerando as condições
acima mencionadas, o Conde Schlieffen foi buscar, no estudo da História
Militar[1], a inspiração para sua manobra.
Assim
ele concebeu um plano segundo o qual uma fraca ala esquerda alemã faria
frente, atrairia e fixaria o principal esforço francês na Lorena,
enquanto uma forte ala direita invadiria o Luxemburgo e a Bélgica,
contornaria Paris e, surpreendendo os exércitos franceses pela
retaguarda, os jogaria de encontro às fortificações da fronteira ou
Suíça.
Amanobra
estava calcada em dois pontos fundamentais. Um era a repartição de
forças entre as duas alas, e o outro o papel a ser desempenhado por
elas. Liddell Hart criou uma excelente figura para visualizarmos o
funcionamento do plano – a de uma porta giratória. Quanto maior o
impulso e engajamento do agente sobre um de seus setores, maior a
velocidade do outro às suas costas. Com efeito, o plano previa uma ação
defensiva à esquerda, considerada até o Reno, provocando um engajamento
das forças francesas que impediria sua roçada para oeste.
Oplano
original de Schlieffen previa que fossem empregadas 59 divisões na ala
direita e 9 divisões na ala esquerda, numa relação de 15% de poder entre
a ala esquerda e direita. De acordo ainda com o “princípio da porta
giratória”, quando os franceses estivessem decisivamente engajados nas
Ardenas e na Lorena, dois corpos de exército seriam roçados para ala
direita, reduzindo a percentagem a 9%[2].
A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO DE CLAUSEWITZ
Aobra
de Clausewitz enfatizou o papel preponderante que o caráter do chefe
militar deveria exercer na conduta das operações de guerra. Uma citação
pode ilustrar o pensamento clausewitiano em relação a este aspecto:
“Enquanto
esses homens estiverem animados de coragem e sua moral for boa, é raro
que um comandante tenha que desenvolver uma grande força de vontade para
prosseguir o seu objetivo. Mas logo que surgem dificuldades diretas - e
elas não podem deixar de produzir-se quando se trata de proezas que
saem fora de costume – as coisas já não andam sozinhas como uma máquina
bem lubrificada. É a própria máquina que, pelo contrário, começa a
oferecer resistência, e a necessidade de a superar exige do chefe uma
forca de vontade considerável. Essa resistência não se manifesta,
forçosamente, pela desobediência ou pela contradição, ainda que sejam
freqüentes em certos indivíduos, mas sim por uma impressão de
desmoronamento de todas as forças físicas e morais, pelo espetáculo
pungente dos sacrifícios sangrentos, que o comandante tem de superar,
primeiro, em si próprio, e seguidamente, em todos os outros que direta
ou indiretamente lhe transmitam as suas impressões, as suas sensações,
as suas preocupações e as suas aspirações. À medida que as forças dos
indivíduos deixam de existir uma após outra, que a sua vontade não é
suficiente para suscitar e manter essa força, todo o peso da inércia das
massas acaba por incidir, pouco a pouco, sobre a vontade do comandante.
O ardor do seu coração e a luz do seu espírito tem de atear
incessantemente o ardor da resolução e o brilho da esperança em todos os
outros.” [3]
Schlieffen,
formado na tradição clausewitiana, concebeu o seu plano apoiado,
primordialmente, nessa concepção do papel do chefe militar. Como Görlitz
destacou, para que o plano atingisse o seu fim, o chefe que o
conduzisse deveria manter-se impassível ante as maiores incertezas e
diversões, perseguindo até o fim a sua meta, mesmo que os russos
surgissem às portas de Berlim ou os ingleses desembarcassem em Kiel.
Essa
confiança ilimitada no chefe militar, aliada à concepção que Schlieffen
criou do moderno comandante de batalha - isolado do front numa
sofisticada seção de operações, servida por uma infinidade de meios de
comunicações, de onde os vários exércitos seriam eficientemente
conduzidos – limitou a adequada difusão do plano.
