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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

AS IDEIAS NÃO TÊM HIERARQUIA, AS DECISÕES SIM!

Ivo Salvany –Cel Cav R/1


 Estava sentado em meu lugar predileto para meditação, sem ruídos eletrônicos ou “zapzap” para me desconcentrar, quando me veio à mente a difícil questão da exata compreensão da disciplina militar.  Conceitualmente, para os estudiosos deste tema, só existe a disciplina consciente. Didaticamente, a disciplina pode ser vista sob quatro aspectos: o consciente, o intelectual, o complementar. Nos seus vários aspectos e manifestações, sempre visa o nobre fim a que se destina: a transmissão e o exato cumprimento de ordens, condição necessária e suficiente da verdadeira disciplina consciente.  É dela que vem a ênfase na importância da cadeia de comando e nas subordinações consequentes. A disciplina pressupõe, assim, um código de normas, ou doutrina, a ser seguido na transmissão e na execução de ordens.
A ética militar impõe a disciplina consciente, aquela que necessariamente faz sentido e é compreendida por todos. Instrua-se o militar no entendimento do que faz no cumprimento da missão, e não será preciso humilhar ninguém, coagido a obedecer cegamente. A disciplina consciente também não existe se não há, por parte do superior, a compreensão do seu papel como superior hierárquico. Cultua-se a hierarquia, e não a pessoa do superior, obrigado a se mostrar à altura do lugar que ocupa. A disciplina quando humilha, achaca e deprime não é disciplina.

A disciplina norteia o coração e a mente do militar. De tão importante, é absurdo alguém na ativa – comandante, oficial, praça – agir apenas por instinto, e não conscientemente, por não dominar os verdadeiros valores da disciplina. Nessa condição é grande o risco da disciplina se transformar em subserviência com os superiores, e em arrogância com os subordinados.

A bíblia dos cavalarianos, o manual C 2-50, define como: “A disciplina é a principal força dos exércitos. A rigorosa observação das prescrições do regulamento disciplinar, a prática do manejo das armas e os exercícios de ordem unida são eminentemente próprios para o desenvolvimento desse sentimento. [...] Os hábitos de exatidão, de ordem, de correção e de obediência devem ser profundamente incutidos e mantidos no soldado. Ser disciplinado é aceitar conscientemente e sem vacilação a necessidade de uma lei, ou regulamento comum, que estabelece e coordene os esforços de todos. ”
Então, ciente desses conceitos e definições acima, rotular intempestivamente de indisciplinado um militar inativo, por suas singulares ideias, teses e opiniões pessoais livres e soberanas, mesmo que muitas delas sejam controversas e chocantes, deixa claro que muitos de nossos pares estão confundindo a disciplina militar consciente, com a liberdade intelectual acadêmica, filosófica, de opiniões, teses, pensamentos e ideias! Ou seja, confundindo alhos com bugalhos!  Deixando supor, também, que o tempo deletou de velhas mentes brilhantes que disciplina intelectual militar, essencialmente aplicada em todos os exércitos, significa tanto o direito como o dever de todos de contribuir para o aperfeiçoamento das ideias que levam à melhor solução dos problemas e tomada de decisões.
A disciplina intelectual militar acontece em todos os escalões, principalmente nos Estados-Maiores, quando os chefes, geralmente os descentralizadores, colocam em debate as questões antes da tomada de decisão. Significa, também, que se pode discordar de tudo e de todos e discorrer livremente sobre o que se pensa, durante as discussões, no chamado ”brainstorming”. Contudo, mercê da disciplina consciente e intelectual, depois da decisão tomada, quem foi voto vencido se obriga a trabalhar pelo sucesso da ideia vencedora. Isto resultou na máxima de que: “As ideias não têm hierarquia, as decisões sim! ” Claro, que as decisões serão acatadas e cumpridas fielmente, desde que não firam a ética, dignidade pessoal, moral e o pundonor militar.

Havemos de recordar que o inigualável estadista e militar Winston Churchill considerava que: “Todo método de trabalho de um militar de Estado-Maior se baseia na disciplina consciente que induz à subordinação da opinião”. Por isto, nutria clara simpatia pelos indisciplinados intelectuais que reagiam e lutavam com veemência por ideias inovadoras e contrárias às opiniões unânimes calcadas em velhos dogmas e doutrinas passadas.

Portanto, havemos de  refutar afirmativas intempestivas que rotulem, infundadamente, de militar indisciplinado  qualquer um de nós, cidadãos-soldados inativos,  fora da rígida cadeia de comando e longe das decisões militares, apenas por ser  excêntrico pensador, sui generis, autêntico, opinativo e ter atitudes mentais livres, polêmicas,  controversas, desassombradas e politicamente incorretas, tudo isto, agindo a bem da justiça, da liberdade de pensamento e opinião, e da verdadeira compreensão da essencial disciplina intelectual militar. Assim seja!