Continencia

Continencia
Caserna

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Reflexões ao longo de 2011 - 2º Tema


O Salto


Sérgio Paulo Muniz Costa*


  “A indexação que transforma a ortodoxia antiinflacionária numa luta inglória não é a que espontaneamente se desenvolve nos mercados, mas a que é patrocinada pelo próprio governo”. Foi assim que Mário Henrique Simonsen concluiu o artigo (A longa memória da inflação, Gazeta Mercantil, 3 de abril de 1995) no qual saudava o então recém implantado Plano Real, mas alertava para o “ovo da serpente” da indexação que não acabara “de fato” e que poderia “renascer a qualquer choque inflacionário”.
  A inflação no Brasil prognosticou bons e maus momentos da história do país nos últimos sessenta anos. Inercial ou de demanda, não importa o diagnóstico certo ou errado do momento, a inflação no Brasil pós-Segunda Guerra é mais efeito do que causa. A brutal inflação de 1923 na Alemanha resultou da resistência a uma dívida de guerra impagável e há quem diga que esse “modelo” inspirou o Brasil a partir de 1986 diante de uma dívida externa até então inegociável. Nos dois casos, independentemente de até onde tenha funcionado, a hiperinflação foi o efeito de revezes externos: a derrota da Alemanha na Primeira Guerra e, no caso do Brasil, a brusca interrupção de um surto de desenvolvimento de mais de trinta anos.
  Até então, o processo de industrialização dos países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, facultava uma apropriação tecnológica mais ou menos extensiva que sinalizava um futuro “emparelhamento” com as economias mais desenvolvidas, não somente em termos produtivos, mas principalmente nas modificações sociais decorrentes da urbanização e da ascensão de uma classe trabalhadora mais instruída e melhor remunerada. O conhecimento era reproduzível nas sociedades em desenvolvimento com efeitos diretos na geração e distribuição de riqueza.
Apanhado no contrapé por duas crises do petróleo do qual dependia umbilicalmente, por uma explosão de juros da dívida externa e pelo surgimento de produtos de alta concentração de capital e conhecimento que desvalorizaram suas exportações e oneraram exponencialmente suas importações, o Brasil sofreu o que pode ter sido o maior revés de sua História, experimentando então uma série de recessões, espirais inflacionárias e, como não poderia deixar de acontecer, uma crise social endêmica. Muito mais do que uma crise de superaquecimento. 
Passados outros trinta anos, é onde estamos, não importa a quem o oportunismo político da hora acuse pela “herança maldita”.   De NIC (Newly Industrialized Countries) passamos a BRIC, e a janela de oportunidade da estabilização econômica vai se fechando à medida que sonhos e esperanças de modernização do país se esvaem na cristalização de uma situação perversa mitigada por uma engenharia social focada nas conseqüências e não nas causas. Se não deixar a condição de produtora primária movida a mão-de-obra pouco capacitada para um patamar de produção baseado no conhecimento de categorias profissionais educadas e instruídas, a economia brasileira continuará estruturalmente frágil, promovendo mais iniqüidade e mantendo o país na irrelevância. 
A polêmica sobre escolas no país está à altura da esterilidade do debate sobre o desenvolvimento que, salvo melhor juízo, deveria ser essencial para a sociedade brasileira. Há quase dois séculos nascemos como nação sob o triplo fardo de uma guerra de independência, um tratado de reconhecimento caro e um acordo de comércio desfavorável que levamos quase trinta anos para superar, desperdiçando em seguida a oportunidade de romper com o nosso passado de menosprezo pelo conhecimento acomodado na tragédia da escravidão.
Diante de tanta mesmice, duzentos anos depois estamos condenados a dar outro salto no mesmo lugar? 

* Historiador, membro do CPE da UFJF, pesquisador de Segurança e Defesa do Cebri e responsável pela Clio Consultoria Histórica. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA para assuntos de segurança hemisférica. Autor do livro “Os Pilares da Discórdia”

Nenhum comentário:

Postar um comentário