Aconfiança
inabalável do comandante levaria à vitória final. Os pólos de dúvidas,
insegurança e vacilações não precisavam ser multiplicados. Como diria Von Tappen, chefe da Seção de Operações do Grande Estado-Maior no decorrer da batalha, “os exércitos somente tinham de combater"[4].
Talvez tudo isso explique porque dentre todos os chefes de estado-maior, apenas o do I Exército, Von Khul,
estava consciente do plano, e porque a Marinha não tinha ouvido falar
nele. Uma batalha terrestre, gigantesca, conduzida por um homem de
grande energia, decidiria a questão. Era a procura da batalha na mais
alta acepção clausewitiana, que o próprio Clausewitz nunca tornara
dogmática no conjunto da sua obra.
OS PRINCÍPIOS DE GUERRA
OPlano Schlieffen é um clássico modelo da aplicação dos princípios de guerra[5].
a. Ofensiva–
Os resultados decisivos seriam alcançados pela ação ofensiva, enquanto
em outra parte da frente, ao sul, a defensiva cumpriria o papel de
aumentar-lhe a eficácia.
b. Massa – O máximo poder de combate estava previsto para ser aplicado no momento e local decisivos.
c. Economia de forças
– O mínimo de poder de combate deveria ser aplicado no ponto que não
fosse o de esforço, em benefício da obtenção da massa na ala direita.
d. Manobra – A disposição dos meios, inicial e projetada, cientificamente articulada desde a mobilização e concentração ao longo da linha Metz -Mulhouse,
garantia a superioridade relativa, levando o inimigo a atacar onde o
terreno era favorável à defensiva e atacando onde era favorável à
ofensiva.
e. Segurança –
Era garantida pela conquista e manutenção da iniciativa num setor onde
poderiam advir resultados decisivos, deixando ao inimigo a ilusão da
iniciativa no setor onde o terreno limitava as chances de decisão.
f. Surpresa –
Embora o relatório da imprensa alemã tenha alarmado a Bélgica, que
aumentou o valor de suas fortificações, o peso da ala direita alemã era o
grande fator surpresa, ou seja, a forma do golpe a ser desferido.
Foi, no entanto, a nosso ver, o princípio do objetivo [6]o mais importante na formulação, na distorção e na malfadada aplicação do plano.
Segundo
o dogmatismo clausewitiano de Schlieffen, o objetivo seria tenazmente
perseguido graças à firmeza, visão e caráter do comandante. O plano
subentendia um inabalável prosseguimento da ação planejada, a despeito
da ocorrência de inusitadas pressões, acontecimentos e contratempos.
Embora alguns autores acusem Schlieffen de não considerar o aspecto da
fricção, parece-nos que o entendimento do papel do chefe na dimensão
estratégica do plano minimizava esse aspecto.
É fácil
deduzirmos que esse plano, baseado num risco calculado de peso, exigia
uma permanente e clara priorização do “objetivo” como princípio.
O PLANO DE GUERRA NA OBRA DE CLAUSEWITZ
Mas
a influência de Clausewitz no plano Schlieffen não se limitou ao papel
do chefe militar. Vejamos alguns trechos do livro \/III - O Plano de
Guerra:
“...Continuar
a assegurar a posse do nosso próprio país é sempre uma questão que nos
toca profundamente, e os danos infligidos ao nosso próprio Estado não
podem ser sobrestimados nem por assim dizer neutralizados por aquilo que
ganhamos em troca; salvo quando esse ganho promete consideráveis
benefícios ou seja, se ele e muito maior.” [7]
"Em
conformidade com tudo que foi dito a este respeito até o presente, dois
princípios fundamentais abarcarão o conjunto do plano de guerra e
determinarão a orientação de todo o resto.
