O Salto
“A
indexação que transforma a ortodoxia antiinflacionária numa luta
inglória não é a que espontaneamente se desenvolve nos mercados, mas a
que é patrocinada pelo próprio governo”. Foi assim que Mário Henrique
Simonsen concluiu o artigo (A longa memória
da inflação, Gazeta Mercantil, 3 de abril de 1995) no qual saudava o
então recém implantado Plano Real, mas alertava para o “ovo da serpente”
da indexação que não acabara “de fato” e que poderia “renascer a
qualquer choque inflacionário”.
A inflação no Brasil
prognosticou bons e maus momentos da história do país nos últimos
sessenta anos. Inercial ou de demanda, não importa o diagnóstico certo
ou errado do momento, a inflação no Brasil pós-Segunda Guerra é mais
efeito do que causa. A brutal inflação de 1923 na Alemanha resultou da
resistência a uma dívida de guerra impagável e há quem diga que esse
“modelo” inspirou o Brasil a partir de 1986 diante de uma dívida externa
até então inegociável. Nos dois casos, independentemente de até onde
tenha funcionado, a hiperinflação foi o efeito de revezes externos: a
derrota da Alemanha na Primeira Guerra e, no caso do Brasil, a brusca
interrupção de um surto de desenvolvimento de mais de trinta anos.
Até então, o processo de industrialização dos países em desenvolvimento,
dentre eles o Brasil, facultava uma apropriação tecnológica mais ou
menos extensiva que sinalizava um futuro “emparelhamento” com as
economias mais desenvolvidas, não somente em termos produtivos, mas
principalmente nas modificações sociais decorrentes da urbanização e da
ascensão de uma classe trabalhadora mais instruída e melhor remunerada. O
conhecimento era reproduzível nas sociedades em desenvolvimento com
efeitos diretos na geração e distribuição de riqueza.
Apanhado no contrapé por duas crises do petróleo do qual dependia
umbilicalmente, por uma explosão de juros da dívida externa e pelo
surgimento de produtos de alta concentração de capital e conhecimento
que desvalorizaram suas exportações e oneraram exponencialmente suas
importações, o Brasil sofreu o que pode ter sido o maior revés de sua
História, experimentando então uma série de recessões, espirais
inflacionárias e, como não poderia deixar de acontecer, uma crise social
endêmica. Muito mais do que uma crise de superaquecimento.
Passados outros trinta anos, é onde estamos, não importa a quem o
oportunismo político da hora acuse pela “herança maldita”. De NIC
(Newly Industrialized Countries) passamos a BRIC, e a janela de
oportunidade da estabilização econômica vai se fechando à medida que
sonhos e esperanças de modernização do país se esvaem na cristalização
de uma situação perversa mitigada por uma engenharia social focada nas
conseqüências e não nas causas. Se não deixar a condição de produtora
primária movida a mão-de-obra pouco capacitada para um patamar de
produção baseado no conhecimento de categorias profissionais educadas e
instruídas, a economia brasileira continuará estruturalmente frágil, promovendo mais iniqüidade e mantendo o país na irrelevância.
A polêmica sobre escolas no país está à altura da esterilidade do
debate sobre o desenvolvimento que, salvo melhor juízo, deveria ser
essencial para a sociedade brasileira. Há quase dois séculos nascemos
como nação sob o triplo fardo de uma guerra de independência, um tratado
de reconhecimento caro e um acordo de comércio desfavorável que levamos
quase trinta anos para superar, desperdiçando em seguida a oportunidade
de romper com o nosso passado de menosprezo pelo conhecimento acomodado
na tragédia da escravidão.
Diante de tanta mesmice, duzentos anos depois estamos condenados a dar outro salto no mesmo lugar?
*
Historiador, membro do CPE da UFJF, pesquisador de Segurança e Defesa
do Cebri e responsável pela Clio Consultoria Histórica. Foi delegado do
Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA
para assuntos de segurança hemisférica. Autor do livro “Os Pilares da
Discórdia”
Nenhum comentário:
Postar um comentário