Superados meses sabáticos de
descontaminação virtual, retomei o manuseio de aplicativos para logo constatar
incipiente polêmica derivada de texto do Bastos Moreira, Cav/70, criticando o
recente emprego do Exército em operações de garantia da lei e da ordem. O debate
fez-me regredir a idos tempestuosos do final da década 1960.
Setembro de 1968, 29,
domingo à noite. No Maracanãzinho lotado, o anúncio oficial das vencedoras do
III Festival Internacional da Canção (FIC) provoca vaias ensurdecedoras de vinte
mil pessoas, inconformadas pela vitória de Sabiá (Chico Buarque - Tom Jobim),
relegando Caminhando, ou Para Não Dizer que Não Falei de Flores, de Geraldo
Vandré, à segunda colocação.
No clima do É Proibido
Proibir - lema das rebeliões estudantis de maio daquele ano em Paris -,
decretação de Atos Institucionais e acirramento da repressão à guerrilha
comunista, Caminhando conferiu foros de Cohn-Bendit tropical a Vandré e
tornou-se hino de protesto contra o regime militar. O trecho mais contundente da
letra - "nos quartéis nos ensinam antigas canções de morrer pela pátria e viver
sem razão" - escancarava seus propósitos de negação ao estamento
político-militar. A contraofensiva seria imediata.
Na mesma semana, as
primeiras páginas dos principais jornais brasileiros publicaram a íntegra de uma
carta-resposta que questionava Vandré e assim terminava - "E, em nossos
quartéis, continuaremos ensinando, se preciso, a morrer pela Pátria, porque
assim não viveremos sem razão". Datada de 1º de outubro, portanto dois dias
depois do FIC, teria sido redigida no longínquo Forte Coimbra, no Mato Grosso
ainda sem a divisão atual. Autor? Certo cadete Bastos Moreira.
A pronta
resposta encerrava nuances duvidosas. Numa época sem internet, do interior
profundo do país, em rede nacional, quarenta e oito horas depois revidar os
efeitos de evento ocorrido a milhares de quilômetros de distância representava
proeza extraordinária. E o que fazia um cadete do Exército no Forte Coimbra, em
outubro, para elevar-se às culminâncias de atingir as manchetes da grande
imprensa?
Aspectos
obscuros sem explicação convincente fertilizam suposições fantasiosas, teorias
conspiratórias e inverdades no atacado. No episódio, a versão dominante foi a de
atribuir a carta à AERP - Assessoria de Relações Públicas da Presidência da
República e antecessora do CComSEx - também receptora da suspeição de ter
influenciado a escolha de Sabiá em detrimento de Caminhando.
Quando li o pronunciamento
recente do Bastos Moreira, os fantasmas de 1968 ressurgiram. Apesar de
conhecê-lo e o seu estilo peculiar de cavalariano faca na boca, nunca perguntei ao
Moreira Louco -
assim era conhecido no Esquadrão - a verdade sobre o midiático episódio de Para
Não Dizer que Não Falei de Flores. Afinal, quem de fato redigiu a resposta a
Geraldo Vandré? Ele ou a AERP através dele? E o Forte Coimbra, como fica?
O jovial Moreira formou-se
adolescente no auge da Ipanema idílica daqueles anos 60, de mulheres
estonteantes e personagens invulgares que dariam repercussão planetária ao
bairro. Da varanda do Veloso, do burburinho do Zepelim, da sorveteria do Morais,
do Zé da Farmácia, do cachorro Rex, da Leila Diniz, do Tom, do Arduíno, do
Cabinho e de outros ícones ipanemenses, deve guardar lembranças singelas.
Mas,
coerente com a própria vocação de guerreiro--alfa ele percorreu caminho inverso
ao do seu cultor Damerran Smith, quando trocou o charme urbano da beira de praia
pela bucólica Vila Valqueire, vizinha da Vila Militar onde ensina técnicas de
mergulho no Círculo Militar.
Repto ao
Dr Lobo Moneró, seu parceiro diário no RAN: decifre-nos o Bastos Moreira, e suas
misteriosas, retumbantes declarações públicas.
A
História agradece.
Rio
de Janeiro, 27 de fevereiro de 2017.
Dom
Obá III, repórter por um dia