Em
recente artigo publicado pela Folha de S. Paulo, a sua ombuds(wo)man considerou
uma surpresa o jornal "O Globo" ter publicado "um editorial no qual reconheceu
que o apoio ao golpe militar de 1964 foi um erro", em vez de ignorar as
acusações, desmenti-las ou justificar-se. Implacável, Suzana Singer deu o golpe
de misericórdia dizendo com ironia que "o futuro já começou".
Diante
do mal que surpresas no passado recente causaram ao País, a melhor opção da
imprensa– aí incluídos os três jornalões já arrolados na Comissão da Verdade da
Imprensa, gestada pelo ex-ministro réu do mensalão, José Dirceu (veja-se artigo
"Apoio da Mídia à Ditadura Militar, de 12 de setembro, no Monitor Mercantil)
– seria fazer o que deve: contar o que está acontecendo no Brasil e não se
ocupar de temas de meio século atrás, afeitos aos historiadores.
Uma
imprensa livre faz reavaliações diante de acontecimentos, como fez há algum
tempo a norte-americana, com destaque para o NYT, diante do falseamento de
fatos para justificar a invasão do Iraque.
Os
jornalistas sabem como ninguém que circunstâncias de poder produzem e formatam
fatos, e é preciso prudência para interpretá-los, como convém em relação aos
"protestos de junho", antes de saudá-los como aurora do futuro "começado"
pelos seus promotores.
A
imprensa no Brasil poderia começar contando como a pressão do poder de compra
governamental escalou rumo à intimidação, flagrante em seus efeitos, depois da
eleição de Dilma. Há algum tempo se fechou nos jornais o espaço de opinião
independente ou contrária ao governo, não se furtando mesmo alguns editores em
reconhecer isso candidamente. Como, aliás, fez Suzana Singer.
O
que estarrece no seu artigo é a constatação clara de que o "clamor das ruas"
teve um papel decisivo na retratação global, saudada pela articulista como "uma
satisfação ao público".
Qual
público, cara-pálida? O que cobra moralidade da gestão pública? O que espera a
punição dos arrolados no mensalão? O que é enganado por falas presidenciais
sobre a economia? Um dos maiores jornais do País caiu de joelhos ante a pressão
seletiva e dirigida que se alinha ao governo.
A
sobranceria com que um notório aliado de regime ditatorial cubano vem a público
propor que se estenda à imprensa "de postura contrária aos governos populares na
última década" a ação da Comissão da Verdade é a prova cabal de que, em se
tratando da ameaça de totalitarismo, sempre chega a vez de cada um, como chegou
a dos militares, diplomatas e médicos.
"Cai
o Rei de Espadas, cai o Rei de Ouros, cai o Rei de Copas, cai não fica nada!" O
que fica? Fica a desconfiança de que caímos numa armadilha ao acreditar que
nossas instituições nos preservariam de mais um retrocesso institucional que vai
se configurando sob a aparência de legitimidade. Fica a consternação de
assistirmos a pressão de cúpula e de base que canhestramente se praticou há
cinquenta anos no País repetir-se na certeza de sucesso.
Mas
fica também a certeza de que se nos dobrarmos a isso terá chegado, de antemão, a
vez de cada um de nós.
**
Esse texto foi inicialmente encaminhado como resposta direta à ombudswoman da
FSP, que o rejeitou alegando falta de espaço e propôs um corte para dá-lo na
sessão de cartas, o que não foi aceito pelo autor.
Sérgio
Paulo Muniz Costa é historiador
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