O
primeiro é o seguinte, reconduzir o peso da força inimiga a centros de
gravidade tão pouco numerosos quanto possível, a um só se for possível;
em seguida, limitar o ataque a esses centros de gravidade a um número de
empreendimentos principais tão pouco numerosos quanto possível, a um só
se for possível; enfim, manter todos os empreendimentos secundários tão
subordinados quanto possível.” [8]
"O centro de gravidade da potência francesa reside nas suas forcas armadas e em Paris. Desfazê-lasnuma ou em várias grandes batalhas, conquistar Paris e lançar o resto dos franceses para trás do Loire,
tal deve ser o objetivo dos aliados. O ponto fraco da monarquia
francesa encontra-se entre Pais e Bruxelas; deste lado a fronteira só
está a 30 milhas da capital.” [9]
Oprimeiro
trecho, considerado na parte da obra assinalada, tem relação com o
risco calculado a ser corrido com o emprego das forcas de cobertura face
aos russos a E, e a defensiva, em território alemão, face à ala direita
francesa ao S.
Osegundo
trecho é a pedra de toque do plano de guerra aconselhado por Clausewitz
e, conseqüentemente, a do Plano Schlieffen. É a formulação do princípio
do "objetivo" num nível mais elevado, o nível político e estratégico da
condução da guerra.
Oterceiro
é a inspiração da forma, redigido cem anos antes da I Guerra Mundial,
calcada no terreno, e que permaneceria válida até a II Guerra Mundial.
O QUE REALMENTE ACONTECEU
Ochefe de Estado-Maior que substituiu Schlieffen não estava à altura do nome e do antecessor. Sobrinho do lendário Helmuth Von Moltke, fora nomeado pelo imperador para que seu nome inspirasse temor nas nações inimigas. Moltkesabia
das suas próprias limitações e julgava-se impotente para a pesada
missão. O máximo que ele conseguiu foi terminar com as espalhafatosas
cargas de cavalaria do Kaiser nos exercícios táticos.
Tendo
recebido o plano de Schlieffen em 1906, ele se viu pressionado pelo
peso da responsabilidade decorrente do risco calculado a assumir e pela
importância econômica das regiões na área de atrito.
Essas
pressões acabaram por levá-lo à desfiguração do plano em 1910, quando
elevou os efetivos da ala esquerda, estabelecendo uma relação de 42%
entre as alas esquerda e direita. Além disso, estabeleceu um papel
ofensivo para a ala esquerda, desfigurando a manobra de Schlieffen.
Ao
se iniciar o conflito, outras modificações aconteceram no plano, devido
à falta de controle do Alto Comando Alemão. Inicialmente, quando
ocorreu a ofensiva francesa na Lorena, Moltke vacilou, pensando numa
decisão naquele setor e adiando a ação da ala direita. Quando retomou o
plano original, já havia empenhado na ala sul seis divisões que estavam
alocadas à ala norte. Em seguida, deslocou duas divisões para a Prússia
Oriental, retirando-as da ala direita.
De qualquer forma, embora alterado num aspecto vital – a relação de força entre as alas - o plano foi colocado em movimento. As forças alemãs irromperam pela fronteira e, após a queda Liège, fortaleza chave no sistema de defesa belga, as forças germânicas se espraiaram pelo território belga.
Amodificação
da relação de força fez com que a ala esquerda alemã não resistisse à
tentação de obter a decisão naquele setor, atacando os franceses na
Lorena. A superioridade do efetivo (25 divisões alemãs contra 19
francesas) não foi suficiente para suplantar a discrepância do
desdobramento, previsto para uma defensiva, e o contra-ataque conseguiu
colocar os franceses a coberto de uma linha fortificada. Isso permitiu
posteriormente o desengajamento de um efetivo equivalente a um exército
para a ala esquerda francesa, quando Joffre percebeu a manobra alemã. A
partir da modificação do papel da ala esquerda alemã, a manobra geral
passou a ser um duplo envolvimento, sofrendo nova desfiguração. Tropas
que deveriam ser rocadas para a ala direita não o foram.
