Sérgio Paulo Muniz Costa *
Deve ser muito difícil para autoridades,
políticos e formadores de opinião que sabem o que realmente está acontecendo no
País ficarem calados ou virem a público para declararem as platitudes de
conveniência com que nos brindam nesses dias de tumulto que vivemos. Tanto
quanto as suas atribuições institucionais, serão as suas consciências
individuais que lhes dirão como lidar com isso. Isso não nos subtrai o direito
de apreciar autonomamente o que ocorre, mesmo desconfiando que jamais se saberá
o que realmente aconteceu por detrás da violência que tomou as cidades brasileiras.
A palavra de mobilização já estava no ar
semanas antes de os protestos começarem, chegando aos nossos lares com uma
desfaçatez chocante. O que se seguiu
foram manifestações sincronizadas nos lugares emblemáticos da paisagem
cívico-institucional de várias capitais brasileiras, depredando patrimônio
público e privado de forma nunca antes ocorrida, enfrentando com desenvoltura tropas
de choque da polícia e se justificando amplamente num discurso uníssono que
parte de redações e universidades.
Portanto, o que está nas ruas não é
espontâneo, é profissionalmente dirigido; não é pacífico, é factualmente
destrutivo; não é reformista, é assumidamente revolucionário, e cada uma dessas
antinomias expressa bem os caminhos que temos pela frente: a reafirmação da
democracia ou o eclipse desta República, sem sabermos o que a substituirá. O
assalto à Praça dos Três Poderes na noite de 20 de junho tem um significado
grave para a História do Brasil. Cabe a nós, brasileiros, dizer qual será ele,
e não aos desajeitados analistas gringos ou à expertise trotskista que vem do exterior.
O oxigênio que alimenta essa convulsão
social tem diversos componentes: a degeneração da política partidária, o
sectarismo que tomou conta da sociedade, a deterioração das condições de vida
nas cidades; e o autoritarismo e arbítrio estatal na vida social. É consensual
que esses fatores geraram uma insatisfação surda e generalizada, mas não é
razoável admitir que tenham deflagrado o que se assiste. Seria confundir causas
com condicionantes, objetivos com circunstâncias e, mais do que tudo, vontade
com oportunidade. A chama que acendeu o desatino que varre o País está numa
vontade política que tem por objetivo a tomada do poder e essa simplicidade que
se esconde em fingidas perplexidades precisa ser assumida urgentemente pela
sociedade brasileira.
Os acontecimentos em curso no Brasil nos
remetem a cinco ou seis décadas atrás, quando se plantou a crise que culminaria
no fim da República de 1946. Dado o seu polimorfismo e infinidade de agentes e
fatores, a História não se repete, mas se existe um aspecto comum a essas
conjunturas políticas difíceis é a incontida vontade de poder de um homem cujos
áulicos não mediam (ou não medem) as consequências dos atos para atingir seus
objetivos.
Muitas perguntas foram feitas nesses últimos
dias, mas diante de um silêncio e de uma inoperância insustentável começa a
tomar forma a pergunta que poderá responder a muita coisa perante a História.
De que lado está o governo?
*
Historiador
Nenhum comentário:
Postar um comentário