Escrito por Sérgio Paulo Muniz Costa
A História, fonte de conhecimento para tantas
ciências sociais, é um caminho para a compreensão dos acontecimentos. Hoje,
dispomos de muitas referências históricas para o entendimento das estruturas
políticas contemporâneas, mas o megaestudo de caso das patologias sociais que
ainda inquieta corações e mentes do século 21 é o que ocorreu na Alemanha há
oitenta anos, o mais documentado episódio da era dos equívocos. Uma combinação
trágica de voluntarismo com populismo.
O historiador Joachim Fest conta a resposta do
indivíduo central dessa tragédia quando pediram a ele que considerasse a paz com
a União Soviética, no outono de 1943: "Sabe, Ribbentrop, se eu entrar em acordo
com a Rússia hoje, acabo declarando guerra novamente amanhã – esse é meu jeito".
No caso, o "jeito" de Hitler significou a maior destruição da Europa do Leste
desde a invasão mongol do século 13.
Um outro biógrafo de Hitler, Ian Kershaw, mostra
como "planejadores, organizadores, teóricos da dominação e os tecnocratas do
poder na liderança das SS viram a Polônia como um playground experimental" e,
junto com políticos, servidores públicos "inventivos", oficiais e soldados,
foram mortalmente eficazes na convicção de estarem "trabalhando para o Führer" –
o que se explica naquilo que Renzo de Felice identificou como o "mito do chefe",
essencial para um "regime político de massa".
Povos se agitam e entram em conflito pelo que
lhes parece justo. Como as pessoas, acertam e erram – mas como coletividades,
seus acertos e erros são incomensuravelmente mais extensos e profundos à luz da
História. Hoje, após muitos desastres, nossa civilização vive a pretensão de
evitar o mal antes que se consume.
A devastação moral da Alemanha nazista ensina que
não há equívoco atribuível a um só indivíduo, nem coletividades inocentes
perante os infortúnios que ocorrem. O caso alemão foi um exemplo extremo de
como energia, capacidade e determinação de um povo podem causar tanto mal.
Mais importante é a lição daí extraída: não há
povos melhores do que outros a ponto de não correrem risco de errar. Com suas
crenças, rivalidades e vulnerabilidades, todos estão sujeitos ao erro e a única
coisa que parece diminuir sua extensão é o medo de cometê-lo.
O medo de errar fez da política também a arte de
causar o menor mal possível, a nós e aos outros. Na organização das sociedades
isto tem nome: instituições. Povos que souberam promover sua liberdade,
segurança e prosperidade trataram de construir, em primeiro lugar, a forma de se
governar de acordo com a lei a ser obedecida por quem vai governar.
Essa instituição, a primeira de todas, tem nome:
Constituição.
O que a História ensinou nesta parte do mundo é
que o governo não faz a Constituição: cumpre-a. Isto também tem nome:
democracia. Portanto, quando o mito do chefe supera as instituições, a
democracia está em risco.
É o que está acontecendo no Brasil. O partido
político que governa o País há quase uma década se recusa a acatar o julgamento
do Supremo Tribunal Federal sobre a prática política que o envolve no maior
escândalo de corrupção de nossa história. Essa afronta às instituições, à
Constituição e à democracia é justificada no discurso petista pelas "mudanças"
que Lula teria promovido no País. O que a militância petista não percebe é que
esse discurso coloca seu líder em estranha posição (que ele negou muitas vezes),
semelhante à de um certo cabo Adolfo que mudou a Alemanha à custa de suas
instituições, Constituição e democracia.
Em relação ao julgamento dos golpistas de
Munique em 1924, como asseverou John Toland, "o sentido político das acusações
[...] contra Hitler, Ludendorff e mais oito acusados ultrapassava de muito o
destino pessoal de cada um dos réus. A nova república e a democracia também
estavam em julgamento".
Acossada por todos os lados, a República de
Weimar deveu sua sobrevida também à condenação de alguns dos responsáveis pelo
Putsch, o principal deles Hitler, que, no entanto, sairia da prisão antes do
prazo de detenção, ovacionado como herói graças à propaganda e à intimidação
à Suprema Corte da Baviera.
Está fora de questão que esta República no Brasil
se deixe intimidar, uma tentativa que deve causar a mais viva indignação à
sociedade e, muito particularmente, aos militantes do PT.
Afinal, o precedente histórico também tem nome:
fascismo.
Sérgio Paulo Muniz Costa é
historiador
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