Aansiedade
de Moltke com o relativamente pequeno número de prisioneiros franceses
tez com que ele autorizasse outras modificações no plano que, culminando
uma série de erros, seriam fatais. A idéia original do desbordamento de
Paris por oeste foi abandonada devido ao enfraquecimento da ala direita
e ao desgaste provocado pelos grandes deslocamentos, batalhas e sítios.
Além disso, o comandante do II Exército alemão, Bullow, solicitou ao I Exército alemão (Kluck) que aproximasse sua força e atacasse o Exército de Lanzerac,
que estava sendo perseguido e, por ordem de Joffre, fizera alto para
enfrentar o II Exército. Com isso, o I Exército de Kluck passaria a E de
Paris deixando o flanco direito exposto à guarnição militar da cidade.
Quando essa oportunidade se deu, Joffre ordenou o contra-ataque
que forçou nova mudança da frente e, com isso, um vazio entre os I e II
Exércitos alemães. Por aí começaram a avançar as colunas britânicas que
até então estavam em retirada.
Aatuação
do Tenente-Coronel Hentsch como representante de Moltke, nesse momento
crítico da batalha nos é bastante útil para analisarmos o papel do chefe
militar. Liddell Hart afirma que o Tenente-Coronel Hentsch, chefe da
Seção de Informações do Estado-Maior, chegou no dia 3 de Setembro de
1914 ao QG do I Exército com más notícias, falando que os VI e VII
Exércitos estavam detidos face a Nancy - Épinal, o IV e V enfrentavam
grande resistência, os franceses rocavam tropas da sua ala direita para
Paris, os ingleses efetuavam grandes desembarques de tropas no litoral
belga e um corpo expedicionário russo se aproximava. No dia 5, Hentsch
foi enviado como representante confidencial junto aos I e II Exércitos, a
7, ele enviou uma mensagem a Moltke dizendo que ambos os exércitos
estavam fortemente pressionados.
No
dia seguinte, 8, Hentsch foi enviado uma segunda vez com ordens
precisas que estipulavam que, se fosse "absolutamente necessário” [10]o
I Exército se retiraria para a linha Soissons-Fismes, a fim de retomar
contato com o II Exército. Hentsch projetou um quadro muito desfavorável
da situação do I Exército para Bullow, o comandante do II Exército. No
dia seguinte, 9 de setembro, Bullow resolveu ordenar a retirada do II
Exército, informando a Kluck. Kluck e seu chefe de estado-maior, Von
Khul, discordavam da retirada. Hentsch, que viajara durante todo o dia 9
em melo ao caos da retirada do II Exército, chegou, na noite de 9, ao
QG do l Exército e ordenou a Von Khul a retirada do I Exército,
valendo-se da grande autoridade de um representante do Estado-Maior
sobre o chefe de estado-maior de um comando subordinado. S6 uma
personalidade excepcional no comando do I Exército teria condições de
arrostar a autoridade de Hentsch e arrastar o II Exército ao combate. O
comandante do I Exército nem tinha visto Hentsch e tomou conhecimento da
ordem quando ela já tinha sido expedida.
Aimprovisada
transformação do papel da ala esquerda redundara em fracasso contra
Tour e Épinal. O fracasso da enfraquecida ala direita, depois de uma
série de improvisações, colocou fim ao Plano Schlieffen.
A descrição
sumária dos acontecimentos permite-nos inúmeras conclusões sobre a
cadeia de comando, o desdobramento das tropas alemãs, o controle
exercido pelo escalão superior e o papel que certos homens desempenharam
acidentalmente na História. No entanto cabe-nos alertar que a descrição
não tem essa finalidade. Ela se presta apenas ao entendimento da
transfiguração do plano Schlieffen, de maneira geral. Para quaisquer
conclusões específicas sobre a batalha do Marne, recomendamos um
aprofundamento nas obras de Liddell Hart, J.C. Fuller, Walter Görlitz e
respectivas fontes, coincidentes em muitos pontos, mas com inevitáveis
divergências sobre qual teria sido o fator preponderante do milagre do
Marne.
