Tenente-Coronel Nestor
Entrevista com o Tenente-Coronel Nestor da Silva, militar da reserva, que integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB).
EBlog: TC Nestor, há muitas versões sobre a mobilização e o treinamento da FEB. Como o Sr. vivenciou essa etapa, antes de seguir para a Europa?
TC Nestor: Com a decisão definitiva da criação da FEB, foram selecionados os três Estados mais populosos e ricos do país – RJ, SP e MG -, de onde sairiam os três Regimentos de Infantaria (RI) que comporiam a Força Expedicionária Brasileira – FEB. A mobilização passou a ser sinônimo de dificuldade de toda ordem, dadas às condições físicas, intelectuais e de pobreza existentes em cada área onde iria ser selecionado, particularmente, o pessoal. O tempo passava e a FEB não se organizava. Os três RI (1º, 6º, e 11º) se reuniram no Rio de Janeiro e a mobilização continuava ainda inacabada, pois, só depois de concluída, poderia, naturalmente, iniciar-se, o também necessário e urgente treinamento. Eu vivenciei a mobilização, inicialmente em São João Del Rey –MG, sede do 11º RI, depois em contato com os dois Regimentos de Infantaria: 1º RI do Rio de Janeiro e 6º RI de Caçapava –SP. Em seguida, começou o tão esperado e indispensável treinamento da FEB, ainda no RJ. Por causa dessas grandes dificuldades, surgiram insinuações maldosas de que era mais fácil uma cobra fumar do que a FEB embarcar para a guerra na Itália. Daí surgiu o nosso querido e respeitado distintivo “A cobra fumando’’ encimado pela palavra BRASIL. Por fim, a FEB embarcou para a guerra na Itália, lutou e venceu um inimigo valente. Estamos certos de que a “Cobra Fumou’’ e fumará sempre que o Brasil precisar.
EBlog: Na sua opinião, as tropas brasileiras estavam bem preparadas quando entraram em combate?
TC Nestor: O Exército Alemão se preparou para a guerra durante muitos anos. Assim, estava bem preparado. O Exército Brasileiro, ao contrário, nem pensava ainda em entrar em uma guerra. Das conversações entre os governos americano e brasileiro, a FEB deu início à mobilização e ao treinamento intensivo no Campo de Instrução de Gericinó. A mobilização aos poucos foi tomando forma até o final de 1943. No início de 1944, os RI reunidos no Rio de Janeiro deram continuidade ao treinamento, inclusive com uma vacinação completa da tropa, e paralelamente a outras atividades militares de capacitação para a guerra. Os americanos exigiam urgência na ida da FEB para a Itália. Assim, ela se dividiu em dois escalões: o primeiro, formado pelo 6º RI de Caçapava –SP, que embarcou em julho de 1944; e o segundo, composto pelo 1º RI do Rio de Janeiro e pelo 11º RI de São João Del Rey – MG, embarcou em setembro do mesmo ano.
EBlog: Após entrar em ação, qual foi o maior obstáculo enfrentado pelos soldados brasileiros?
TC Nestor: O clima (20 graus negativos), a alimentação diferente, por exemplo. A temperatura abaixo de zero ocasionava o congelamento dos pés, dando origem ao que se chamava o “Pé de Trincheira’’, que obrigava o militar a baixar ao hospital e, nos casos mais graves, ter de amputar o pé. Essa doença atingia inclusive os americanos. Contudo, o espírito de improvisação do brasileiro o fez colocar jornal velho e capim seco dentro do calçado, que com o tempo fermentavam produzindo calor e o “Pé de Trincheira” desapareceu. O americano estranhou e procurou saber por que o brasileiro não baixava mais ao hospital, e passou, também, a usar o truque.
EBlog: Qual a sua impressão sobre a tropa alemã que a FEB enfrentou no Vale do Rio Pó?
