A História não se repete, não tem
leis e não se prevê. Querer juntar peças do quebra-cabeças da
atualidade segundo uma pintura do passado é um erro comum de
quem pretende usar a História como justificativa para seus desejos
de poder.
No caleidoscópio de fatos,
acontecimentos e personagens de qualquer história tudo que poderemos
encontrar de comum é o homem, na sua imprevisibilidade, na sua
adaptabilidade e, por que não reconhecer, na sua genialidade.
Distinto de cada um de todos os
outros homens, esse sujeito e ator da História se afirma na
coletividade em que vive, na qual deixa suas marcas, não só
pela memória, mas também pelo rumo que lhe imprime por meio de suas
ações.
Ações que ele empreende na busca
incessante de reconhecimento pelos seus semelhantes. Todos nós,
homens e mulheres, desejamos nos ver reconhecidos nas várias
expressões de nossa existência, como mãe, marido, filho, esposa,
pai ou filha, e assim por diante, também fora da esfera familiar.
Numa sociedade moderna, podemos
buscar reconhecimento em inúmeras coletividades: desportivas,
familiares, acadêmicas, profissionais, associativas, artísticas,
conforme nossos laços, interesses e talentos, mas existe uma à qual
dificilmente podemos nos eximir, aquela que nos impõe maiores
direitos e deveres, aquela que nos concede existência legal e exige
de nós indiscutível obediência, que é a sociedade politicamente
organizada na forma do Estado.
Ao longo da História, a busca de
reconhecimento no âmbito dessa coletividade política variou da
democracia grega, que não admitia a não participação de seus
cidadãos nos negócios públicos, ao estado totalitário do século
XX, que desejava um homem amorfo, insensível e acrítico
personificando o seu cidadão ideal.
E foi ao longo de um complicado
processo histórico, a que não faltaram tragédias, que chegamos à
conformação política da sociedade moderna, na qual se equilibram
obrigações gerais inegociáveis com salvaguardas de consciência e
liberdade reconhecidas pelo Estado.
Daí decorrem mecanismos, práticas
e instituições que fazem a democracia funcionar pela representação
e soberania, sem as quais ela não seria viável, como partidos
políticos, eleições, governo, Parlamento e justiça, só para
citar os mais visíveis.
Mas à medida que se amplia e
consolida o moderno Estado democrático no Ocidente, vai se
evidenciando um paradoxo, do qual o Brasil parece ser um caso
emblemático, que é a crescente disfunção de uma comunidade
política que interfere cada vez mais na vida do cidadão, mas é
cada vez menos acreditada por esse cidadão.
A reforma que está sendo
encaminhada no Congresso Nacional parece ir ao encontro da
necessidade de resgatar a credibilidade da classe política, sem o
que a nossa democracia viverá em constante vulnerabilidade, presa
fácil da corrupção e do arbítrio, como estamos assistindo.
Mas cabe perguntar: reformar para
quê? Qual será a grande motivação da representação política,
tanto para representantes quanto para representados?
Para a representação política
continuar a ser comprada com o dinheiro público? Para a soberania
popular continuar a ser vendida no voto-bolsa? E ao fim e ao cabo, as
condições de vida se deteriorarem no País?
Felizmente, a Fenomenologia do
Espírito, de Hegel, deixou de ser expressão de uma pretensa
hegemonia marxista na interpretação da realidade política.
Pode-se objetar indefinidamente
quanto à sua abrangência, tanto na versão de Fukuyama como na de
Kojève, mas hoje ela se mostra útil para apontar essa lacuna
incômoda na sociedade moderna que é a perda do desejo de
reconhecimento pela virtude, um insumo essencial à vida social, e
muito particularmente à política, a extensão cívica do social.
Sujeito e ator da História e da
Política, o homem é o objeto de todas as melhorias que pretenda uma
coletividade. Mas é preciso lembrar que, antes de conformarmos uma
comunidade política, vivemos numa sociedade civil, cujo fim,
conforme apontado por Aristóteles, é o viver bem, sendo ela menos
uma sociedade de vida em comum do que uma sociedade de honra e
virtude.
Mais do que uma reforma política, o
Brasil precisa de uma reforma moral.
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