CONCLUSÃO
Aanálise
dos acontecimentos, das influências sobre eles exercidas e de suas
conseqüências permite-nos algumas conclusões. Num nível mais elevado,
podemos apontar que Schlieffen, fechado no seu hermetismo profissional,
não identificou, na conjuntura que o cercava, a impossibilidade de um
chefe do Estado-Maior alemão desempenhar, de forma direta, na Alemanha
de Guilherme II, o papel que lhe fora reservado no plano, o papel
preconizado por Clausewitz, inspirado nas façanhas prussianas da Guerra
dos Sete Anos.
O tamanho
dos exércitos, a necessidade de grande coordenação entre as suas ações e
a estrutura da cadeia de comando eram, só para falarmos das
condicionantes militares, as principais diferenças entre os tempos de
Schlieffen e Seydlitz. Além disso, havia uma instituição, o Immediatvortrag [11], que gerou um canal paralelo de comando entre os chefes de estado-maior, em detrimento dos comandantes.
Ao
conceber detalhada e antecipadamente aquela vasta operação militar,
Schlieffen deveria ter efetivado algumas medidas paralelas que
garantissem, naquela conjuntura, a irradiação da vontade do chefe
militar, através de um eficiente mecanismo de controle, sem que isso
significasse, necessariamente, centralização do comando ou cerceamento
da iniciativa doa comandos subordinados.
Reconhecemos
que algumas dessas medidas poderiam extrapolar a competência do chefe
do Estado-Maior no contexto da confusa estrutura político-militar alemã.
No entanto, a previsão de grandes comandos enquadrantes de exércitos de
campanha teria reduzido o caos na realização do plano.
Foi,
portanto, de grande profundidade a observação de Aron ao se referir ao
"novo dogmatismo de Schlieffen”. Um plano brilhante, utilizando a forma
da ação indireta, tão celebrada por Liddell Hart, colocou a chave do
sucesso de uma gigantesca batalha decisiva numa questão inteiramente
fora de seus limites - a personalidade do chefe militar que conduziria a
operação. Esse dogmatismo impediu a sã aplicação de um plano
magnificamente concebido.
Quando
chegou o momento de colocar em prática o plano, o problema
constituiu-se, em essência, na dicotomia entre o elevado papel reservado
ao chefe do Estado-Maior Geral no plano e a estrutura de cadeia de
comando para executá-lo, que incluía a personalidade do comandante o
mecanismo de controle disponível.
Essa
grande diferença poderia ter sido reduzida através de uma consistente
explanação do objetivo do plano aos comandantes de exércitos e chefes de
estados-maiores, antes da sua execução, uma judiciosa seleção dos
encarregados das decisões e um acompanhamento mais cerrado da evolução
da situação.
Nada
disso, no entanto, substituiria o papel fundamental que um
comandante-em-chefe deveria desempenhar. Sobre ele continuariam a pesar
enormes responsabilidades, para as quais deveria estar preparado, fosse
ele o Kaiser, o Chefe do Estado-Maior, o Ministro da Guerra ou o Chefe
de Gabinete Militar. O entendimento do papel do chefe
militar, segundo Clausewitz, continuava válido. No entanto, deviam ser
garantidas as chances mínimas de ele desempenhá-Io.
Essas
chances eram reduzidas pelo enfraquecimento da autoridade dos
comandantes em todos os escalões. O plano, cientificamente concebido e
executado por técnicos militares, deveria substituir o comandante. Desde
os mais altos escalões do Exército alemão não estava muito claro quem
realmente comandava. Essa foi, a nosso ver, a causa estrutural do
fracasso alemão na batalha que poderia ter decidido a I Guerra Mundial.
