- Publicado em Segunda, 03 Dezembro 2012 20:10- Diário do Comércio
- Escrito por Sérgio P. Muniz Costa
Democracia e
capitalismo são processos de solução de conflitos nascidos da prática cotidiana,
como apontou Antônio Delfim Netto, em artigo de 1995, na Gazeta Mercantil, a
respeito da inescapável vinculação entre a liberdade política e a
econômica.
Hoje, quase duas décadas após os três
acontecimentos que assinalaram a retomada do desenvolvimento pelo País – o
episódio do impeachment presidencial, o equacionamento da dívida externa e a
criação do Plano Real – é tempo de avaliar até onde o Brasil avançou na grande
convergência sancionada pela História: capitalismo, democracia e
desenvolvimento.
Embora demonstrada empiricamente, só há pouco
tempo essa aliança se tornou evidente e livre de contradições.
O desenvolvimento, o mais recente parceiro da
tríade, foi esgrimido por totalitarismos e autoritarismos, e suscitou enorme
fascínio estatista sobre os governos democráticos.
O alerta veio de um dos expoentes da escola
austríaca de economia, Friedrich Hayek, segundo quem a política da liberdade
para o indivíduo é a única que de fato conduz ao progresso.
Os outros dois, capitalismo e democracia,
acenderam polêmicas em torno da propriedade e do Estado, do privado e do
público, da liberdade e da igualdade. Também aí o curso da História se
encarregou de resolver a questão, na medida em que aquilo que ainda incomodava
Marx (...) a contradição entre o privado e o público, típica dos estados
iniciais da era moderna, foi um fenômeno temporário que trouxe a completa
extinção da própria diferença entre as esferas privada e pública, a submissão
de ambas na esfera social" (Hannah Arendt).
José Guilherme Merquior encontrou em Norberto
Bobbio a convicção de que a "teoria liberal do Estado limitado – limitado ao
mesmo tempo pelas garantias individuais e pelos controles institucionais –era
uma barreira não apenas para a monarquia absoluta, mas também para qualquer
outra forma de governo". Segundo o próprio Bobbio,"toda democracia genuína é
necessariamente uma democracia liberal".
Foram inteligências desse porte que nos
mostraram a conciliação entre liberdade e igualdade, que fez do
desenvolvimento a resultante moderna do capitalismo e da democracia. E em Hayek
temos a fórmula política dessa convergência: "criar as condições favoráveis ao
progresso, ao invés de planejar o progresso".
Se esse nexo teórico soar inútil a um eu cívico
dissipado na egolatria, convém colimar a pessoa que pensa, age e trabalha
sempre em função de outras pessoas, qualquer seja sua condição de poder,
conhecimento ou riqueza. Por esse viés, a ação humana se reparte entre a
certeza e a perspectiva. Na primeira, milita o homem das instituições, do
amálgama social, o agente da ordem, o produto do consenso.
Na segunda, age o homem que cria, inova e
questiona, associado à mudança, inerente à incerteza.
Nossa individualidade acopla esses hemisférios;
mas socialmente a prática existencial nos remete a uma ou outra, donde resulta
a complementaridade. Mas prevalece a perspectiva –da inovação, da geração de
riqueza e da mudança –sobre a certeza.
Em um mundo globalizado é difícil falar em
Estado mínimo. Mas o Estado essencial à sociedade brasileira está sendo
inviabilizado pela fórmula do Estado impossível: tudo se quer no Estado e
tudo se espera do Estado.
É imprescindível ao desenvolvimento da
sociedade brasileira que ela recupere o ethos da liberdade, para superar as
contradições que a História já solucionou.
A alternativa é ficar à margem da
História.
O difícil é aceitar que essa inflexão depende
menos do Estado do que de nós mesmos.
Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador
Nenhum comentário:
Postar um comentário