Não é verdade que o presidencialismo petista produziu uma política
errática de alianças externas. Existe nela uma lógica inegável
Os discursos proferidos por ocasião das posses dos novos ministros foram da
sensatez ao delírio, da ponderação à aventura, da prudência à arrogância,
caracterizando bem as contradições, mais que do novo governo, da situação
política no Brasil.
Pontes também se lançaram entre esses extremos que levam ao lugar nenhum,
como a discussão bizantina em torno da existência ou não de latifúndios, tão ao
gosto dos marqueteiros, hábeis em desfocar o essencial, no caso da agricultura,
como de qualquer outro setor produtivo, a geração de riqueza.
A recepção ao novo governo que haveria de ser sombria, dada a sua apertada
vitória eleitoral e os escândalos que o rondam, esvaziou-se assim de qualquer
esperança, sobrando apenas a perspectiva da luta política que já lavra desde as
entranhas do PT até as mais altas esferas da República e para qual não existe
prognóstico, só preocupação.
Da confusão de advertências, patranhas e bravatas que ecoaram na Esplanada
nos primeiros dias de 2015 é possível distinguir dois grupos ministeriais, por
assim dizer, bem nítidos quanto às suas atribuições e missões.
O primeiro é o dos operadores da normalidade, aos quais incumbe fazer o
sistema produtivo do País e a máquina administrativa do Estado funcionarem,
explorando ao máximo as credenciais profissionais e as ligações setoriais dos
seus expoentes.
Com reputações e discursos impecáveis, como aconteceu desde o primeiro
governo Lula, aportaram em Brasília com a atribuição de respaldar a versão
socialdemocrata, capitalista e constitucional dos governos do PT.
O outro grupo é o dos ideólogos do poder, auto investidos da missão de
transformar a sociedade brasileira segundo a sua visão de mundo, para o que
necessitam dos recursos e da institucionalidade que os primeiros lhes
proporcionam.
Explorado ao máximo o modelo ao longo de doze anos, com evidentes
consequências negativas, seria inevitável minguarem os operadores da
normalidade, ao ponto de agora terem de ser recrutados na segunda linha das
elites cooptadas, enquanto se magnificam os ideólogos do poder que expedem os
releases do “projeto vitorioso” que ecoam pelos ministérios, pairando
irrelevantes entre os dois grupos os zumbi-nulidades necessários ao
presidencialismo de coalizão.
Mas depois de muita tinta gasta sobre quem é quem, querendo o quê e para onde
quer nos levar, não resta a menor dúvida que o rumo do País vai sendo dado pelos
ideólogos. A conversinha ruim dos operadores de que eram essenciais para
conterem os ideólogos vai se diluindo na pequeneza cada vez maior dos convocados
a encenarem a farsa que lhes cabe e na audácia dos que realmente exercem o
poder.
Ninguém tem mais dúvida da falência funcional do tal do presidencialismo de
coalizão e nem dos prejuízos que a mistura de radicalismo e canalhice de toda
sorte causaram ao País. O que não parece tão clara é a gravidade dos
alinhamentos internacionais, que vêm sendo impostos ao Brasil em nome de uma
maioria das urnas que não tem a menor ideia do que está sendo feito em seu
nome.
Este foi um objetivo que o PT nunca deixou de perseguir, a construção de uma
nova identidade do Brasil no cenário mundial, algo que, aparentemente, desafiava
a razoabilidade e lógica dos que criticavam essa marcha insensata.
Tanto quanto a construção de um quadro sócio-político interno que pretendem
irreversível pela desinstitucionalização, pela luta de classes e pela
disseminação das ideologias de gênero, minorias e etnias, os ideólogos no poder
se apressam em cristalizar uma posição do Brasil no cenário regional e
internacional que justifique a sua permanência no poder.
Para a análise e crítica das ações ultimamente empreendidas pelo governo
brasileiro no cenário internacional é imprescindível ter em conta que elas
integram um projeto de poder consistente, conduzido por um conjunto de
interesses que é em tudo distinto do consenso em torno de um suposto interesse
nacional.
Para o pensamento que orienta esse projeto, a Aliança do Pacífico não passa
de mais uma iniciativa de contenção contra a China e a Rússia; não há nada de
errado com a desindustrialização do Brasil em proveito da China; a criação de um
banco dos BRIC com sede em Xangai e do correspondente fundo financeiro equivale
aos acordos de Breton Woods; a integração econômica regional não está
naufragando; e o alinhamento antiocidental é prova da maturidade e independência
das políticas externas dos países sul-americanos.
Não são conjecturas, mas sim despautérios disponíveis em documentos
governamentais e partidários ou propalados em declarações públicas.
Não é mais tempo para surpresas e perplexidades. Erra quem vê essas medidas
como erros de uma política mal concebida e executada. Elas são perfeitamente
razoáveis para a consecução de objetivos do projeto que há mais de uma década
vem catalisando na política externa brasileira posicionamentos antiocidentais e
antinacionais num amplo arco, desde o apoio incondicional a radicais islâmicos
estatais e não estatais à aberta hostilidade ao combate às Farc na Colômbia,
passando pela tolerância, e mesmo alinhamento, com ditaduras de distintas
naturezas, particularmente a cubana.
Enquanto não vem a crise com a qual os radicais flertam, quem sabe com o transbordamento das Farc na Amazônia brasileira ou com os desdobramentos da aquisição pela Argentina de caças Sukhoi Su-24 Fencer em troca da comida para a população russa de que necessita o autocrata Putin, vamos perseguindo a miragem dos BRIC.
Enquanto não vem a crise com a qual os radicais flertam, quem sabe com o transbordamento das Farc na Amazônia brasileira ou com os desdobramentos da aquisição pela Argentina de caças Sukhoi Su-24 Fencer em troca da comida para a população russa de que necessita o autocrata Putin, vamos perseguindo a miragem dos BRIC.
Quem leu o documento Dreaming with the BRICs: The Path to 2050, do banco
Goldman Sachs, em face do desafio colossal que a realização da “profecia” dos
BRIC representa para o Brasil em termos de segurança, educação, saúde e
infraestrutura, fica com a desagradável impressão de que não há alternativa à
instauração de um regime autoritário capaz de lidar com as desigualdades
exponenciais do País alçado a uma das maiores economias mundiais, uma versão
menor da China nos trópicos.
Para isso não estamos no caminho errado: basta consolidarmos as
verticalidades e concentrações que já se desenham na economia brasileira. É só
uma questão de tempo para tudo e todos dependerem do Estado.
Não há muitos motivos para se dar as boas-vindas a todos os novos integrantes
do governo que se inaugurou no último dia 1o, tamanha é a incerteza e as
dificuldades que os esperam. Mas daqueles que forem capazes de pensar por si e
de se posicionarem patrioticamente diante dos riscos que rondam o Brasil se
espera muito.
A eles damos as boas-vindas aos nossos piores pesadelos.
NR - Publicado no Jornal Diário do Comércio - 12 Jan 2015 - Blog - OPINIÃO -
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