Tanto é assim que, se fosse oferecida a um observador imparcial a escolha entre um chefe como Ludendorfe
a efetivação das medidas de comando e organizacionais preconizadas por
vários historiadores para conduzir as forças germânicas à vitória em
1914, não temos dúvida que a escolha do chefe prevaleceria.
Éinteressante
observar que notáveis progressos se fizeram sentir nas forças alemãs em
relação a esses aspectos, antes e durante a II Guerra Mundial. Assim,
foi criado um Alto Comando das Forças Armadas (OKW), que coordenava as
ações das forças singulares; o Immediatvortragfoi definitivamente
extinto quando o Estado-Maior foi reorganizado em 1935 e tornou-se
corrente o enquadramento dos exércitos de campanha em grupos de
exércitos. Finalmente, cabe observar que foram comandantes como Guderian, Mainstein, Rommele
não um cientificismo impessoal abrangente que conduziram as tropas
alemãs às expressivas vitórias na França, Rússia e África do Norte.
Infelizmente,
como essas medidas se deram sob o nazismo e foram o veículo da fusão do
Exército alemão com o Estado nazista, elas são analisadas
exclusivamente sob o ponto de vista político, não sendo levado em conta
que havia forte razões na história militar recente da Alemanha para que
fossem(1a para que fossem efetivadas.
Essas
conclusões parciais aplicadas ao estudo histórico do Plano Schlieffen
nos facultam conclusões importantes aplicáveis à nossa realidade.
Aaplicação
dos princípios de guerra por um comandante está fortemente condicionada
a fatores de natureza psicológica, sociológica e organizacional. Na
educação e treinamento do chefe militar deve ser levada em conta a
necessidade de ele ser capaz de identificar a realidade que o cerca em
todas as suas nuances.
Desde
a concepção do seu plano de operações, atém do aspecto técnico do
planejamento, o chefe militar deve avaliar corretamente a estrutura da
cadeia de comando a seu dispor, a capacidade dos quadros e da tropa, o
papel dos homens-chave e os meios de ligação. Deva perguntar a si mesmo
se a própria vontade, amparada na sua concepção do objetivo, poderá ser
projetada vertical e horizontalmente nas suas forças dispostas no campo
de batalha. Se tudo isso puder ser atendido, aí s1m, “o ardor do seu
coração e a luz do seu espírito atearão incessantemente o ardor da
resolução e o brilho da esperança em todos os outros".
BIBLIOGRAFIA
ARON, Raymond. Pensar a Guerra, Clausewitz. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986.
CLAUSEWITZ, Carl Vom. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
CRAIG, Gordon. The Politics of the Prussian Army: 1640-1945. London, Oxford, New York: Oxford University Press, 1955.
EME. Instruções Provisórias: Operações. Brasilia, 1973.
FULLER, J.F.C. Les batailles Decisives du Monde Occidental. Vol. 3. Paris: Berger Levrault, 1983.
GÖRLITZ, Walter. O Estado-Maior Alemão: sua história e estrutura 1657 -1945. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1955.
HART, Liddell. As Grandes Guerras da História. 2ª ed. São Paulo: IBRASA, 1967.
NOTAS
[1] Alguns autores, como Gordon Craig e Raymond Aron, apontam a batalha de Canas, travada em 216 a.C.,
entre romanos, comandados por Paulo e Varro (60 mil homens) e
cartagineses, comandados por Aníbal (37 mil homens), que resultou num
massacre dos romanos, duplamente envolvidos pela tropa de Aníbal.
Fuller, no entanto, indica que a verdadeira inspiração veio do estudo da
batalha de Leuthen, travada em 1757 entre tropas prussianas (36 mil
homens), sob o comando de Frederico II, e tropa austríaca (70 mil
homens), que passou à História como exemplo clássico da aplicação da
ordem oblíqua.
