O Estado de S.Paulo
14 Abril 2015 | 02h 04
Embora as manifestações do último domingo contra a corrupção e a
favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff tenham demonstrado,
como era previsto, mobilização popular inferior à do evento de 15 de
março, 6 em cada 10 brasileiros continuam a repudiar o governo petista e
um número maior ainda, 63%, deseja o impeachment da chefe do governo,
de acordo com pesquisa Datafolha divulgada no mesmo dia. O teor dessas
manifestações de desagrado em relação ao desempenho da presidente, que,
como as de março, se estenderam às principais cidades do País, sugere
algumas reflexões importantes sobre a crise política em que o País está
mergulhado.
A questão do impeachment ganha
relevância quando se verifica que dois em cada três brasileiros desejam o
"fora Dilma". Uma sociedade democraticamente organizada obedece a
princípios definidos no arcabouço legal que disciplina o convívio
social. O impeachment do presidente da República está previsto na
Constituição, que no art. 85 define os crimes de responsabilidade nos
quais pode haver enquadramento. O item V desse artigo, por exemplo,
prevê o atentado à "probidade na administração".
Não basta,
porém, a vontade da maioria da população para que o presidente da
República seja acusado, julgado e condenado a perder o cargo. É
necessária uma base legal cuja existência tem de ser aprovada por dois
terços da Câmara dos Deputados. O passo seguinte, no caso do crime de
responsabilidade, é o julgamento pelo Senado Federal. Condenado, o
presidente da República é destituído e assume em seu lugar o
vice-presidente. Esse é o procedimento legal, democrático, para o
impeachment do presidente da República. A deposição por qualquer outra
via é golpe, que a consciência democrática repudia.
Por se
tratar, no entanto, de uma medida inquestionavelmente traumática, mesmo
que rigorosamente enquadrada nos preceitos e ritos legais, o impeachment
do presidente da República exige também, para garantia da estabilidade
institucional, claro apoio popular. O que significa que nem sempre a
existência de base legal é suficiente para que um processo de
impeachment progrida, já que o respaldo popular é complemento
indispensável para legitimar de fato a medida.
O apoio
popular ao impeachment de Dilma Rousseff existe, por ampla maioria, como
comprovam as pesquisas de opinião pública. Mais difícil, embora não
impossível, é caracterizar a base legal para levar a presidente da
República a julgamento. Para tanto seria necessário, por exemplo,
comprovar que ela é responsável, no exercício de suas funções
constitucionais, por atentado à "probidade na administração". Não é uma
questão que se resolva nas ruas. Como prevê a Constituição, exige que os
deputados federais aceitem as provas apresentadas e os senadores levem a
presidente a julgamento. Trata-se, portanto, de uma questão
eminentemente política.
É aí que deveria entrar a oposição
ao governo, no trabalho de levantar e organizar as provas e evidências e
de convencer a maioria dos parlamentares nas duas Casas do Congresso de
que o afastamento da presidente é uma imposição da realidade política,
econômica e social. Seria uma tarefa facilitada tanto pela extrema
fragilidade política de um governo sem rumo como pelo apoio que pode ser
obtido dos movimentos não partidários envolvidos na organização das
manifestações populares contra o governo. A Operação Lava Jato e os
julgamentos que dela decorrerem certamente são as fontes mais
promissoras das provas de irregularidades e ilegalidades que
comprometem, no mínimo por omissão, a cúpula do governo com a pilhagem e
o desmonte da maior estatal brasileira.
Dessa perspectiva,
faz todo sentido a decisão anunciada por representantes dos vários
movimentos responsáveis pela organização dos protestos populares de dar
um tempo nas manifestações de rua e concentrar a atenção agora na busca
de apoio para suas reivindicações no Congresso Nacional. É esse o
caminho, desde que possa haver entendimento entre esses movimentos não
partidários e a oposição institucional, como opina em termos mais amplos
o historiador José Murilo de Carvalho em entrevista publicada na edição
de domingo do Estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário