Temos finalmente um filme que
retrata o esforço militar brasileiro durante a Segunda Guerra
Mundial. Mas os detalhes da participação da FEB são mais
complexos e emocionantes
Finalmente os brasileiros tiveram a
oportunidade de assistir a um filme que procura retratar a
participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que
combateu durante a 2a Guerra Mundial no Teatro de Operações da
Itália, de setembro de 1944 a maio de 1945.
O filme, Estrada 47, dirigido por
Vicente Ferraz, faz bonito, contando uma história bem humana no
cenário de guerra com a plausibilidade possível a uma ficção e
dentro da perspectiva da intelectualidade brasileira.
Foi uma surpresa neste 70o
aniversário do final da guerra. Quem sabe, ampliando-se essa
perspectiva, tenhamos outros filmes sobre heróis bem reais,
como o soldado Josino, o tenente Iporã ou o sargento Max Wolf.
Aí, quem vai se surpreender com a
resposta do público vai ser o cineasta que mostrar o que esses
homens foram e fizeram.
Mas, passados setenta anos do final
da guerra, quem tem que se surpreender mesmo são os brasileiros,
ao tomarem conhecimento da participação do seu país no maior
conflito bélico da História.
Via de regra, as interpretações da
participação do Brasil na guerra se restringem à FEB, tida por
modesta, com uma única divisão, num teatro de operações
secundário, quando a guerra já ia terminando.
Não existe atividade humana mais
perigosa e dramática do que a guerra. Sabe-se como começa, mas
ninguém sabe como ela acaba, e como acontecia ao programa do maior
animador da TV brasileira, a guerra só acaba quando termina.
Não havia nenhum script para 2a
Guerra Mundial terminar na Europa em 1945, e para quem pensa que ela
estava vencida no final de 1944, sugere-se assistir na série Band of
Brothers (HBO), o que enfrentaram os paraquedistas norte-americanos
da 101a Divisão Aerotransportada, no Natal daquele ano, em Bastogne,
diante da ofensiva alemã nas Ardenas - uma densa floresta que se
estende da Bélgica e do norte da França ao Luxemburgo e Alemanha.
Na Itália, algo dessa natureza foi
feito em menor escala. Na noite de 25 para 26 de dezembro, num lance
de audácia, forças da 148a Divisão de Infantaria alemã (148a DI)
e italianas atacaram o flanco esquerdo do V Exército, derrotando a
92a Divisão norte-americana.
A invasão aliada da Europa começara
pela Itália, em julho de 1943 na Sicília e em setembro na
península. Essa foi a frente destinada à FEB e, de todas da
guerra, foi a mais mortífera para as divisões norte-americanas,
onde o inimigo tinha a vantagem do terreno e dispunha de
paraquedistas, blindados e remanescentes do Afrika Korps.
Depois de junho de 1944, com a queda
de Roma, o desembarque na Normandia e a retirada de seis divisões
aliadas da frente italiana para o desembarque no Sul da França, o
Teatro de Operações da Itália não se tornou secundário.
Transformou-se numa frente de
sacrifício, na qual as divisões alemãs em número equivalente ao
das aliadas tinham que continuar a ser aferradas por uma ofensiva a
todo custo, como confessaria o próprio comandante do V Exército
dos EUA, General Mark Clark, sob pena de os efetivos inimigos se
transferirem para outras frentes.
Foi a essa altura da guerra na
Itália que chegou a FEB, ou melhor, começou a chegar, por escalões,
com parte da sua força de combate, da 1a Divisão de Infantaria
Expedicionária (1a DIE), para receber equipamento e completar o seu
adestramento, não numa frente onde lutavam sessenta divisões
norte-americanas, como na França, mas naquela em que só restavam
sete.
Em setembro de 1944, o Destacamento
FEB, constituído à base do 6o Regimento de Infantaria (6o RI), de
São Paulo, que viera do Brasil no 1o escalão, era a única reserva
do V Exército.
No dia 15 desse mês, os brasileiros
entravam em ação num setor onde os alemães recuavam para as suas
novas posições na Linha Gótica, encaminhando-se as operações
para o Vale do Sercchio, onde seriam alcançados os primeiros êxitos
do Destacamento FEB, em Massarossa, Camaiore e Monte Prano, e
experimentado o primeiro revés, por excesso de confiança, em
Castelnuovo di Garfagnana, que traria lições valiosas.
O juízo sobre a atuação da FEB na
Itália prescinde de patriotadas e chauvinismos, bastando fatos,
números, cronologia e algum espírito crítico para obtê-lo.
Em novembro de 1944, a 1a DIE, com
seus outros dois regimentos, o 1o RI, do Rio de Janeiro, e o 11o RI,
de Minas Gerais, recém-chegados à Itália, foi toda à frente de
combate, assumindo um setor de 15 Km de extensão, no qual deveria
realizar operações ofensivas e defensivas.
A essa altura, a FEB era a
combinação de um regimento exausto e de dois inexperientes, prestes
a enfrentar não Osttruppen, tropas de voluntários russos e
bielo-russos usados pelos alemães em outras frentes, mas sim o
verdadeiro Exército alemão, como as experimentadas 232a e 334a
divisões.
Toda linha de contato com o inimigo
era dominada pelo grande maciço montanhoso que ia de Monte
Belvedere a Castelnuovo, encimado pelo Monte Castelo, que seria
atacado quatro vezes pelos brasileiros, a 25 e 26 de novembro,
integrando a Task Force 45 norte-americana, e a 29 de novembro e
12 de dezembro, sob a responsabilidade do comando da FEB.
Neste último ataque, sob névoa e
num terreno enlameado, os brasileiros chegaram a alcançar o topo de
Monte Castelo, mas foram expulsos pelos contra-ataques alemães,
ficando lá em cima, como testemunhas do sacrifício, os corpos
dos nossos soldados que só seriam resgatados quando foi conquistada
a posição em fevereiro do ano seguinte.
A FEB entrara em combate e não mais
sairia da linha de frente até o final da guerra. Era a única
divisão brasileira na guerra: se ela saísse, o Brasil deixava
a luta.
Suspensas as operações ofensivas
em dezembro de 1944, devido ao fracasso dos ataques contra as fortes
posições alemãs, não só dos brasileiros em Monte Castelo, mas de
todos os aliados, do V Exército dos EUA e do VIII britânico, da
costa do Mar Tirreno à do Mar Adriático, a FEB iria viver a
estabilização das operações nas alturas dos Apeninos, durante um
dos mais rigorosos invernos da região.
Foi quando, entre patrulhas, golpes
de mão e incursões de parte a parte, tropa e comando da FEB
amadureceram para o que estava por vir.
Era a estrada 64, varrida pelas
lentes e tiros alemães, que tinha que ser aberta para que os aliados
conquistassem Bolonha.
O IV Corpo de Exército dos EUA (IV
CEx), ao qual estava subordinado a 1a DIE, planejou para fevereiro
de 1945 uma ofensiva preliminar à da primavera, na qual a divisão
brasileira e a 10a Divisão de Montanha do Exército dos EUA (10a Div
Mth) seriam empregadas juntas para expulsar os alemães do
maciço que dominava a estrada 64.
No dia 21 de fevereiro, depois de
substituir os americanos da 10a Div Mth que haviam conquistado
Mazzancana, a 1a DIE, com o 1o RI, o Regimento Sampaio, no ataque
principal, atacou e conquistou Monte Castelo.
Nos dias seguintes, brasileiros e
norte-americanos iriam apoiar-se mutuamente até limparem de alemães
as alturas que dominavam a 64.
A FEB já era outra, culminando esta
fase com a elegante manobra sobre Castelnuovo, que levou à
conquista, pela retaguarda, do famigerado monte Soprassasso, que se
debruçava sobre a estrada 64.
Na segunda reunião preliminar
realizada no quartel-general do IV CEx , antes da grande ofensiva da
primavera, em abril, o comandante da FEB, o General Mascarenhas
de Moraes, ao propor que a divisão brasileira protegesse o
flanco esquerdo da 10a Divisão de Montanha, atacando Montese,
respondeu em tom jovial à pergunta do comandante da divisão
norte-americana sobre a capacidade da 1a DIE conquistar a cidade,
perguntando ao seu colega se ele tinha certeza de que aproveitaria o
êxito do sucesso brasileiro.
Ao tomar conhecimento da
conquista de Montese no primeiro dia da ofensiva aliada, 14 de abril,
pela tropa do 11o RI, o Regimento Tiradentes, o General
Crittenberger, comandante do IV CEx, disse ao seu estado-maior:
“na jornada de ontem, só os brasileiros mereceram as minhas
irrestritas congratulações; com o brilho do seu feito e seu
espírito ofensivo, a Divisão brasileira está em condições de
ensinar às outras divisões como se conquista uma cidade”.
Com o êxito da ofensiva aliada, os
alemães perderam a Linha Gengis Khan, última posição defensiva
ao sul do Rio Pó, e suas divisões se precipitaram em fuga para o
norte, buscando transpor o grande rio e adentrar à Áustria
pelos Alpes.
A divisão brasileira, que não era
motorizada, improvisou e, embarcando sua infantaria nas viaturas da
artilharia, saiu em perseguição ao inimigo.
No dia 27 de abril, a vanguarda
brasileira destruiu em Collechio a vanguarda de uma força alemã bem
maior que se viu impedida de prosseguir sua marcha para o norte e foi
cercada pela 1a DIE.
Não aceitando a rendição
incondicional, a força alemã foi atacada pelo 6o RI, o Regimento
Ipiranga, e enviou parlamentares solicitando a cessação dos
combates. Era a 148a Divisão alemã, a mesma que realizara a
audaciosa ação no Natal contra os norte-americanos, e os
remanescentes da Divisão Itália e da famosa 90a
Panzergrenadier. veterana da África do Norte, num total de quase
15.000 homens, que se rendiam à 1a DIE, a única divisão aliada na
Itália que logrou tal feito.
Nas palavras do General Mark Clark,
“foi o magnífico final de uma atuação magnífica”. No dia 2 de
maio os alemães se rendiam na Itália, a primeira frente de guerra
na Europa onde se encerraram as hostilidades.
O Brasil foi à guerra e saiu dela
muito diferente, caminhando para a democratização, a
industrialização e o desenvolvimento, no que pode ter sido a
maior mudança de sua história de nação independente.
Embora a FEB seja o capítulo mais lembrado da participação do
Brasil na 2a Guerra Mundial, para se compreender a importância
dessa participação é fundamental conhecer também o esforço
militar brasileiro na defesa de sua soberania no Nordeste e no Sul do
País, saber da Batalha do Atlântico Sul da qual participamos,
entender o papel geopolítico deste país continente e destrinchar as
manobras diplomáticas que evitaram a extensão do conflito à
América do Sul.
Nestes dias em que o País parece
ter esquecido tanta coisa, a começar a noção do interesse nacional
pelo seu próprio governo, da participação do Brasil num dos
acontecimentos mais importantes de nossa era, o que não pode ser
esquecido é que ele andou pela estrada certa, a estrada certa da
História.