[2]A
questão dos efetivos das alas no Plano Schlieffen comporta algumas
discrepâncias. Liddell Hart fala em 72 divisões, 53 na ata direita, dez
para a fixação em Verdun e nove na ala esquerda. Fuller cita 59 divisões
na ala norte e nove divisões na ala sul.. Görlitz indica que a
proporção de forças da ala esquerda alemã (sul) para a direita (norte)
foi alterada de 1/7, conforme previsto no Plano Schlieffen, para 1/3 na
execução concebida por Moltke.
[3] CLAUSEWITZ, Carl Von. “O gênio guerreiro”, in Vom Kriege, 1ª Ed. São Paulo, Martins Fontes Editora, 1979, L I, Cap. III, p. 111.
[4]
GÖRLITZ, Walter. “Guerra sem generais”, in O Estado-Maior Alemão, Rio
de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1956, Vol. I, Cap. VII, p. 250.
[5] “São
preceitos fundamentais que governam a execução da guerra. Sua aplicação
adequada é essencial ao exercício do comando e à execução bem sucedida
das operações militares. Tais princípios são inter-relacionados e,
dependendo das circunstâncias, tendem a se reforçar ou a colidir entre
si. Consequentemente, a aplicação de qualquer princípio varia com a
situação.” (EME – Instruções Provisórias – Operações – Edição 1973, Cap.
5, Princípios da Guerra e Conceitos Operacionais. Art. I –
Generalidades – p. 5-2).
[6]
“Toda operação militar deve ser dirigida para um objetivo militar
claramente definido, decisivo e atingível. O objetivo militar final da
guerra é a destruição do poder de combate da força armada do inimigo. O
objetivo de cada operação deve contribuir para este objetivo final. Cada
objetivo intermediário deve ser tal que sua conquista permita atingir
mais direta, rapida e economicamente a finalidade da operação. A seleção
de um objetivo baseia-se na consideração da missão, dos meios
disponíveis, do inimigo e da área de operações. O comandante deve
compreender e definir claramente seu objetivo, bem como compreender, à
luz deste, cada ação a realizar." (EME Instruções Provisórias -
Operações - Edição de 1973 – Cap. 5 - Princípios da Guerra e Conceitos
Operacionais. Art. II - Princípios da Guerra – Pág. 5-3).
[7]CLAUSEWITZ,
Carl Von. "Objetivo limitado. Guerra ofensiva", in Vom Kriege, 1ª Ed.
São Paulo: Martins Fontes Editora, 1979. Livro VIII, Cap. IX, Pág. 746.
[8] Ibdem, Cap.IX, Pág. 753.
[9] Ibdem Pág. 772.
[10]
Hentsch não possuía ordens escritas, mas sim verbais e declarou mais
tarde: “Le Chef de L´état-major general me donne le pouvoir d´ordonner,
si nécessaire, aux cinq armées de se replier de l´autre coté de la
Vesle, le long des hauteurs au nort de l´Argonne...On me confia la
mission de donner l´ordre de retraite, s´il fallait, aux armées sur la ligne Sainte Menehould – Reims - Fismes – Soissons. On me donna les pleins pouvoirs pour donner du orders au nom du Commandement supreme”. (FULLER, 1983, p. 97).
[11]
O Immediatvortrag era o direito do Chefe do Grande Estado-Maior
d1r1gir-se, mesmo em tempo de paz, ao Supremo Lorde da Guerra, o
Imperador. Foi assegurado através de uma ordem especial do Gabinete
Militar em 1883 (v1de o EM Alemão de Walter Görlitz). Esse princípio
tornava os chefes de Estados-Maiores responsáveis pelos conselhos que
davam aos seus comandantes. Foi uma maneira engenhosa de garantir a
condução operacional da guerra pelo profissionalismo do Estado-Maior
Geral, personificado no seu chefe. Era um paliativo para a confusão da
estrutura político-militar germânica do século XIX.
Edição revista em dezembro de 2012 da publicação original do número 745, setembro-outubro de 1989, A Defesa Nacional, Rio de Janeiro.