Ives Gandra da Silva Martins * - O Estado de S.Paulo
A preferência da presidente Dilma Rousseff pelos regimes
bolivarianos é inequívoca. Basta comparar a forma como tratou o Paraguai - onde
a democracia é constitucionalmente mais moderna, por adotar mecanismos próprios
do sistema parlamentar (recall presidencial) - ao afastá-lo do Mercosul e como
trata a mais sangrenta ditadura latino-americana, que é a de Cuba.
A presidente do Brasil financia o regime cubano com dinheiro que
melhor poderia ser utilizado para atender às necessidades do Sistema Único de
Saúde (SUS), dando-lhe maior eficiência em estrutura e incentivos.
Em período pré-eleitoral, Dilma Rousseff decidiu trazer médicos
de outros países para atender a população do interior do Brasil, sem oferecer,
todavia, as condições indispensáveis para que tenham essas regiões carentes
hospitais e equipamentos. Empresta dinheiro a Cuba e a outros países
bolivarianos, mas não aplica no nosso país o necessário para que haja assistência
gratuita, no mínimo, civilizada.
O cúmulo dessa irracional política, contudo, parece ocorrer na
admissão de 4 mil agentes cubanos, que se dizem médicos - são servidores do
Estado e recebem daquela ditadura o que ela deseja pagar-lhes -, para os instalar
em áreas desfavorecidas do Brasil, sem que sejam obrigados a revalidar seus
títulos nos únicos órgãos que podem fazê-lo, ou seja, os Conselhos de Medicina.
Dessa forma, trata desigualmente os médicos brasileiros, todos
sujeitos a ter a validade de sua profissão reconhecida pelos Conselhos
Regionais, e os estrangeiros que estão autorizados exclusivamente pelo governo
federal a exercer aqui a medicina.
O tratamento diferencial fere drasticamente o princípio da
isonomia constitucional (artigo 5.º, caput e inciso I), sobre escancarar a
nítida preferência por um regime que, no passado, assassinou milhares de
pessoas contrárias a Fidel Castro em "paredóns", sem julgamento, e
que, no presente, não permite às pessoas livremente entrarem e saírem de seu
país, salvo sob rígido controle. Pior que isso, remunerará os médicos cubanos
que trabalharem no Brasil em valores consideravelmente inferiores aos dos
outros médicos que aqui estão. É que o governo brasileiro financiará, por
intermédio deles, o próprio governo de Cuba, o qual se apropriará de mais da
metade de seu salário.
Portanto, a meu ver, tal tratamento diferencial fere a
legislação trabalhista, pois médicos exercendo a mesma função não poderão ter
salários diversos. O inciso XXX do artigo 7.º da Constituição federal também
proíbe a distinção de remuneração no exercício de função.
Acontece que pretende o Estado brasileiro esquivar-se do
tratamento isonômico alegando que acordo internacional lhe permite pagar
diretamente a Cuba, que remunerará seus médicos com 25% ou 40% do valor que os
outros médicos, brasileiros ou não, aqui receberão.
É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de
que os tratados entram em nosso ordenamento jurídico como lei ordinária
especial, vale dizer, não podem sobrepor-se à Constituição da República, a não
ser na hipótese de terem sido aprovados em dois turnos, nas duas Casas
Legislativas do Congresso Nacional, por três quintos dos parlamentares
(parágrafo 3.º do artigo 5.º da nossa Lei Maior).
Ora, à evidência, o acordo realizado pelo governo brasileiro não
tem o condão de prevalecer sobre a nossa Carta Magna, por ter força de lei
ordinária especial, sendo, pois, de manifesta inconstitucionalidade. Francisco
Rezek, quando ministro do STF, certa vez, a respeito da denominada "fumaça
do bom direito", que justifica a concessão de liminares contra atos ou
leis inconstitucionais, declarou, em caso de gritante inconstitucionalidade,
que a fumaça do bom direito era tão grande que não conseguia vislumbrar o rosto
de seus pares colocados na bancada da frente. Para a manifesta
inconstitucionalidade do ato a imagem do eminente jurista mineiro calha como
uma luva. O tratado do Brasil com a ditadura cubana fere o artigo 7.º, inciso
XXX, da Constituição federal.
O que me preocupa, no entanto, é como uma pequena ilha pode
dispor de um número enorme de "médicos exportáveis", que, se fossem
bons, não deveriam correr nenhum risco ao serem avaliados por médicos
brasileiros dos Conselhos Regionais, e não por funcionários do governo federal.
Pergunto-me se tais servidores cubanos não terão outros
objetivos que não apenas aqueles de cuidar da saúde pública. Afinal quando
foram para a Venezuela, esse país se tornou gradativamente uma semiditadura, na
qual as oposições e a imprensa são sempre reprimidas.
E a hipótese que levanto me preocupa mais ainda porque foi a
presidente guerrilheira e muitos de seus companheiros de então haviam sido
treinados em Cuba e pretendiam impor um governo semelhante no Brasil, como
alguns deles afirmaram publicamente.
Tenho a presidente Dilma Rousseff por mulher honesta e
trabalhadora, embora com manifestos equívocos em sua política geradora de alta
inflação, baixo produto interno bruto (PIB), descontrole cambial e déficit na
balança comercial e nas contas externas. O certo, contudo, é que a sua
preferência pelos regimes bolivarianos e a sua aversão ao lucros das empresas
talvez estejam na essência de seu comportamento na linha ora adotada.
Respeito a presidente da República eleita pelo povo, mas tenho
receio de que suas preferências ideológicas estejam na raiz dos problemas que
vivemos, incluída a importação de agentes públicos de Cuba que se intitulam
médicos.
*Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das
universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de S. Paulo,
das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército e Superior de Guerra, é
presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP, fundador e
presidente honorário do Centro de Extensão Universitária.