FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - O Estado de
S.Paulo - 01 Dez 2013
Finalmente se fez justiça no caso do
mensalão. Escrevo sem júbilo: é triste ver na cadeia gente que em outras épocas
lutou com desprendimento. Eles estão presos ao lado de outros que se dedicaram a
encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro público. Mais
melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais - mesmo que
controversos - erguerem os punhos como se vivessem uma situação revolucionária,
no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição. Onde está a revolução?
Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas o usaram para
construir a "nova sociedade". Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de
forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para se
perpetuar no poder. De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para
confortar quem a faz e enganar seus seguidores mais crédulos.
Basta de tanto
engodo. A condenação pelos crimes do
mensalão deu-se em plena vigência do Estado de Direito, num momento em que o
Executivo é exercido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), cujo governo indicou a
maioria dos ministros do Supremo. Não houve desrespeito às garantias legais dos
réus e ao devido processo legal. Então, por que a encenação? O significado é
claro: eleições à vista. É preciso mentir, autoenganar-se e repetir o mantra.
Não por acaso, a direção do PT amplifica a encenação e Lula diz que a melhor
resposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff... Tem sido
sempre assim, desde a apropriação das políticas de proteção social até a ideia
esdrúxula de que a estabilização da economia se deveu ao governo do PT.
Esqueceram as palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e as
múltiplas ações que moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras. O
que conta é a manutenção do poder.
Em toada semelhante,
o mago do ilusionismo fez coro. Aliás, neste caso, quem sabe, um lapso verbal
expressou sinceridade. "Estamos juntos", disse Lula. Assumiu meio de raspão sua
fatia de responsabilidade, ao menos em relação a companheiros a quem deve muito.
E ao País, o que dizer?
Reitero, escrevo tudo isso com
melancolia, não só porque não me apraz ver gente na cadeia, embora reconheça a
legalidade e a necessidade da decisão, mas principalmente porque tanto as ações
que levaram a tão infeliz desfecho como a cortina de mentiras que alimenta a
aura de heroicidade fazem parte de amplo processo de alienação que envolve a
sociedade brasileira. São muitos os
responsáveis por ela, não só os petistas. Poucos têm tido a compreensão do
alcance destruidor dos procedimentos que permitem reproduzir o bloco de poder
hegemônico; são menos numerosos ainda os que têm tido a coragem de gritar contra
essas práticas. É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros
se beneficiam por pertencerem à "base aliada" de apoio ao governo. Calam-se
diante do mensalão e das demais transgressões, como se o "hegemonismo petista"
que os mantém fosse compatível com a democracia.. Que dizer, então, da parte da
elite empresarial que se ceva dos empréstimos públicos e emudece diante dos
malfeitos do petismo e de seus acólitos? Ou da outrora combativa liderança
sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?
Nada há de novo no que escrevo. Muitos sabem que o rei está nu e poucos
bradam. Daí a descrença sobre a elite política reinante na opinião
pública mais esclarecida. Quando alguém dá o nome aos bois, como, no caso, o
ministro Joaquim Barbosa, que estruturou o processo e desnudou a corrupção,
teme-se que, ao deixar a presidência do STF, a onda moralizante dê marcha à ré.
É evidente, pois, a descrença nas instituições. A tal ponto que se crê mais nas
pessoas, sem perceber que por esse caminho voltaremos aos salvadores da Pátria.
São sinais alarmantes.
Os seguidores do
lulopetismo, por serem crédulos, talvez sejam menos responsáveis pela situação a
que chegamos do que os cínicos, os medrosos, os oportunistas, as elites
interesseiras que fingem não ver o que está à vista de todos. Que dizer, então,
das práticas políticas? Não dá mais! Estamos a ver as manobras preparatórias
para mais uma campanha eleitoral sob o signo do embuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem
cada ato multiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se
confundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período de
disputa. Disputa desigual, na qual só um lado fala e as oposições, mesmo que
berrem, não encontram eco. E sejamos francos: estamos berrando
pouco.
É preciso dizer com coragem,
simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a
democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao
favorecimento dos amigos. Não estamos diante de um quadro eleitoral normal. A hegemonia de um partido que não consegue
deslindar-se de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros
e a impotência das oposições estão permitindo a montagem de um sistema de poder
que, se duradouro, acarretará riscos de regressão irreversível. Escudado
nos cofres públicos, o governo do PT abusa do crédito fácil que agrada não só
aos consumidores, mas, em volume muito maior, aos audaciosos que montam suas
estratégias empresariais nas facilidades dadas aos amigos do rei. A infiltração dos órgãos de Estado pela militância
ávida e por oportunistas que querem beneficiar-se do Estado distorce as práticas
republicanas.
Tudo isso é arquissabido. Falta dar um
basta aos desmandos, processo que, numa democracia, só tem um caminho: as urnas.
É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de
ilusões com que o lulopetismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenha
consciência dos perigos que corremos.
* SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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