RODRIGO CONSTANTINO
O GLOBO - 18/02
Um esquerdista pode tudo
Ser de esquerda, no Brasil, significa ter um salvo-conduto para
defender todo tipo de atrocidade e cair nas maiores contradições. É o
monopólio das virtudes após décadas de lavagem cerebral demonizando a
direita liberal ou conservadora.
Um esquerdista pode, por
exemplo, mostrar-se revoltado com o regime militar, tentar reescrever a
história como se os comunistas da década de 1960 lutassem por democracia
e liberdade, tentar mudar o nome até de ponte, e logo depois partir
para um abraço carinhoso no mais velho e cruel ditador do continente,
Fidel Castro.
Um esquerdista pode, também, repudiar o “trabalho
escravo” em certas fazendas brasileiras, o que significa não atender às
mais de 200 exigências legais (incluindo espessura de colchão), e logo
depois aplaudir o programa Mais Médicos do governo Dilma, que trata
cubanos como simples mercadoria.
Um esquerdista pode tentar
desqualificar uma médica cubana que pede asilo político, alegando que
tinha problemas com bebida e recebia amantes em seu quarto (é proibido
isso agora?), para logo depois chamar de preconceito de elite qualquer
crítica ao ex-presidente chegado a uma cachaça e a “amizades íntimas”.
Um esquerdista pode culpar o embargo americano pela miséria da
ilha-presídio caribenha, ignorando que toda experiência socialista
acabou em total miséria, e logo depois condenar a globalização e chamar o
comércio com ianques de “exploração” (decidam logo se ser “explorado”
pelo capitalismo é bom ou ruim).
Um esquerdista pode execrar
uma jornalista que diz compreender a revolta que leva ao ato de se fazer
justiça com as próprias mãos, e logo depois aplaudir invasores de
terras e outros “movimentos sociais”, que se julgam acima das leis em
nome de suas “nobres” causas. Pode até receber os criminosos no Palácio
do Planalto!
Um esquerdista pode aliviar a barra do criminoso,
tratar o marginal como “vítima da sociedade”, e logo depois posar como
defensor dos pobres honestos, ignorando que a afirmação anterior
representa uma grave ofensa a todos aqueles que, apesar da origem
humilde, mostram-se pessoas decentes por escolha própria.
Um
esquerdista pode repudiar a ganância dos capitalistas, condenar o lucro,
e logo depois aplaudir socialistas milionários, ou “homens do povo” que
vivem como nababos, que cobram fortunas para fazer palestras, ou
artistas que negociam enormes cachês com multinacionais para seus filmes
ou comerciais.
Um esquerdista pode ser um músico famoso ou um
comediante popular, e basta a fama por tais características para fazê-lo
acreditar que é um grande pensador político, um intelectual de peso,
alguém preparado para opinar com embasamento sobre os mais diversos
assuntos sem constrangimento.
Um esquerdista pode insistir de
forma patológica na cor do meliante preso ao poste, um rapaz negro, e
logo depois ignorar outro bandido amarrado a um poste, pois este tinha a
cor “errada”: era branco. Pode, ainda, acusar todos que condenam as
cotas raciais de “racistas”, e logo depois descascar Joaquim Barbosa,
inclusive por causa de sua cor.
Um esquerdista pode alegar ser a
pessoa mais tolerante do mundo, isenta de qualquer preconceito e
apaixonada pela diversidade, para logo depois ridicularizar crentes
evangélicos, conservadores católicos ou liberais céticos.
Um
esquerdista pode surtar com o uso de balas de borracha pela polícia
contra “ativistas” mascarados que quebram tudo em volta, para logo
depois cair em um ensurdecedor silêncio quando o governo socialista
venezuelano manda tanques para as ruas para atirar a esmo em estudantes
durante protestos legítimos contra um simulacro de democracia.
Um esquerdista, por fim, pode pintar as cores mais românticas e
revolucionárias sobre as máscaras de vândalos e arruaceiros que atacam
policiais, para logo depois chamar de “fascista” a direita liberal,
ignorando que o fascismo de Mussolini tinha os camisas-negras que agiam
de forma bastante similar aos black blocs.
Assim caminha a
insanidade na Terra do Nunca, com “sininhos” aprontando por aí enquanto
os artistas e “intelectuais” endossam a agressão contra o “sistema”. No
fundo, defendem a barbárie contra a civilização. Abusam da dialética
marxista, do duplo padrão moral de julgamento, da revolta seletiva, do
cinismo, do monopólio da virtude.
Um esquerdista jamais precisa
se importar com a coerência, com o resultado concreto de suas ideias,
com pobres de carne e osso. Ele goza de um álibi prévio contra qualquer
acusação. Afinal, é de esquerda, ou seja, possui as mais lindas
intenções. É o suficiente. Um esquerdista pode tudo!
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