TC Nestor: A tropa alemã dominava o setor de Bolonha. Suas organizações ali eram mais densas e importantes. Além dessa nova posição, os alemães procuraram melhorar a linha PÓ-TECINO. No Vale do PÓ, várias cidades foram preparadas para oferecer resistência ao invasor, retardando-lhe os movimentos. A FEB se encontrava frente às Divisões Alemãs que ocupavam as melhores posições. Apesar da grande potencialidade militar alemã, seu moral para a luta já era baixo, o que facilitou à FEB a conquista do Vale do Rio Pó. Aí se deu a rendição da 148ª Divisão Alemã. Esse foi um grande triunfo para a FEB na Itália.
EBlog: Qual o episódio da Guerra que mais ficou marcado em sua memória?
TC Nestor: Aos 15 dias de abril de 1945, deu-se o ataque a Montese, considerada a maior batalha da FEB na Itália. À noite daquela data memorável, fui informado pelo meu Comandante de Batalhão, por telefone, ele na frente do Gen Mascarenhas de Moraes – Cmt da FEB, que eu acabava de ser promovido, por bravura, de 2º Sargento a 2º Tenente. Esse foi o maior episódio da guerra que ainda está marcado em minha memória. O Cmt do batalhão disse ainda: Nestor, procure honrar essas estrelas como você honrou suas divisas.
EBlog: Houve algum momento, em combate, que o senhor sentiu medo?
TC Nestor: Sim. Todavia, o medo atua mais intenso antes de iniciar o combate. Desencadeado esse, o medo é substituído pela ânsia de destruição do inimigo e não se pensa mais no medo. Foi assim que prendi 16 alemães e coloquei-os dentro de uma cratera de bomba de avião, com ordem de destruí-los, caso quisessem galgar as paredes da cratera. O medo na guerra é sempre substituído pela bravura do combatente.
EBlog: O Sr. era Sargento durante a 2ª GM? Ao retornar como foi sua carreira militar? E suas promoções?
TC Nestor: Eu fui 2º Sgt desde o início da ação da FEB na guerra até a batalha de Montese, a maior que a FEB enfrentou na Itália. Nessa batalha eu fui promovido de 2º Sgt ao posto de 2º Tenente como já foi anteriormente esclarecido. Chegando de volta ao Brasil, no 2º semestre de 1945, fui matriculado, a seguir, na Escola Militar de Resende, em fevereiro de 1946. Terminei o Curso de Formação de Oficial, em maio de 1949. Daí para frente, fui sendo promovido normalmente até o posto de Tenente-Coronel, quando solicitei transferência para a Reserva com equivalência a dois postos acima de Tenente-Coronel. Fiz Faculdade de Administração de Empresa e a seguir comecei a trabalhar na vida civil.
EBlog: Até hoje, os italianos que moram nos locais por onde a FEB passou, referem-se com carinho ao militar brasileiro. Como o Sr explica essa relação tão positiva com a população local?
TC Nestor: Os italianos se assemelham muito aos brasileiros, inclusive na língua falada. A FEB, quando marchava pelas cidades italianas, agradava a todas as pessoas, oferecendo café, cigarros e alimentos. Assim, criou-se uma amizade entre italianos e brasileiros, que durou não só durante a guerra como depois que ela terminou e os brasileiros já se preparavam para o retorno ao Brasil. Daí surgiu essa grande admiração existente até os dias de hoje entre esses dois povos. Houve até casamentos entre italianas e soldados do Brasil, o que confirma mais ainda a forte amizade que dura até hoje.
EBlog: O Sr pode nos contar o que significa esse distintivo da Cobra Fumando?
TC Nestor: Como já foi esclarecido na resposta à primeira pergunta, por causa das grandes dificuldades de mobilização, organização e treinamentos da Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE), surgiram insinuações maldosas de que era mais fácil uma cobra fumar do que a FEB embarcar para a guerra na Itália. Daí surgiu o nosso querido e respeitado distintivo ‘’A cobra fumando’’ encimado pela palavra BRASIL. Por fim, a FEB embarcou para a guerra na Itália, lutou e venceu um inimigo valente. Estamos certos de que a ‘’Cobra Fumou’’ e fumará sempre que o Brasil precisar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário